1-13- sexta-feira, 26 de Dezembro de 2003-habitat-md-ie-sw>
MERGE DE 4 OU 5 FILES DA SÉRIE HABITAT>
link abjecção
súmulas
entrevista-testamento
os dossiês do silêncio(prefácio)
mein kampf
as intuições de fundo
os anos heróicos
inventários 1971
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QUADRO ORGÂNICO DA ABJECÇÃO(*)
I
A bomba de hidrogénio e a chantagem da arma absoluta.
A maratona termo-nuclear entre outras maratonas de que participam os dois blocos: EUA e URSS,
A ameaça da guerra atómica para ocultar e escamotear as guerras parciais.
Maratona nuclear e corrida espacial: faces da mesma realidade ou coexistência pacífica.
A guerrilha como legítima contra-violência .
A competição militar mascarada de competição tecnológica e esta de competição científica .
A criminalidade das experiências nucleares que ninguém denuncia.
Aparelhos internacionais de controlo e repressão: Interpol, CIA , ONU, FAO, OMS, Olimpíadas, Prémio Nobel, Conselho da Europa.
O HABITAT CAPITALISTA
O modus vivendi norte-americano e a colonização tecnológica da Europa.
Expansionismo de mercados, imperialimo, guerra .
Descolonização do negro americano, fase de uma descolonização que abrangerá a Europa.
Resistência no Vietname ou a Resistência das resistências .
O Terceiro Mundo e a Revolução Tricontinental iniciada em Cuba.
O fenómeno irreversível da descolonização.
O crime legalizado deixa de chamar-se crime .
Os criminosos no Poder deixam de se chamar criminosos.
O Poder gera sempre o crime?
Os crimes políticos nos Estados Unidos ,
A violência censurada por aqueles que suprimiram toda a possibilidade de diálogo.
Imperialismo: expansão territorial mediante agressão e guerra,
Emigração da riqueza dos países colonizados para os colonizadores.
Subdesenvolvimento das economias colonizadas.
35 milhões morrem anualmente de fome.
50 Milhões de pobres nos Estados Unidos, entre eles 20 milhões de negros.
Índia, Sicília, Nordeste brasileiro (28 milhões).
Migração internacional e instabilidade social dos que emigram, além da exploração económica.
Superpopulação urbana e patologia dos espaços restritos.
Desmond Morris e A Jaula Humana
O "encombrement" ou congestionamento urbano
Surménage generalizado, esgotamento no trabalho, depressão nervosa .
O automóvel, dono e senhor do espaço urbano, de onde o homem (peão) é expulso.
Óleos queimados, fumo, ruídos.
O retinir dos telefones como instituição.
Insanidade ou insalubridade do habitat. .
A psicose do consumo e seus reflexos no equilíbrio emocional.
O pesadelo climatizado das inabitáveis cidades
NEM SÓ DE CAPITALISMO VIVE A ABJECÇÃO
Se a crítica da economia capitalista está feita e bem feita pelo marxismo, muitos vectores da abjecção há que ela deixa de fora.
Proliferação nuclear, congestionamento urbano, poluição industrial, invasão dos "mass-media" - são apenas algumas ameaças que hoje põem em risco o homem de amanhã, que hoje comprometem a sobrevivência da espécie sobre o planeta que habita.
Circulação rodoviária, poluição , mass media, cirurgia, explosão demográfica, explosão nuclear, minorias oprimidas, são mais alguns aspectos da Abjecção.
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(*) Este texto, que deverá ter sido escrito em 1971, foi publicado na colecção «Mini-Ecologia», nº 2, Ed. Frente Ecológica, 1974, pgs 26-39 – É complementar de um outro – Vectores da Utopia ou Revolução Cultural – de 15/Setembro/1971 e publicado na colecção Mini-ecologia, nº 8 ( Movimento Ecológico e Descolonização Cultural), pgs 23-25
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QUADRO ORGÂNICO DA ABJECÇÃO
II
O que se entende por mito numa sociedade burocrática de consumo dirigido.
