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29-4-2000
A CHAMADA «LUTA BIOLÓGICA»:MAIS UM EQUÍVOCO?
Palavras-chave para pesquisa na Internet:
adubos
agricultura biológica
agricultura química
aves
Bayer
biocidas
biocídio
Comissão Internacional de Luta Biológica (1956)
DDT
desequilíbrios biológicos
ecologia dos solos
F.A.O.
fitopatologia
fungos
insectos
luta biológica
mamíferos
parasitas
pesticidas
poluição química dos solos
produtos de síntese
pulverizações
Rodolia Cardinalis (Joaninha)
saúde pública
tratamentos fitosanitários
A fitopatologia que se ensina nas escolas superiores é mais semelhante a uma indústria de guerra do que a uma arte de paz.
Os técnicos agrários, não contentes em ter transformado a agricultura numa tecnologia mecânica, fizeram dela, de há um século para cá, uma indústria de guerra perpétua.
A corrida para a destruição em que adubos e pesticidas meteram a agricultura parece não ter saída nem alternativa dentro do sistema cultural vigente. Dentro das vigentes ideologias do desenvolvimento e do crescimento económico indefinido. Os técnicos agrários da ideologia F.A.O. só vislumbram a guerra cada vez mais encarniçada, só a destruição cada vez mais raivosa, só a violência cada vez mais in extremis.
Mas como a destruição engendra destruição e a violência engendra violência, eis que o beco sem saída da agricultura transformada em «indústria pesada» se oferece aos olhos esbugalhados de agrários e técnicos como o panorama do fim do mundo, do fim da Terra.
Em desespero de causa, vem o técnico mais ardiloso e descobre, no laboratório, aquilo que se quer dar como alternativa para os pesticidas e a luta química em geral : vem o técnico e descobre a «luta biológica». Reconhecendo que a guerra química está perdida, reconhecendo que não é possível continuar queimando as terras e, ao mesmo tempo, exigindo delas alimento (absurdo que só os autênticos paranóicos continuam defendendo), vem um fitopatologista mais esperto e «descobre» a «luta biológica». Não desiste da palavra «luta» mas agrada-lhe a palavra biológica», já hoje mágica, à medida que a escalada biocida prossegue.
Mas a chamada «luta biológica» (alternativa reformista dentro do sistema e não uma alternativa revolucionária para fora do sistema ecocida), temos de novo a asneira tecnocrática em campo, a desmedida megalomania do biotécnico supondo que pode pôr e dispor da Natureza a seu belo prazer, que pode pôr ordem nas coisas naturais, que pode sobrepor-se à ordem do Universo, dominar, esmagar, tripudiar, etc., como sempre tem vindo a fazer, com grande orgulho...científico dos ideólogos vendidos.
É bom que o militante ecológico medite no discurso que alguns da «luta biológica» lhe impingem, em desespero de causa, vendo perdida a guerra que a hecatombe química trava nos solos mas não querendo desistir da sua supremacia e domínio sobre a Natureza.
Os textos são colhidos ao acaso das leituras e constituem apenas um primeiro apoio ao estudioso das alternativas ecológicas para a agricultura. É bom que se analise e discuta a ideologia que preside à destruição ecológica dos solos.
Talvez assim, conhecendo o discurso e a ideologia, o discurso da ideologia, se possa reconstruir a ideologia criadora e revolucionária da Idade Solar que, entre partos e prantos, se aproxima para a próxima e venturosa geração que terá a felicidade de a viver.
Comecemos com um texto lido há anos num jornal de Moçambique - Notícias da Beira - e que, no seu anonimato, dá a nota do que pode ser um discurso oficial da FAO sobre o assunto, nomeadamente para consumo no Terceiro Mundo.
Transcrevemos:
«A luta biológica consiste em destruir os seres nocivos, utilizando, para isso, os seus inimigos naturais.
«O agricultor, na luta contra os inimigos das culturas, dispõe de numerosos auxiliares - insectos, aves, mamíferos, etc. - e para evitar a sua desaparição é preciso: protegê-los e facilitar a sua reprodução.
