terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

HÁ JÁ 29 ANOS

1-3-energia-5-ds> os dossiês do silêncio – cronófagos e energívoros – as esternalidades
Domingo, 20 de Julho de 2003

ECONOMIA ENERGÍVORA: A QUADRATURA DO CÍRCULO (*)

(*)Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 22/11/1980

22/11/1980 - Enquanto o desperdício for o motor que acciona o lucro na sociedade industrial, podemos estar certos de que nenhuma medida de fundo será tomada para gerir melhor a energia disponível.
Falar de economia neste contexto, portanto, é uma contradição lógica insolúvel. No entanto, é sobre esse contra-senso que assenta toda a lógica do crescimento industrial
Todo o discurso sobre poupança, austeridade e economia energética é, portanto, pura demagogia.
Um dos exemplos mais flagrantes é dado pelas estratégias ou planos energéticos em que os técnicos nos falam.
Fazem eles a estimativa - ou cálculo dos consumos - e vão depois à procura da energia que satisfaça esses consumos.

QUANTO CUSTA EM ENERGIA E EM VIDAS HUMANAS?

É puro folclore revisteiro, porém, tudo o que se disser sobre energia sem colocar, na base, o problema dos custos qualitativos que o crescimento expansionista do imperialismo industrial arrasta.
Sem denunciar as actividades industriais intrinsecamente energívoras, é evidente que se está escamoteando da contabilidade económica, factores decisivos.
Sem apontar (contar, quantificar) o que determinadas indústrias gastam em água, alimentos, solos agrícolas, qualidade do ar, energia humana e saúde do trabalhador, em segurança das populações e higiene pública, é evidente que todos os cálculos
custos/vantagens estão viciados de origem.
«Quanto custa em dinheiro?» perguntava-se ontem, para saber se determinado objecto,, encargo, projecto ou viagem era económico».
«Quanto custa em energia?» - é hoje a primeira e decisiva pergunta a fazer para qualquer um saber se isto ou aquilo será «económico».
A economia que preside hoje a todas as economias é a de energia, em sentido lato.
Quanto custa em recursos vivos e naturais será, de uma maneira geral, a pergunta a fazer por «uma nova ordem económica», à medida que a necessidade de sobrevivência ecológica impuser uma moral económica baseada nos custos qualitativos (quer dizer ecológicos) dos empreendimentos, indústrias e actividades que até agora só têm contabilizado factores materiais a quantitativos.

CRONÓFAGOS E ENERGÍVOROS

Um factor sempre escamoteado pelos economistas clássicos do desperdício e da exploração, é o tempo ocupado e o tempo «livre» dos trabalhadores,
Nunca se cita o tempo que lhes é roubado em bichas, transportes, deslocações, burocracias, etc.
«Matar o tempo» é uma expressão sociologicamente significativa.
Tudo está organizado para matar cientificamente o tempo e, com isso, matar moral ou psiquicamente o trabalhador.
Mas nunca entra na contabilidade dos economistas - sejam eles de direita, sejam eles de esquerda - o tempo que, afinal, não sendo de trabalho é igualmente devorado pelo sistema.
Os cronófagos, tal como os energívoros, merecem figurar nos futuros ensaios e tratados de Economia.
Nesta perspectiva se inclui o peão e os custos qualitativos que este é obrigado a pagar, por exemplo, para que os automóveis circulem à vontade na cidade e estacionem onde lhes apetece, enfim, para que o progresso (automóvel na emergência) continue matando, mas cientificamente, planeadamente, urbanisticamente.
Matando mas, principalmente, estropiando pessoas humanas, visto que já se desenha aí, no horizonte, uma nova classe social, um novo mercado, um novo sector de consumidores que irão accionar várias indústrias.
Estropiando muita gente e incrementando, portanto, os chamados deficientes físicos, muitas são as indústrias que saboreiam já as imensas vantagens abertas por novos consumos e novas necessidades desses deficientes.
Se a medicina por exemplo, abre insuspeitados horizontes ao mercado oftalmológico e ao mercado renal, fabricando com os medicamentos que receita contingentes cada vez mais numerosos de doentes oftálmicos e renais, não será no sector dos deficientes físicos e traumáticos que estas leis inexoráveis do mercado se irão alterar.
Sempre que surge uma nova necessidade e um novo consumidor são algumas indústrias que prosperam.

O PAPEL DO CONSUMIDOR NA TRAGÉDIA MODERNA

Se houver um conflito atómico - do qual «ninguém acordará vivo»- ele talvez se deva a uma qualquer teimosia: do sr. Khomeiny talvez, ou dos senhores economistas que teimam, inclusive, em não estar informados dos avanços da sua própria ciência, ou, inclusive, dos gastadores e grandes consumidores de petróleo que não estão dispostos a abdicar do seu conforto em geral e do seu automóvel em particular. Nem que para isso o mundo se derreta num holocausto nuclear.
Que isto seja ridículo ou inverosímil, inclusive humilhante para a espécie humana - à mercê de uma ou várias teimosias, de um ou vários teimosos - não impede que seja verdadeiro: talvez o fim do planeta se deva a uma casmurrice de um burro demasiado senhor de si e do seu nariz. Talvez o apocalipse venha a dever-se à inércia dos senhores consumidores, mentalizados pela tal «cassete» e peso tal mito burguês do progresso, condicionados para não inventar formas de conforto menos poluentes, menos dependentes do meio natural, menos predatórias dos recursos vivos.
O papel do consumidor, sempre negligenciado na tragédia moderna, é, no entanto, um papel de protagonista. Ele foi condicionado pela publicidade internacional a querer coisas que lhe afirmam ser para seu conforto. Sabe-se que, depois, para garantir (e alargar) esses níveis de conforto é preciso acelerar o ritmo de destruição da biosfera.
Mas já é tarde, porque o consumidor, aí, posto no dilema - vida ou conforto - prefere o conforto e borrifa-se na vida. Prefere, portanto, a «morte confortável»..

O MITO (BURGUÊS) DO CRESCIMENTO ECONÓMICO

Amory B. Lovins aconselha o capitalismo americano a utilizar as energias renováveis (infinitas) para evitar o seu próprio colapso.
Muito citado e publicado por ecologistas, Amory Lovins é afinal um homem do sistema que percebeu, a tempo, que o «crescimento infinito» e a «expansão, contínua» podiam conduzir ao abismo a sociedade industrial e seus triunfalismos. Os estragos ecológicos, no meio disto, é o menos: no fundo, é a própria estabilidade do negócio que está em risco, é a própria existência do capitalismo e do imperialismo industrial que se encontra ameaçada.
Uma das maiores figuras da ciência económica mundial, o brasileiro Celso Furtado, tem ensinado em Yale, Harvard, Paris (Sorbonne) e Cambridge, as suas teses sobre o «mito do desenvolvimento económico» e a «profecia do colapso».
«Pretende-se - diz ele ao desmontar o mito - que os standarts de consumo da minoria da humanidade, que actualmente vive nos países industrializados, é acessível às grandes massas de população em rápida expansão que formam o chamado Terceiro Mundo.»
E conclui sem dar lugar a dúvidas: «Essa ideia constitui seguramente, um prolongamento do mito do progresso, elemento essencial na ideologia directora da revolução burguesa, dentro da qual se criou a actual sociedade industrial.»
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(*)Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 22/11/1980

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