A tirania psicológica da publicidade.
A publicidade substituindo, numa sociedade de massas, a Educação.
Função da rádio, cinema e TV no enraizamento de mitos.
O que pensa Aldous Huxley em The New Brave World sobre as novas técnicas da modificação de opiniões, de lavagem ao cérebro.
O indivíduo contra a corrente da opinião maciça.
Os mitos do cinema e literatura standart, sua única função de consumo.
Os perigos da abstracção ou despersonalização, previstos por Gabriel Marcel e Emmanuel Mounier, entre outros.
O Homem Contra o Mito, um livro de Barrows Dunham .
Pop - apenas uma palavra ou um fenómeno mundial? .
Subtil mas abissal diferença entre comunicação de massas e cultura de massas.
Quando a literatura toma consciência do problema "mito de consumo”, será função do escritor substituir os de consumo por mitos poéticos ou autênticos?
Demagogia ou as relações de propaganda com as massas.
Literatura de cordel (foto-novela) ou a demagogia ao nível dos sentimentos .
"Crónica Feminina" e seus 150.000 exemplares de tiragem.
Carências afectivas de uma sociedade alienante, supridas depois por uma literatura de consumo.
Lisonjear as massas, tanto pode ser com um discurso político como com uma novela onde tudo acaba bem .
Ocultar com as pequenas verdades as grandes mentiras, com reformas de superfície a revolução de base que se não faz, com pequenos benefícios os malefícios maiores, com rebuçados e bom-bons os maiores crimes, eis a demagogia .
Defesa dos valores que têm a simpatia das massas.
Inaugurar uma fábrica que é negócio de monopólios, deve dizer-se que é em beneficio da economia nacional, uma economia e um nacional sempre abstractos onde, no entanto, convém fazer crer a maioria.
A demagogia assim como o boato são produtos de uma sociedade fechada e corrupta, sem imprensa livre por onde respire a informação e sem parlamento onde as contradições se suavizem pelo reformismo demo-liberal ou social-democrata.
Ingredientes da demagogia: contradição, incoerência, fingimento, hipocrisia, discurso, promessa, apelo às massas, a parte como se fosse o todo, o particular como se fosse o geral, o secundário como se fosse o importante.
Mecanismos de opressão e técnicas de aviltamento: os mecanismos que liquidam a individualidade, cerceiam a liberdade, devassam a intimidade afectiva.
Delação, chantagem, carta e telefonema anónimos, censura de cartas, violação e devassa de domicílio, lavagem ao cérebro, interrogatórios, torturas.
Formas de bombardear a mente das massas e o comportamento individual: publicidade, espionagem, educação, informação.
Instituições que usam os mecanismos de opressão: serviços secretos, polícias, escolas, mass media.
O universo concentracionário em pleno quotidiano.
Publicidade é o fascismo das sociedades ditas democráticas .
Jean Luc Godard e a sua denúncia das mitologias que nos governam.
O cinema-indústria e sua má consciência no processo.
Os mecanismos de opressão e compensação, ou a mitologia degenerada.
Pela literatura ( fotonovela, policiais, espionagem), pela rádio (rádio-novela, policial, espionagem), pelo cinema (cine-novela, policial, espionagem), pela televisão (tele-novela, policial, espionagem): os seriais no equilíbrio emocional dos indivíduos alienados pelo trabalho, pela exploração do homem pelo homem, pela instabilidade social, pela doença, pelos traumas físicos e psíquicos .
Os mitos da violência sabiamente intercalados nos de demagogia sentimental que servem de isca à finalidade última dos empresários .
Técnicas de aviltamento: propaganda e publicidade como técnicas perfeitas de aviltamento
Os meios de Informação que deveriam ser de Educação de massas ao serviço da Intoxicação mental.
A crítica como técnica de higiene ou prevenção da saúde mental e ataque à doença.
Espionagem interna das empresas, escuta telefónica.
Indústrias distractivas ao serviço delas mesmas.