«A partir de 1945, ano em que os novos produtos de síntese fizeram a sua aparição, o emprego maciço e inconsiderado destes foi, em muitos casos, responsável por desequilíbrios biológicos ; assim, admite-se que o uso generalizado de especialidades comercias à base de DDT em pomares de macieira, tenha favorecido a multiplicação do aranhiço vermelho.
«Os agricultores, devido à virulência, quase espontânea, de parasitas que antigamente não exigiam tratamentos particulares, encontram-se agora perante o problema, frequente, de necessitarem de efectuar novas e dispendiosas pulverizações ou polvilhações; deve-se procurar empregar, para evitar estes inconvenientes, produtos específicos capazes de destruir o parasitas, respeitando o equilíbrio biológico .
«No caso contrário, no entanto, poderá dar-se a ruptura desse equilíbrio, facilitando a população de novos parasitas e tornando necessário aumentar o número de tratamentos ; cai-se, assim, num círculo vicioso e, para o evitar, recomenda-se:
alternar os produtos activos
evitar as misturas complexas e de acção duvidosa
e evitar os tratamentos excessivamente intensos e pouco intervalados .
«O interesse da luta biológica chamou desde há muito a atenção dos serviços de investigação agronómica .
Em 1956 foi criada uma Comissão Internacional de Luta Biológica para permitir aos investigadores confrontar pontos de vista e coordenar a orientação dos trabalhos.
É frequente que a introdução acidental num país de um parasita originário do estrangeiro se faça com virulência muito inferior à observada no país de origem; houve, portanto, ruptura do equilíbrio biológico.
«Os investigadores, neste caso, procuram:
descobrir o insecto entomógrafo capaz de destruir o parasita no país de origem
introduzi-lo
e permitir a sua alimentação e estimular a sua dispersão.
«Um dos exemplos mais conhecidos é o da cochonilha australiana, cujo inimigo mais activo na Austrália é uma joaninha, a Rodolia Cardinalis; a disseminação e dispersão deste insecto na região mediterrânica é perfeita.
«Um himenóptero, o Alphelinus mali, foi importado da América do Norte com resultados satisfatórios no combate ao pulgão lanígero.
«O emprego dos meios naturais pode, em suma, resumir-se da seguinte forma:
utilização máxima dos entomófagos no seu habitat original e introdução e aclimatação, seguida de dispersão, de depredadores de origem estrangeira.
«Pode afirmar-se, em conclusão, que a luta biológica apresenta um interesse primordial, pois permite efectuar economicamente a protecção das plantas cultivadas, limitando, em certa medida, a aplicação de tratamentos dispendiosos.»
Por seu turno, o boletim da Bayer, perguntava um dia se a luta biológica apresentará perigos para a saúde pública. O empório químico parece recear efectivamente a concorrência e que a luta biológica mata mais e melhor do que a química, como comprova o texto que a seguir se transcreve :
«Pode recorrer-se à «luta biológica» sem se pensar nos perigos daí decorrentes para o homem e animais de sangue quente? - pergunta, inquieta a Bayer, que acrescenta: « A pergunta tem a sua razão de ser, mesmo para este processo em que não entra um grama de qualquer produto químico, mas em que se lançam insectos contra insectos, fungos contra insectos, bactérias contra insectos, etc.
«O fungo Entomophthora coronata, aplicado na Califórnia contra um piolho da luzerna, mostra-se tão perigoso contra estes insectos como, provavelmente, como origem de infecções, contra o homem.
«De facto, os animais de um laboratório experimental em que se aplicou este fungo, mostraram uma série de sintomas graves.
«Também o fungo Beauveria bassiana, uma espécie muito usada em luta biológica,originou agora, nos próprios seres humanos, dores de cabeça, fadiga, febre, dores nas articulações, etc.
«Em ensaios toxicológicos conduzidos com ratos de laboratório, a junção de doses altas dos esporos do fungo à ração, durante alguma semanas, originou diarreias, perda de peso a até casos mortais.
