terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

SISTEMA 1988

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sexta-feira, 22 de Novembro de 2002

AS CONSTANTES DO PROGRESSO (*)

[17-12-1988] - Não queremos deixar de contribuir, nesta modesta crónica, para abrilhantar algumas iniciativas de âmbito oficial, em defesa dos direitos humanos e planetários.
Lembro a iniciativa presidencial "Memória do Século" (antes designada "balanço ") e o Ano Europeu do Ambiente, jogada da C.E.E.
Também se ouve, com grande insistência, que é preciso dar um "estatuto científico" ao ecologismo.
Pois claro, ora essa. É para já.
Como a memória é curta e a vida breve, o contributo cientifico desta crónica regional (Planeta Terra) refere-se, por agora, às constantes do sistema que vive de ir matando os ecossistemas, constantes que são, como se sabe, a primeira etapa para chegar à definição das leis científicas que regem o funcionamento da giga-joga a que alguns engenheiros, muito emproados, chamam Progresso.
Bom proveito.

SÓ VANTAGENS E BENEFÍCIOS

Convencido a ver só vantagens e benefícios nos produtos da sociedade industrial, o consumidor é normalmente (por norma) convidado a esquecer os malefícios e as desvantagens, restando-lhe gozar e enaltecer os benefícios e as vantagens.
Contra todas as evidências da interdependência, o sistema omite o próprio fatalismo a que deve cega obediência.
"Não há fumo sem fogo" diz a sabedoria popular. Mas o sistema quase sempre quer que haja fogo sem (se dar pelo) fumo.
Ou, mais frequentemente, separa o fumo do fogo, para que o nexo de causalidade não se note.
Distanciar das causas a atenção para a concentrar nos efeitos (sintomas), actua assim como um anestésico sobre as mentalidades.
Não é difícil ao sistema fazer com que o consumidor ignore completamente o "preço" que paga pelos progressos da civilização, já que os efeitos de uma agressão sobre os ecossistemas são, regra geral, difusos, indirectos e a médio ou longo prazo.
E este distanciamento, no espaço e no tempo, entre causa e efeito, que permite ao sistema "matar" sem ninguém dar por isso. Quando surge a disfunção - que nos seres vivos se chama doença - quem indaga da causa?
É mais fácil, então, fazer crer, à maneira medieval, que tudo o que nos acontece, cai do céu.
Em vez de Ecologia - ou análise das interdependências entre tudo o que existe - temos a Teologia.
E o nosso tempo, a nível de ideologia dominante, é mais teológico do que ecológico, no que respeita à demanda das causas responsáveis - poluidores nacionais ou multinacionais, por exemplo.
Quando uma inovação tecnológica é apresentada inicialmente como vantagem, progresso, benefício e até como grande favor para a gente (e é sempre), mas mais tarde se tornam patentes os inconvenientes e desvantagens dessa inovação tecnológica, a interdependência de causa-efeito é inegável mas o sistema (através da sua ideologia dominante) tenta obviar aos inconvenientes com aquilo mesmo que os produziu, tenta curar a mordidela do cão com a saliva do (mesmo) bicho, dando origem aos ciclos viciosos.

O CICLO VICIOSO

O ciclo vicioso é um efeito perverso e pervertida da (lei da) interpendência.
Exemplo de interdependência perversa ou pervertida: quando o sistema utiliza radiações para combater o cancro que é produzido, entre muitas outras causas, exactamente por radiações ionizantes, evidencia-se , inflexível, a lei da interdependência mas na sua forma pervertida; quando se utilizam medicamentos para tratar doenças que, na maior parte dos casos, foram provocadas por medicamentos ou/e outros procedimentos médicos, evidencia-se a lei da interdependência mas na sua forma perversa de ciclo vicioso: o efeito que volta a ser causa, o remédio que começou por ser doença, a faca que corta a ferida que abriu.
Quando o sistema utiliza detergentes (que é um derivado do petróleo) para combater as marés negras provocadas pelo petróleo derramado dos petroleiros partidos, revela-se ainda a lei da interdependência mas na forma de ciclo vicioso.
Quando se analisa o sistema que vive de ir matando os ecossistemas, esta perversão estrutural salta à vista como contradição fundamental que manieta e manipula os indivíduos na engrenagem a que estão sujeitos,

No caso particular do subsistama médico - modelo de todo o macrosistema, aliás - o ataque sintomatológico em vez da prevenção causal e / ou profilática e uma das suas caracteristicas dominantes, uma das suas leis inflexíveis.
Embora todos os gastos a prevenir a doença por meios profilácticos sejam sempre produtivos à la longue e a higiene, em sentido estrito e em sentido lato, compense sempre (mais vale prevenir do que remediar), surge sempre o argumento "monetarista" para não se fazerem investimentos na prevenção e na profilaxia.
No entanto, o mais "anti-económico", por definição e natureza , é sempre a doença e deixar que a doença prolifere através das causas que a provocam e que não são eliminadas.
Griffith Edwards, consultor da Organização Mundial de Saúde e chefe honorário da Divisão de Pesquisas sobre Dependência, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, expressa de maneira vigorosa (e ecológica) esse carácter anti-económico de certas "economias" quando, a propósito de alcoolismo, escreve, na revista "Saúde Mundial" (Junho de 1979) o seguinte:
"É um paradoxo absurdo utilizar a receita fiscal produzida pelo álcool para construir estradas nas quais não se pode conduzir em segurança, dada a presença de motoristas embriagados; construir hospitais que ficarão sobrecarregados, com 30 por cento cios leitos tonados por doenças relacionadas com o alcool; fazer grandes gastos no treinamento de técnicos que morrem de cirrose; ou usar essa dinheiro para construir novas prisões, onde 50 por cento dos detidos que ali se acham ao fim do dia foram presos por terem bebido. O argumento do oportunismo económico é especioso.»
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(*) Não sei se com este título, este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», Crónica do Planeta Terra, 17-12-1988