Estádios, olimpíadas, taças, campeonatos, rallis, lotarias, concursos, brindes, totobolas, mecanismos simultaneamente de distracção, aviltamento e compensação para as frustrações do tomem alienado.
Desportos de luxo, inverno, náuticos.
Foto-novela, romance de acção, (policial, antecipação, espionagem), bandas desenhadas
180 títulos de "comics" no mercado francês, tiragem global de mais de 15 milhões de exemplares .
Tintin, Astérix, Tarzan, Mandrake, Fantomas, Superman, Mickey.
Tiragem unitária, entre 80 e 200 mil.
Literatura marginal, não confundir com literatura paralela .
Indústria literária.
"Presse du coeur", tiragem global em França de 2 milhões.
O automóvel, mito estudado por Alfred Sauvy.
O "sistema da moda", ditadura imposta pelo sistema capitalista, motor da histeria do consumo.
Estreita cumplicidade entre publicidade e moda, capitalismo e moda, exploração e moda.
A indústria da imprensa da moda.
Cepticismo justificado quanto à possibilidade de a sociedade evoluir para a liberdade, sem constrangimento mitológico, sem aparelhos de lavagem ao cérebro, sem o bombardeamento de signos que conduzem, por reflexo condicionado, a um total embrutecimento.
Embrutecidas as massas, os governos farão delas o que quiserem.
Qualquer Hitler poderá levar uma nação inteira à guerra, em menos de três horas.
Roland Barthes e os seus livros Système de la Mode e Mithologies.
José Augusto França e António Osório, dois exemplos portugueses da sociologia do mito .
Em torno de certos complexos ou estruturas míticas congrega-se uma massa de público que dá ao fenómeno gravidade, extensão e importância política .
Também por aqui a tendência é de a cultura se politizar.
O público da Crónica Feminina, o público do Odeon, o público das séries televisivas, o público dos rádio-romances, o público dos folhetins, o público das notícias de crimes passionais, o público dos concursos OMO, o público das bandas desenhadas, o público do Parque Mayer (revistas): para cada um destes "mundos" ou "sistemas de mitos" há um público que com eles forma um sistema, circuito ou estrutura.
Haverá que julgar esta morfologia mítica ou apenas (como faz Barthes) estudá-la, analisá-la, desmontá-la, sem tomar partido?
Há que politizar o estruturalismo?
Filosofia dos mas media : Aldous Huxley, Marshall Mc Luhan, Roland Barthes .
Mitos da ciência e Barnard como exemplo de fenómeno pseudo-científico ao serviço da propaganda política .
A ciência manobrada pela tecnologia e esta pela indústria ou necessidade de explorar o homem pelo homem.
Corrupção da pretensa autonomia da cultura, pela pressão financeira das empresas a que o intelectual ou pensador tem que vender o trabalho.
Inevitabilidade de politizar a cultura.
Os prémios científicos, literários e a jornalistas, ou a chantagem pela competição.
A roleta na ordem da competição intelectual expõe o escritor à corrida como qualquer cavalo.
Os prémios Bayer de Jornalismo, o jornalista lacaio do negócio publicitário, ramo subalterno dos anunciantes de todas as banhas da cobra .
Testes psicotécnicos para admissão nas empresas, forma disfarçada de espionagem.
Investigação da vida familiar, para idênticos efeitos.
Hábitos eróticos do cidadão e sua ficha na Polícia de Costumes .
Espionagem nas empresas por escuta telefónica., minigravadores e teleobjectivas .
Papel do jogo no equilíbrio emocional do homem alienado.
Lotaria, totobola, corridas de cavalos e de automóveis, rifas e dados, jogos de azar e roletas, cartas e xadrez - sentido lúdico da existência a disfarçar uma existência alienada, vazia e sem sentido.
O problema do anonimato em jornalismo.
Opinião ou comentário (subjectivo) e a pretensa objectividade.
Inevitabilidade de o jornalista ser engagé, consciente e responsavelmente engagé , inevitabilidade de se politizar.
Não há jornalista sem crítica e não há critica sem opção de valores contra outros valores.