Um caso extremo de «acção secundária deste fungo , dar-se-ia quando, ao lidar com ele, ocorresse uma «explosão» do pó de esporos.»
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70-04-29-di>
quarta-feira, 11 de Dezembro de 2002
EVOLUÇÃO E MUTAÇÃO DO CRITÉRIO CRÍTICO (*)
29/Abril/1970 - A experiência é conhecida e alguns a terão descrito já.
Quando um dia contactamos uma obra, um autor e senti-mos que, a partir dele, tudo ou quase tudo se modificou na nossa óptica, na nossa estrutura mental, na nossa sensibilidade, no nosso critério, na nossa mentalidade ou maneira de ver as coisas ou mundividências, dá-se o que alguns podem considerar súbita iluminação e outros conversão (quase) mística. Trata-se, pelo menos, de uma mutação.
Por essa experiência se explica que o nosso gosto evolua: o que ontem nos parecia bom, hoje aparece-nos medíocre. Ou o que ontem dificilmente aceitávamos, hoje banalizou-se. Passa-se com a arte - em especial com a música -, passa-se com a poesia e a literatura, com as ideias, com as modas e com tudo o que depende mais da intuição ou da imaginação do que do raciocínio e da razão. O nosso gosto evolui mais do que a nossa inteligência. Informações esquecem-se, mas experiências marcam-nos, vão-nos marcando e fazendo com que a nossa personalidade de hoje já não seja a mesma de amanhã.
Este gosto, desejo e necessidade de mudar, de evoluir, de melhorar ou modernizar a nossa óptica (a nossa sensibilidade), sentimos que é um facto sempre que se nos revela um novo autor ou uma nova obra de quem afirmamos: "Depois dele, o dilúvio." Ao pé dele, muita coisa empalidece e envelhece.
É isso o que um contacto de dias com os textos e autores da Prospectiva nos dá: a sensação de que muita coisa ficou, irremediavelmente, ultrapassada e morta. De que outro agora é o nosso ponto de arranque e o nosso critério de ajuizar sobre um filme, um livro, um quadro, e muito diferente a terminologia que passamos a aceitar.
Prospectiva é, no fundo, o que sempre acontece quando nos acontece mudar , sofrer a experiência de uma nova fase da existência.
Prospectiva é o que acelera e torna possíveis as mutações do nosso espírito, o princípio geral que não deixa envelhecer o espírito e morrer intelectualmente,
No fundo, Prospectiva é o que procuramos quando procuramos em que consiste a Modernidade, o Progresso, a Civilização, a Revolução, o Avanço, o Movimento, a Humanização do Homem. A Liberdade.
Descontentes com as filosofias de ontem, que tão rapidamente passam a filosofias de ante-ontem, atravessamos as de hoje - dadaísmo, surrealismo, existencialismo, persona-lismo, estruturalismo, marxismo, realismo fantástico - e essas outras sempre acabam por não ser suficientes, ou por en-velhecerem também.
Aos que procuram respostas nos sistemas filosóficos, nas escolas e correntes estéticas, a Prospectiva propõe a ultrapassagem contínua, porque a filosofia de amanhã será, com certeza, todas essas mas não será nenhuma delas. Porque o tempo - movimento e mudança - é o princípio que torna o presente já passado e o futuro a única coisa sempre presente.
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(*) Este texto de Afonso Cautela deverá ter permanecido inédito, pois mais também não merecia. Estes anos 69,70 e 71, a contas com uma coisa inexistente – a Prospectiva -, foram de grande confusão na minha cabeça! O princípio da relatividade de tudo andava por perto...
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1-1- 70-05-02-di>
terça-feira, 10 de Dezembro de 2002-scan
A PROSPECTIVA E O CAOS DAS TEORIAS
2-5-1970 - Prospectiva não é ficção (política, história ou ciência-ficção), não é antevisão, hoje, com o auxilio da fantasia mais ou menos delirante e de computadores mais menos electrónicos, do que irá passar-se amanhã, e de como viveremos.
Prospectiva não é, tão pouco, Futurologia.
