terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

BARBÁRIE 1978

1-3- 78-11-30-cpt> -scan
terça-feira, 26 de Novembro de 2002

MUDAR DE AGULHA RUMO À ECOCIVILIZAÇÃO

[30-11-1978] - O planeta Terra vai morrer, a ecosfera é também uma espécie em vias de extinção. Dizem os ecologistas e o seu alarme chega hoje apenas aos ouvidos atentos e aos corações sensíveis.

Mas o mundo que vai morrer, que está moribundo de uma doença profunda em que a poluição significa apenas um sistema superficial entre muitos, é onde as novas gerações de hoje terão de viver amanhã.

Paradoxalmente, grande parte dos jovens foi habituada ao conforto de certos consumos e pensa que esse é um estado inalterável, adquirido para sempre e sem esforço.

Esta a maior ilusão de uma juventude que terá a seu cargo a tarefa mais difícil da história: mudar de sociedade, salvar o planeta, inflectir a marcha da economia, evitar que o Mundo, à beiro do abismo e da catástrofe, caia no buraco.

A geração a quem está confiado o 8º trabalho de Hércules, teve paradoxalmente uma vida alcatifada de facilidades: ela chegou a convencer-se de que tudo, até a saúde, a felicidade e a vida, pode ser comprado no supermercado.

A decepção é hoje generalizada e daí a chamada crise da juventude. A sua angústia. O seu desespero. O seu medo.

Daí a sua passividade frente aos consumos, a sua inércia ou aceitação sem crítica de tudo o que lhe é imposto e vendido pela máquina infernal da publicidade. O jovem limita-se a consumir: todo o produto, embalado ou não em celofane, seja ele tóxico, venenoso, cancerígeno ou apenas supérfluo.

A sociedade de consumo esqueceu uma lei fundamental do universo que é também por isso uma lei fundamental da economia: tudo se liga a tudo e tudo se paga. O ocultismo oriental chamou-lhe lei do Karma.

Ora a nova geração tem de reaprender a sabedoria desta fonte - o yoga - e tem de saber que pagará tudo quanto recebeu «à borla» (que os papás lhe compraram ...).

Comeu mais gelados do que nenhuma outra: a cárie dentária será, como em nenhuma outra, endémica

«Diz-me o que consomes, dir-te-ei quem és.»

As doenças são resultado do que consumimos, principalmente dos alimentos ou desalimentos a que as indústrias nos habituaram para lucro delas O que pensamos e sentimos é produto de muitos folhetins tele e radiofónicos. Os objectos que consumimos são os que o sistema produtivo - fiado na nossa passividade e voracidade cúmplice - vai pilhar, sem dó nem piedade, à natureza que é a matéria-prima esgotável de onde emana tudo. Tudo o que temos. Tudo o que somos. E quando a natureza esgotou os recursos num país, o sistema produtivo vai pilhá-la aos países que, virgens ou chamados selvagens, oferecem ainda potencialidades que há muito os civilizados ou desenvolvidos já não têm, porque as mataram barbaramente.

Basta pensar nos produtos plásticos que esta geração se acostumou a ver como algo de absoluto e permanente. Esquece esta geração que os plásticos, ao fabricarem-se, originam a poluição mais destruidora do ambiente natural, exigem transporte de matérias-primas altamente tóxicas e perigosas, arrastam reacções negativas em cadeia nos equilíbrios ecológicos.

Ao consumir o que a publicidade lhe apresenta como ideal de vida e suprema felicidade, a geração do apocalipse tem da compreender que está metida num jogo onde não ganhará sempre, presa numa colossal armadilha que a conduzirá à total asfixia: de um lado os consumos patológicos que o mercado lhe põe no corpo ou no prato (com as respectivas doenças) e do outro as poluições que só lhe trazem doenças também.

Antes de morrer, o mundo adoece e essa doença é o aparente conforto que esta geração tem gozado mas que será pago por degeneração biológica acelerada.

Não é vingança do chinês, é apenas a tal lei Kármica. Todo o efeito tem uma causa e reciprocamente.
O crescimento industrial de produtos, na maior parte supérfluos, venenosos, tóxicos, cancerígenos, indegradáveis, segue uma linha exponencial ou logarítmica, que é a imagem do processo canceroso: quer dizer, não pára, só pára na morte.

O efeito desta desenvolvimento económico na saúde das populações - na chamada qualidade de vida - será também patológico. O reverso do conforto vendido pela sociedade de consumo é o cancro.

A nova geração tem de escolher: ecologia ou cancro, socialismo ou morte.

Da massa anónima hão-de nascer os escolhidos. Eles farão a necessária e rápida reciclagem nos hábitos do consumo, princípio da urgente revolução cultural: e assim começará a greve geral à sociedade de morte, ao sistema suicida.

Eis o programa que a juventude tem por diante: se quiser sobreviver.

A ecologia irá radicalizar o mundo e bipolarizar a humanidade. Natureza ou nada é o dilema.

Não vale a pena pensar em fazer grandes coisas - ser engenheiro, médico, ministro, empresário, senhor doutor- se não houver terra, ar, solos, água, vida, natureza.

Em suma: se não houver nada, é estulto pensar em alguma coisa mais além da morte.

De duas uma:

Ou esta geração consegue alterar a marcha louca da humanidade, mudar de agulha e fazer com que o comboio, em marcha desenfreada, saia da linha da catástrofe para enfiar na linha da ecologia.

Ou esta geração já não irá a tempo de evita a marcha e o comboio seguirá na linha do abismo.

Seja qual for o caso e a saída para esta crise do meio ambiente, e ecologia está no ponto de bifurcação e condicionará actividades, pessoas, continentes, políticas, culturas, economias. Condicionará o trabalho e os tempos livres. Tudo.

Penso que a nova geração tem pouco tempo para tempos livres. Falo, é claro, dos mais conscientes, responsáveis e sensíveis. Todo o tempo será pouco para a grande tarefa. Esta geração, ou será a última do mundo velho ou será a primeira do mundo novo.

Ela terá, da qualquer maneira, de enfrentar o problema dos problemas: a sobrevivência planetária como facto inédito nesta fase da história humana. Pouco antes do dilúvio, trata-se de construir a arca.
Parte integrante da natureza, a humanidade terá de saber se quer salvar-se ou acabar com ela. E a juventude é a vanguarda da humanidade.
----
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado com este título, no jornal «A Capital», Opiniões Livres