Urgente que a crítica se imponha frente à lavagem sistemática dos cérebros pela propaganda e pela publicidade.
A neutralidade requerida por alguns ingénuos só seria possível num mundo sem propaganda e publicidade .
Deontologia jornalística não é neutralidade e evasão, é tomada consciente de posição.
Moral é defender o interesse do público contra, por exemplo, os serviços públicos que mal o servem.
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QUADRO ORGÂNICO DA ABJECÇÃO
III
A Civilização como Doença ou Crise.
A Crítica como acto masoquista da Cultura para se salvar, limpar ou curar de si própria.
A Hipocrisia, terá de ser uma das constantes da civilização que alimenta contradições sobre contradições, que proclama uma coisa e faz outra, que em teoria é assim e na prática assado.
A Hipocrisia é consequência directa da constante incoerência.
E com a hipocrisia vem a Demagogia.
Incapaz de confessar, por exemplo, a sua natureza Homicida (a sua Violência inata) inventa os Humanismos para encobrir essa violência, inventa as Morais, os belíssimas Ideais, e daí a hipocrisia. constante (os ideais nunca se cumprem).
Quando a Hipocrisia se faz mensagem pública (através dos mass media) temos a Demagogia.
Uma civilização que é ela própria uma Doença, inventa., por exemplo, a sublime hipocrisia. do Desporto e da "alma sã em corpo são”.
Uma civilização violenta e homicida, por definição, natureza, origem e fatalidade, diz que defende e promove a saúde.
Usurpação a sobresuficiência são outras constantes da civilização que se julga com o monopólio de todas as Humanidades e Culturas Possíveis, que fala sempre como se tivesse procuração da humanidade passada, presente e futura. Umbilicalismo ridículo, Europocentrismo irrisório.
Teoria sem Prática, Análise sem Síntese: duas contradições que originam todas as demais.
O Especialismo e o Alibi do Especialismo: maneira pela qual o funcionário da Abjecção se escapa sempre às responsabilidades que lhe pedem.
Deus está morto mas os deuses proliferam.
Logos contra Mythos ou a Dissidência Original, a polémica das polémicas.
A partir deste pecado original, o princípio da Individuação cria todo o mal e toda a tragédia, cria a Cultura como um Sistema de Mitos.
Os mitos menores da cultura ocidental matando os mitos maiores das outras culturas.
O racionalismo ou Mitologia do Anti-Mito.
A Ordem que se diz racional alimenta a sua própria contradição e seguintes, safando-se das incoerências internas pelo alibi do Especialismo e do Tecnicismo - ninguém é responsável de nada, visto que a responsabilidade pertence sempre ao "técnico" vizinho e à técnica do vizinho - e pela Demagogia dos ideais a atingir.
O Culto da Personalidade e a Mitologia Política substituem em certos casos os deuses mortos.
Estrutura Hierárquica das Relações Humanas.
Exemplos de instituições fortemente hierarquizadas: Empresa, Igreja, Universidade, Exército, Estado, Escola, Academias, Hospital, etc.
Escola Exotérïca ou Pedagogia do Medo.
Não foi por acaso que a revolução de Maio de 1968 explodiu no centro da Abjecção, a Universidade.
O Poder do Saber.
Hierarquia e Sabatina Jesuítica, autoridade em vez de liberdade, medo em vez de poesia, competição em vez de solidariedade, exploração em vez de amor.
Exame de Passagem e Promoção, Lotaria, Concurso, Rifa, Competição.
A violência resulta directamente da Estrutura Hierárquica: se só se passa vencendo o parceiro, combatendo o parceiro, deixando vítimas no caminho, pulando por cima de alguém, derrotando o próximo, todas as relações se encontram de raiz e automaticamente corrompidas, viciadas, comprometidas.