Prospectiva é uma atitude de espírito que consiste em nos colocar-mos num ponto exterior ao presente - um ponto no espaço e no tempo - de modo a vermos esse presente perspectivado, devidamente perspectivado.
Por exemplo: um indígena australiano que olhasse os costumes ocidentais - se lhe fosse dada essa experiência - estaria situado num ponto prospectivo.
O próprio europeu de hoje que lance um olhar para os costumes da Inquisição - digamos, a exemplo - verificará a que distância se encontra desses bárbaros rituais e situa-se, portanto, num ponto prospectivo de observação.
O mesmo em relação à sociedade actual: conseguir em relação a ela um distanciamento - no espaço e no tempo - que permita perspectivar uma auto-crítica, é posição prospectiva.
Muitos, não há dúvida, são os aspectos deste mundo em que já é possível imaginar o que vai ser um juízo dos homens de um futuro próximo. Quanto mais segura, mais nítida e mais profunda for essa perspectivação, mais prospectiva será a atitude de espírito que a promove.
Supunhamos, por exemplo, o que irá pensar daqui a 10 anos um homem que reveja a maioria dos filmes americanos produzidos hoje; e que leia os nossos jornais; e que se espante com as polémicas entre ismos ou teorias.
"Como era possível" - dirá o homem do futuro e o que é já hoje contemporâneo do futuro - "que eles, perante, por exemplo, o mesmo filme, manifestassem opiniões tão opostas?"
"Como é possível que não houvesse ainda meios de medir matematicamente o mérito de uma obra - filme, livro, peça, romance, poesia - e tal medição, feita com palavras destituídas de rigor e mergulhadas na mais crassa subjectividade, desse motivo a tão odiosos conflitos de pessoas?"
Na verdade, um dos costumes da cultura actual que mais irá ferir a sensibilidade do homem futuro é esse da crítica, que ao homem prospectivo de hoje aparece já como um instrumento vão de análise e medida, um instrumento imperfeito e indigno da nossa época de tecnologia ultra-aperfeiçoada, de pretensos rigorismos, de cientifismo enfatuado.
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1-3-vitrac-1>
sexta-feira, 14 de Junho de 2002
6353 caracteres vitrac>literatu>manifest>rascunhos
intuições ac - ensaios sobre a estética do obsceno- para um manifesto literário da modernidade - radicalizar a perspectiva para uma teoria sem dogma da crítica literária para uma ciência dialéctica ou não dogmática da criação literária
A LEI DA RELATIVIDADE EM LITERATURA
2/Maio/1970 - Em «Vítor ou as Crianças no Poder», Roger Vitrac explora uma situação que viria a fazer lei em toda a sensibilidade moderna. Talvez sem se dar por isso, Vitrac utiliza ardilosamente um estratagema que viria a estar na origem de muita vanguarda literária, de que é expoente máximo a obra inalienável, indivisível (toda a obra) de Samuel Beckett: um posto de observação inédito para o autor, ou para a personagem que na história, no poema, na obra, é o alter ego do autor.
No caso de «Vítor ou as Crianças no Poder», esse posto de observação é o da experiência infantil, em oposição à dos adultos; mas outros postos de observação seriam descobertos: a experiência do louco, do toxicodependente, do doente profundo, do «out-sider», o do chamado «selvagem» [--->>]
Se não foi descoberta e teorizada pelos surrealistas, esta lei da relatividade -- princípio diabólico por excelência -- foi, pelo menos, largamente praticada por autores surrealistas, (entretanto rotulados por André Breton sob a etiqueta prática de «humor negro» ou «non sense») que conferiram ao conceito «experiência em literatura» uma latitude e complexidade até então desconhecida.
