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Domingo, 20 de Julho de 2003
CIDADE E «ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO»(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado na revista da Associação de Estudantes da Escola de Belas Artes, «Arte/Opinião», Abril de 1979, por diligência do meu amigo e advogado Francisco Teixeira da Mota
Abril de 1979 - Mais estradas e auto-estradas, mais vias, ferrovias e rodovias, mais viadutos, aquedutos, oleodutos e gasodutos, mais cabos telefónicos, telegráficos, de alta tensão, submarinos e terrestres, mais Marconi, TV e RDP, mais antenas, mais frigoríficos e silos e máquinas congeladoras, tudo isso são apenas alguns progressos que podem dar a ilusão de que vai grande azáfama no sentido da descentralização por esse País e Mundo fora.
Então todo esse panorama de vias, condutas, fios, cabos, etc, é ou não é para fazer chegar a todos - aldeias lugarejos, montes e vales - os grandes benefícios da civilização acumulados, regra geral e até agora, na cidade-centro que os produz?
Eis mais uma gigantesca mistificação.
Eis mais um slogan, dos planeamentos e planeadores que nos têm cantado - a partir de que tais premissas - os encantos e benefícios da Descentralizacão(agora), a partir da anterior Centralização-sinónimo-de-Civilização.
Mais uma vez o ecologista estraga o jogo a dizer que o Rei vai nu: a partir de tais premissas -- "Civilização é sempre obra de um centro que a produz" - o que se faz, fez e fará é reforçar a teia centralizadora concentracionária.
A cidade cancro aumenta, e por isso é preciso alargar, aumentar, sobrepor em camadas as vias de acesso a ela, vias que hão-de suportar cada vez maior tráfego de camiões carregados com cloreto de vinilo, ácido cianídrico, tomates e beringelas. O grande estômago concentracionário nunca está saciado: o grande estômago nunca deixa de obrar enormes tonelagens de dejectos. Entrar e sair implica vias, condutas, fios.
Quem vai acreditar que defendem efectivamente a descentralização, quantos partem de um modelo económico e de um tipo de concentração industrial que obriga, ele próprio, ao máximo de concentração ou centralização, num processo canceroso irreversível?
Típico exemplo desse mundo concentracionário, Sines não tem mãos a medir: mais vias, mais condutas, mais fios, mais cabos. Chega agora a grande notícia: uma firma americana vai construir uma rede de gasodutos única no Mundo.
O projecto de rebocar icebergues desde o pólo até à nossa banheira é apenas o auge da anedota concentracionária. A escalada prossegue, tal como o modelo de crescimento económico, e é por isso que - face ao absurdo, à asneira, ao irracional de tal modelo, de tal crescimento e de tal concentracionário - se lança a isca-slogan da descentralização para 1980.
O SLOGAN DO «ORDENAMENTO»
Idêntico slogan é o «ordenamento do território».
Descentralizar, no entanto, não tem nada a ver com estas falsas premissas.
Política desconcentracionária, como a realismo ecológico a entende, tem a ver com animação, fomento, diversificação e proliferação de todas as alternativas de autosuficiência local: materiais e matérias-primas da região, alimentos da região, energia captada e explorada na região, reciclagem e reaproveitamento na região, etc.
Política desconcentracionária tem a ver com a fauna e a flora da região, com os ecossistemas e recursos que aí existem.
O realismo ecológico espera que a cidade-cancro se desagregue por si: não vai continuar a alimentá-la.
Muito mais do que as poluições instaladas, os grandes desastres contra o Meio Ambiente têm ficado a dever-se ao transporte, quer de matéria-prima para as fábricas poluidoras, quer de resíduos dessas mesmas fábricas.
Neste contexto, a ênfase posta na poluição local, pode ajudar a desviar as atenções da poluição itinerante.
Liguem alguns factos que a Imprensa dá sempre desligados e logo verão que tudo são apenas sintomas do mesmo cancro concentracionário: uma economia de mercado.
O petroleiro «Amoco Cadiz» que se parte ao meio e derrama 220 mil toneladas de nafta em 80 quilómetros da costa bretã.
O camião-cisterna que explode no acampamento de Los Alfaques carregado de propileno, matando mais de 300 pessoas
O vagão-cisterna com ácido cianídrico que se volta no centro de Tolosa (Guipúzcoa).
O "Alchimist Emden» que encalha próximo de Sesimbra carregado de acetona - matéria altamente inflamável - que deu água pela barba às forças militares, que até... vias de acesso tiveram de abrir, propositadamente.
Com mais ou menos acidentes, a rotina do tráfego normal prossegue. Tráfego que é também o tráfego com a saúde, a segurança e a sobrevivência das populações.
Quando nos rezam a ladainha da descentralização, vem logo em fá menor a cegarrega do «ordenamento do território».
Ora a simples e lapalissiana realidade é que:
a) «Ordenamento do território» significa o grito de guerra lançado pelas indústrias pesadas, quando querem mais e melhor espaço para se implantar, mais água e mais electricidade, e já está tudo mais ou menos tomado por outras indústrias pesadas;
b) Ordenamento do território significa ainda que alguns parques e reservas, meia dúzia de zonas verdes, estreitos corredores ecológicos, são piedosamente preservados pelos pesados, para a malta pôr pé em ramo verde e ter alguma clorofila para não asfixiar de todo com os pesados e seu pesadelo;
c) Pelas duas alíneas anteriores, vê-se como o «ordenamento do território» serve fundamentalmente para "aliviar" a pesada consciência da indústria pesada, permitindo que esta instale com mais garra e arrogância, com maior rentabilidade, com tudo mais à mão, toda a sorte de poluições, venenos, tóxicos, fenis, tilenos e cianetos;
d) «Ordenamento do território» significa - tal como o slogan da descentralização para 1980 - que os polos ou concentracionários industriais vão explorar até ao fim as suas "potencialidades" e tenderão a ser, portanto, cada vez mais a concentração do concentracionário: Ferrel não terá uma mas oito centrais nucleares.
Típico desta conjuntura é o discurso que o jornalista de serviço ajuda sempre a veicular: a propósito da "maior e mais moderna fábrica de poliuretanos", como a Imprensa cantou as vantagens de estar tudo ao pé, de estar tudo à mão!
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado na revista da Associação de Estudantes da Escola de Belas Artes, «Arte/Opinião», Abril de 1979, por diligência do meu amigo e advogado Francisco Teixeira da Mota
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
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