Mas como, para cada Crime da Civilização, há sempre um cristianismo a tentar santificá-lo, a ideologia fala então do "próximo", do "amor ao próximo", da "fraternidade", de "todos somos irmãos", de "beijo no leproso, etc, etc
Como, para cada Crime da Civilização, há sempre uma demagogia a justificá-lo, a demagogia dos "tempos livres", por exemplo, pretende ocultar a escravatura imposta ao homem pelo trabalho, pelo sistema industrial, por todos os sectores e vectores da Abjecção,
Condicionado pela inevitabilidade do Trabalho não criador, todas as "revoluções" o adoptaram.
A revolução está por fazer, enquanto o trabalhador estiver por libertar, por mais férias pagas que a demagogia inventar.
O Processo irreversível da Tecnologia.
A "revolução" industrial e o começo do fim.
A imparável Lógica da Violência, processo de autodestruição sem retorno.
As medidas antipoluição como expediente demagógico característico.
Civilização do Lixo, Civilização do Luxo.
Sociedade do consumo ou Sociedade do Desperdício?
O Supérfluo abunda, falta o Fundamental.
Degradada a Natureza., onde irá o homem depositar os inevitáveis Dejectos?
Boca, tubo digestivo, canal digestivo, cloaca.: retrato em corpo inteiro do Consumidor e de todo o processo civilizatório que transformou o Homem em animal de Consumo.
Bomba, fruto supremo da Lógica Tecnológica.
Até os jornais mais reaccionários estão a denunciar a demagogia do átomo pacífico.
Não há Átomo Pacífico, dizia O Comércio do Funchal, dia 21-3-1971
Í
Transformado o Homem numa Cloaca temos o que os demagogos chamam Sociedade Afluente, Sociedade da Abundância, Sociedade da Produtividade.
Consumo histeria do Consumo.
Todo o processo humano reduzido ao Processo Digestivo.
Indústrias em geral mas Indústrias Alimentares em especial, ao ataque.
Indústrias Distractivas também, os Mass media.
Indústria Armamentista muitíssimo em especial.
Industriocracia: é a Indústria e não a Economia, a Política, a Educação, a Poesia ou o Desporto o que decide de nós e nos governa.
Tecnocracia: a forma "inteligente" de se dizer que não são os industriais ( gente de pouco prestígio) mas os técnicos (ao serviço da tecnologia industrial) que comandam os cordéis da sociedade.
Mais uma pequena hipocrisia, mais um expediente demagógico, mais uma contradição não confessada.
Mercantilismo: herdado de todas as épocas áureas, eis o Esclavagismo disfarçado de todos os regimes.
Turismo - Michael Peters conta em Le Tourisme International um aspecto relativamente esquecido da Abjecção: empenhado em vender o que tem, cada país socialista entra no jogo que lhe é proposto pelo consumo capitalista.
Produção de meninos como ramo da produtividade em geral.
Administração de nascimentos e controlo da actividade sexual do produtor, do cidadão.
A explosão demográfica ou a grande chantagem: promove-se nuns sítios, restringe-se noutros. E a moral varia, conforme as conveniências das administrações: o solteiro é considerado um benfeitor da pátria, se há excesso demográfico; mas se o governo pretende acelerar os nascimentos porque há falta de braços e de cérebros para produzir, é considerado o solteiro um poltrão traidor à pátria.
INSTITUCIONALISMO
Conforme vieram repetir os jovens dissidentes de Maio 1968, a instituição é vector de Abjecção, visto que lhe está inerente a inércia que o transforma, em breve, na máquina trituradora que foram sempre as instituições.
Generalizado, o institucionalismo seria vector permanente da permanente Abjecção.
O ABSURDO URBANO
Por mais reformas urbanas que se proclamem, o congestionamento acelerado das cidades será cada vez mais um facto, devido exactamente a todas as características que se podem verificar como sendo as da Abjecção.
É um facto, portanto, a Inabitabilidade e inospitalidade das cidades, pesadelo climatizado que Henry Miller denunciou.
A Revolução só pode ser o regresso a um Comunalismo Rural, como os hippies têm vindo a ensaiar.
COMPETIÇÃO
A estrutura "competição" pertence ao sistema na totalidade.