DESARMONIA DOS CONTRÁRIOS
Quer se trate de uma idade contra outra idade (a criança contra o adulto, no exemplo de Roger Vitrac), de um grupo contra outro grupo (o colonizado contra o colonizador, o negro contra o branco, o judeu contra o nazi, o aluno contra o professor), de uma classe contra outra classe (o proletário contra o pequeno-burguês), de uma vivência contra outra vivência (o doente contra o sadio, o anormal contra o normal, o «out-sider» contra o instalado, o drogado contra o imune, o celibatário contra o casado, o infractor contra o legal, o criminoso contra o polícia, a mulher contra o homem...), uma conclusão provisória, na busca de uma lei geral, pode ser enunciada: a Modernidade (ou Prospectiva) em literatura, vem quase sempre aliada à ideia de uma resistência às normas estipuladas, aos valores hierarquicamente impostos, às autoridades executivas, à ordem reinante, instalada e considerada até aí -- até surgir o texto -- imutável, indiscutível.
A Modernidade -- a existir -- vem sempre ligada a uma estética do Obsceno, quer dizer, uma quebra de regras e tabus e antinomias e rótulos e classificações--->>.
Na melhor das hipóteses, Modernidade é uma literatura de marginados, excluídos, segregados pelos «status quo» vigentes.
A esta luz, o fantástico em literatura aparece apenas como um posto mais diferente de observação.
Entre os postos de observação «diferentes» que se tornaram clássicos na chamada literatura de ficção científica, está o de ver a Terra do Planeta Marte, o que, em princípio, gera uma «perspectiva de escala» obviamente interessante e poética.
«Vítor ou as Crianças no Poder» não será um dos mais frisantes nem dos mais conscientes, mas é exemplo significativo de modernidade ou prospectiva literaria; um claro exemplo de como também o humor resulta de uma alteração de perspectiva epistemológica e de novos postos de observação da realidade, de novas ópticas além das convencionais; um exemplo, pois, de que o humor não é uma evasão, denegação ou sonegação do real mas a descoberta nele de insólitos, inéditos ou originais e mais profundos aspectos.
A revolução, modernidade ou prospectiva literária tem em Roger Vitrac um cultor brilhante, porque ele conhecia, ao menos de intuição, os mecanismos que estabelecem a desordem e denunciam, portanto, determinada ordem estabelecida, seus delitos e suas contradições.
Quando se procura uma nova literatura -- uma literatura prospectiva[?????] -- é fundamental esta questão das ópticas possíveis. Dela é corolário o sentido da relatividade que vem substituir o do absolutismo. A nova literatura é dialéctica, por oposição aos monolitismos dogmáticos, aos sistemas metafísicos, imutáveis e inamovíveis. É contra a imutabilidade dos dogmas (a ciência, incluindo a ciência literária, instituiu-se, como se sabe, em Dogma maior da religião contemporânea). É pela mudança, pelo movimento, pela INSTABILIDADE ([????].
Se aqui fica assinalado o caminho para uma lei geral da literatura e da criação, uma semântica do imaginário humano, então acredito que a Estética do Obsceno seja o campo certo da criação poética florescer, o método eficaz de não criar dogmas a partir de teorias, de fazer caminhar e encaminhar para a ciência (dialéctica) a análise crítica ou análise crítica literária.
A literatura de novas ópticas é subversiva no sentido em que vem afirmar haver mais mundos e mais «marias na terra», dando a palavra aos que até agora a não tinham, ao Terceiro, Quarto e Quinto Mundo dos indivíduos e dos povos: os deserdados, os heréticos, os marginados, os humilhados e ofendidos, os excluídos, os eternamente vencidos, aquelas a quem a própria condição de «submundo» lança sobre eles designações geralmente pejorativas, rótulos ou etiquetas que a medicina, a sociologia, a psiquiatria, a política (em suma as autoridades possidentes) se encarregam de inventar: criança, toxicodependente, louco, doente profundo, anormal, out-sider, anarco-libertário, homossexual, negro, colonizado, presidiário, interno dos hospitais, ------>>>>>>>>
A perspectiva de escala em literatura é a descolonização em sentido lato, é o Terceiro Mundo da Literatura.