Um dos equívocos em que o livro-filme Os Cavalos Também Se Abatem podia fazer-nos cair (e fez) é pressupor a competição exclusiva do capitalismo, quando a estrutura Competição abarca todo o sistema chamado Abjecção. E Abjecção se chama, exactamente, ao que é especifico da Cultura (ou caldo de) onde mergulha o homem chamado "civilizado".
O CALCULISMO DO CÁLCULO
Do ábaco ao computador, metendo no meio as matemáticas e as ciências nelas apoiadas - temos a história de uma pretensão que se tornou obcecante: tudo reduzir a termos quantitativos, significa que o espírito humano ganha uma sobresuficiência, que a ditadura do sofisma se pode exercer em nome da lógica e da ciência.
Para saber onde conduz essa idolatria do cálculo, basta verificar o que estão fazendo os discípulos de Max Bense - ou ciberneticistas da arte - e os tecnocratas do planeamento capitalista, para quem tudo se pode reduzir a um cálculo de custo-vantagens.
Esta é uma constante da cultura que nasceu com o cálculo e tem no cálculo o seu vector dominante. Tanto como na análise e no dualismo.
TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADES
Se se trata de reivindicar Beethoven, Matisse ou Dante, os funcionários da cultura não admitem fissuras, entendem que a cultura ocidental - aquilo a que chamam a Civilização, por antonomásia - é um todo uno e indivisível: os poços de petróleo e o cálculo infinitesimal, as barragens e a álgebra pertencem à mesma estrutura que as grandes criações artísticas
Tal obsessão unitária, porém, desaparece logo que se trate de indagar responsabilidades no mesmo corpo cultural.
Armamento, tortura física, poluição do meio, taxa de homicídios automóveis, doenças da civilização, espionagem como linguagem universal, a ditadura dos mass media, as grandes potências devorando as pequenas, etc, aí a "cultura" deixa de ser, na boca dos seus funcionários, um corpo unitário e os responsáveis da ciência física, por exemplo, dizem não ter nada a ver com os fabricantes da bomba, assim como os investigadores químicos se descartam quanto ao que da Química fizeram as indústrias alimentares para transformar a humanidade num açougue, numa imensa leprosaria da nova lepra chamada cancro.
Quando se pergunta quem são os reponsáveis por todas as matanças, descarta-se a ciência de responsabilidades, pois ela é pura e nada tem a ver com o aproveitamento que dela fazem os dementes e mal intencionados da tecnologia e da indústria. Rompeu-se a unidade do corpo cultural.
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habitat-4>
ecologia do comportamento=ecologia humana
quadro orgânico da abjecção
inédito ac 1963-1964 de 5 estrelas
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AMBIENTE COMO DOENÇA
29/8/1963 - Quando se fala de felicidade, seria mais correcto falar-se de saúde mental numa dada cultura, sociedade ou época. E ao considerar a saúde mental na nossa cultura, sociedade e época, (do nosso mundo) há que ter em conta três ordens de factores que condicionam portanto a tão discutida felicidade:
1 - Os mitos menores alimentados pela máquina de propaganda, o noticiário nacional e internacional, os títulos, a histeria provocada e permanente das grandes imprensas ao serviço das grandes empresas ao serviço dos grandes capitais particulares ou do Estado, mitos que nos invadem pela rádio, pela imprensa, pela televisão, pelo cinema, pelo livro, pela revista, etc
2 - Para o envenenamento da atmosfera respirável não contribuem apenas os mitos. Mais reais, menos visíveis e espectaculares, as poeiras radioactivas, a poluição da atmosfera pelos resíduos da carburação, o ruído - são outros tantos factores que condicionam e conformam o homem da nossa cultura, da nossa sociedade, da nossa época.
3 - E só depois de ter em conta ambas estas ordens de factores, estaremos autorizados a ser juizes e críticos do comportamento "moral" dos homens: crimes, suicídios, alcoolismo, etc manifestações, afinal, de resistência às condições de inabitabilidade do planeta.