--temos, em resumo, a propósito de Roger Vitrac e do calão (os dois últimos textos a serem teclados para esta manifesto aberto), algumas noções básicas -- a sublinhar eventualmente nesses textos -- ao desvendar os mecanismos e dispositivos que regem a imaginação criadora de ontem, de hoje, de sempre:
relatividade
estética do obsceno
resistência de minorias
descolonização
novas ópticas
epistemologias múltiplas
mudança
ciência dialéctica versus ciência dogmática
terceiro mundo dos marginados
lumpen-prolariat
calão
underground
bas-fonds da sociedade
pop-literatura
alter-ego
autosider
non-sense
humor negro
status quo
establishment
descolonização literária
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1-3. 73-04-12-ie> quarta-feira, 4 de Dezembro de 2002-scan
A CONSCIÊNCIA ORIGINAL DA UNIDADE PERDIDA (*)
["Diário do Alentejo", 12/Abril/1973] - Que o mundo seja, todo ele e em matéria de lucidez crítica, uma imensa leprosaria, ou, se se prefere, um asilo de alienados, de imbecis, de histéricos e de delinquentes senis, enfim: a gente já conhece, já não liga e passa.
Mas que as minorias, os raríssimos nos quais reside afinal a nossa derradeira esperança de homens ainda humanos, se passem, inopinadamente, para o campo da Abjecção, eis o maior e inominável desespero. Eis o maior motivo de pessimismo. Se as minorias são o sal da Terra, então só nos poetas, nos raros artistas e escritores e em alguns filósofos que tenham ainda um pouco de profetas residiria a nossa única e última esperança.
No meio do fanatismo das ideologias, no meio do obscurantismo que se desculpa de causa política, no meio da estupidez que se vangloria de "combater" tudo quanto seja vivo, se subsiste ainda um resto de esperança seria apenas para acreditar nos poucos e raros e últimos poetas que haja neste tempo e mundo.
Quer dizer: nos últimos que teimam em resistir, e m manter a imagem do homem, o rosto humano do homem. "Liberté, couleur d'homme" (André Breton)
CONSCIÊNCIA OU PERSPECTIVA ECOLÓGICA
Ora a condição sine que non desse "rosto humano" e desse rosto vivo da vida, é a consciência ou perspectiva ecológica. É a noção intuitiva e consciente, calma mas exaltante, de que habitamos todos o mesmo planeta e o mesmo universo, de que tão importante é o homem na sua cama, na sua casa, na sua oficina de trabalho, na rua e no seu lugar de ócio, como o sol na sua rota cósmica, a árvore na floresta, o peixe no rio, a ave no céu.
Tão importante é a dor humana como a da ave ou da planta e tão importante o direito à subsistência material como o direito aos imponderáveis afectivos, imaginativos, artísticos, que qualificam a existência.
Poeta, é o que mantém, ainda, apesar de tudo e contra todos, essa consciência original da unidade perdida, o que teima em religar, pela palavra simbólica, esses elementos da mesma unidade e do mesmo esplendor cósmico que uma civilização atomizante, homicida, pulverizou e dilacerou.
Poeta, seria o que ainda não se deixou vencer pelas mitologias estúpidas, pelos alibis, pelos slogans do especialismo, do cientifismo, do tecnicismo, do divisionismo estéril e criminoso (criminoso porque estéril), estes sim, os principais mecanismos ao serviço de todas as ideologias no processo de aviltamento humano e de abjecção.
Ora a forma de colaboracionismo com a Abjecção hoje mais directa é destituir a consciência ecológica do seu lugar prioritário em relação a tudo o que se passa sobre o planeta terráqueo (só há uma maneira de se destituir a ecologia dessa prioridade: é mudar de planeta).
Porque ela (consciência ecológica) unifica onde os outros dividem, pesa e dignifica onde os outros segregam e degradam, porque ela defende a vida onde os outros atulham de química, porque ela respeita a criação onde os outros perpetram sistemático biocídio, porque ela sustenta o amor e a liberdade onde os outros, por um prato de lentilhas, se vendem à escravidão do consumismo e à histeria das violências paternalistas (incluindo a violência das cirurgias, das vacinas ou de outras a quem ninguém alude - porquê?).