2
MORFOLOGIA DO HABITAT
1964 - Nem só os físicos atómicos e a sua herança contribuíram para definir a espécie de ar que hoje se respira e, por maioria de razão, se há-de respirar amanhã. Nem só as poeiras radioactivas, nem só a poluição do ar atmosférico pelas explosões, nem só a água do mar onde caem bombas perdidas (as que se sabe e as que não se sabe) de onde são ou não são retiradas, nem só o clima de histeria internacional criado pela corrida aos armamentos, nem só a propaganda em torno das mitologias ou ideologias políticas, nem só a demagogia pró-paz, nem só os jornais, as agências, a rádio e a televisão, contribuem para formar o "pesadelo climatizado" em que o homem vive.
Outros factores e ingredientes o constituem:
a atmosfera de industrialização maciça;
a super-população e o isolamento dos indivíduos em unidades fechadas;
o ruído difuso que corrói, o ruído directo que lacera;
o incremento de objectos domésticos e electrodomésticos, a alienação intelectual e afectiva a esses objectos, o espaço fechado dos arranha-céus, a desproporção entre o indivíduo e os espaços monstruosos edificados nunca a pensar nele;
a respiração física e moral dentro de ambientes viciados, o tédio intrínseco às super-organizações e respectivas hierarquias;
a ultra-burocracia, a velocidade;
a agressividade do trânsito automóvel sobrepondo-se ao peão e ferindo, golpeando, empurrando;
a devassa da vida privada, a que procedem as polícias com pretexto em trabalhos de investigação;
as devassas à intimidade do domicílio (livros, roupas, papéis, gavetas, etc);
a censura de actos, palavras, escritos;
a chantagem e a delação;
os interrogatórios e a lavagem de cérebro;
os tribunais e as câmaras de tortura;
a espionagem e a contra-espionagem., não só ao nível das relações internacionais - deteriorando na origem qualquer hipótese de convívio ou diálogo entre países – mas ao nível das relações individuais, no trato quotidiano e profissional (o empregado de uma grande empresa, por exemplo, onde pode ser espiado e submetido a técnicas de chantagem sob ameaça de perder o emprego);
a pena de morte efectiva ou a pena de morte disfarçada, intensificada através da mobilização militar obrigatória;
a escravatura efectiva ou a escravatura disfarçada de funcionalismo médio ao serviço do capital financeiro e do Estado;
os investimentos financeiros postos ao serviço do armamento e retirados à bolsa do contribuinte que, além desse, esportulará mais o imposto de sangue e quantos impostos a cadência inflacionária de todos os regimes lhe impõe.
Mas nem só, nem só estes pequenos nadas constituem a paisagem que rodeia, modela e determina o indivíduo: os valores, os chamados valores que filósofos fabricam nas universidades, discursam nas academias, inserem nas revistas da especialidade;
as chamadas controvérsias ou colóquios de Genebra;
as chamadas doutrinas ou teorias, ou humanismos, são ainda e também o habitat do homem "civilizado".
Arterioesclerose, depressão nervosa, cancro, alcoolismo, intoxicação pelas drogas medicamentosas ou alucinógenas, suicídio, acidentes de viação, acidentes de aviação, criminalidade - parecem ser os surtos endémicos protagonistas da comédia.
Agredido, bombardeado, atacado pelo ar que se respira, posto à prova nas suas defesas, na sua resistência e no seu poder de superação, as doenças epidémicas são apenas a única forma que resta aos indivíduos de reagir e sobreviver: doente, mas sobrevivente. As drogas ou "paraísos artificiais” já não chegam para atenuar a dor de existir em tal tempo e mundo; álcool, morfina, cocaína, LSD, tranquilizantes, narcóticos, já não chegam para atenuar a morte; por isso adoece, que é a única forma de estar vivo numa civilização de morte.
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A BESTA ADORMECIDA
1964 - Alienado às forças que o manejam, comandado por causas que desconhece, mistificado por mitos que inconsciente ou involuntariamente alimenta e coadjuva, o homem das sociedades industriais (a leste e a oeste, capitalistas e socialistas), por muitos desportos que pratique, por muitas olimpíadas em que participe, por muito tecnologia que o conforte e muitos ideais de propaganda que o embalem, por muitos governos que o sirvam mas que ele acaba por servir, é apenas um drogado, dormindo um interminável sono cataléptico, letárgico ou sonambúlico.
A máquina humana funciona apenas e sempre de meio para servir fins alheios, de objecto para uso dos que, em nome da pátria, do progresso, de deus, do partido, da classe, da liberdade, etc., dele se servem. Atrofiada ou hipertrofiada, conforme importa ou interessa às instituições que a usam, alienada a tudo o que a transforma de sujeito em mero objecto ou utensílio, a máquina humana que os "humanistas" designam de maravilhosa é para cada indivíduo, à mercê dos "humanistas", apenas um pesadelo, uma doença, um fardo.
O desporto - mentira máxima dos "humanistas" - não se destina a desenvolver a máquina e a coordenar-lhe harmoniosamente as funções mas apenas a fazer dela a "máquina de competições" que sirva nas pistas e nos estádios. O desporto, no clima de alienação geral, é apenas uma fábrica de mitos com que se jugulam massas ou se estabelece competição de homem para homem, de região para região, de cidade para cidade, de país para país, de continente para continente. O desporto é mais uma força de alienação, uma forma de adiar e distrair, de tornar dóceis grandes massas humanas para os fins últimos que as potências se propõem, de as escravizar à vontade dos que (hipocritamente em nome delas) delas decidem.
O habitante das sociedades hiper-organizadas, dorme. Este "sono", porém, não tem o carácter de um sono sadio e reparador, mas sim o carácter mórbido de uma intoxicação colectiva.
Karen Horney chamou-lhe a "personalidade neurótica do nosso tempo", mas não é necessário perfilhar a doutrina psicanalítica para reconhecer um estado ou clima geral para o qual os homens procuram remédio em (paradoxalmente) mil outras formas de sono, esquecimento ou intoxicação: álcool, drogas, estupefacientes, religiões, ópios - eis os sonos a que recorre para não se lembrar que dorme. Ainda que inconsciente, o estado de alienação é para ele insuportável a procura derivativos, ersatzs que o adormeçam e entorpeçam mais profunda, mais completamente.
Neste contexto, se algum há com forças para reagir, é ele afinal que adquire sintomas neuróticos. O que reage, por explosão ou descontrole de nervos, por uma revolta ou inconformismo sistemáticos, às condições mórbidas do ambiente, à sociedade doente, o que resiste e reage, é afinal o inadaptado. O que surge nas clínicas para curar a sua "neurose" é –efectivamente o amoral e às vezes o suicida, o que ainda possui demasiada saúde ou individualidade, o que procura "curas de sono" porque tem ainda consciência do sono colectivo. Para os que se julgam sãos, é ele o doente. Mas para quem saiba que o doente é a sociedade e doentes os que se incorporam nela sem desajustes, - facilmente se concluirá que os neuróticos ou anormais são ainda, no meio da demência colectiva, os únicos sãos.
Pensaram alguns que, se na sociedade está a doença, ninguém individualmente poderá nada contra um estado de coisas colectivo.
Freud e a psicanálise, Mesmer e o magnetismo animal, por exemplo, teriam sido tentativas, historicamente localizadas mas frustradas, de curar as neuroses individuais.
Pensaram outros, entretanto, que a político-terapia seria um caminho, porque só transformando politicamente as sociedades, o indivíduo poderá curar-se.
Até agora e entretanto, porém, as soluções políticas totalitárias assemelham-se muito àquela receita panglossiana que, para curar a dor de cabeça, manda cortá-la. Cortando o mal pela raiz, as soluções totalitárias teriam suposto que eliminavam o mal - a neurose generalizada - apenas porque eliminaram de facto o sujeito ou indivíduo. Se era isso o que se pretendia, (o que vinte séculos de retórica humanista judaico-cristã pretenderam com a exaltação do indivíduo e da "pessoa humana") então já o conseguiram. E acabaram-se os problemas.■