Precisamente porque não é a vida de um só homem que me preocupa, mas a vida de todos os homens (incluindo os que morrem na Indochina com desfolhantes) é que me preocupa um metro quadrado de floresta e vice-versa. Porque me preocupa saber, por exemplo, se cada folha de papel em branco que é gasta (que eu gasto) a aproveitei no verdadeiro sentido ou se andei também a desperdiçar, com ela, floresta.
E preocupa-me saber isso, não só pela tal razão do ecossistema (todas as formas de vida são interdependentes, não sou eu que o digo, mas os cientistas); não só pela razão do ecossistema, que é razão mais que suficiente, mas porque só a consciência do Ecocídio é hoje consciência humana do homem, simultaneamente (pre) ocupada a nível universal e a nível individual.
POLUENTES E ANTI-POLUENTES
Quando falo de consciência ecológica (a tal que o “slogan" da palavra "poluição" tenta reduzir demagogicamente e também a um dilemazinho caseiro entre poluentes e anti-poluentes, a um problema portanto doméstico de lixo que se produz e de lixo que logo a seguir se varre, indo todos p’ra casa satisfeitos) penso em todos os homens que morrem porque o ambiente inumano os assassina, a curto ou longo prazo: ambiente que é a casa, a rua, a oficina, a cidade, o país, a cultura, a ideologia, o partido, todos os círculos concêntricos de que o indivíduo é o centro e dentro dos quais está inserido, envolvido e de que fatalmente é função.
Quando falo de meio inumano penso, por exemplo, num dos múltiplos capítulos que os palradores da "poluição" sistemática e cautelosamente omitem: as doenças de ambiente, que são quase todas, quer as congénitas como o mongolismo, quer as infecto-contagiosas como a tuberculose, quer as endémicas como o paludismo e a cólera, quer as degenerativas como o cancro e as cardíacas, quer as traumáticas como os acidentes de viação e os acidentes de trabalho, quer as tóxicas como... a toxicomania, etc etc.
A causa das causas é sempre de ambiente; os homens sofrem, porque o ambiente os faz sofrer, porque lhes cria carências - desde a fome ao afecto - , porque os aliena, porque os traumatiza, porque os violenta, porque os intoxica, porque os adoece, porque os tiraniza, porque os escraviza, porque centenas de anos de pseudo-civilização em vez de pura e simplesmente lhes humanizar o ambiente natural apenas lho degradou, sem, em troca, lhes dar um ambiente artificial mas humano.
ATENÇÃO SIMULTÂNEA AO TODO UNIVERSAL E AO LOCAL
O que a consciência ecológica permite (e só ela, especìficamente, permite) é a justa hierarquia de todos os seres viventes e da sua relacionação, sem segregações, sem racismos, sem favoritismos, sem padrões ou cânones paterna listas. Só a consciência ecológica é uma interconjugação de criaturas, é uma atenção simultânea ao todo universal e ao local, ao regional, ao individual.
Para amar a pessoa humana não tenho que desprezar a árvore, e simultaneamente, como nos quer fazer crer a odiosa ideologia que preside à Engrenagem de esmagamento e em que essa Engrenagem traduz todo o seu ódio à pessoa humana (como diariamente comprovará, quem lê jornais ou vê TV, sem necessitar que lho esteja aqui a comprovar), e em que essa Engrenagem induz até os melhores, até os mais sensíveis e dotados, os raros (antes) a manterem o sentido da unidade, da simultaneidade, da vida, dentro e contra a Engrenagem maciçamente homicida.
Má fé é acusar a Ecologia de preferir a árvore ao homem, quando a Ecologia é o esforço sobrehumano de resistência à vaga homicida que precisamente pretende sobrepor (e com que sanha, Deus nosso) ao homem e à árvore (aos seres vivos no seu conjunto) o objecto, o inerte, o inorgânico o químico, o material, o mecânico, o motorizado, enfim, toda a quinquilharia electro-doméstica, mecânico-tecnicista e burocrática que destitui, ofende, traumatiza, degrada, adoece e mata, e mata, e mata a vida (seja a de um homem seja a de uma ave, seja a de um planeta, já aconteceu à Lua, a tal dos poetas e românticos...).
Este o dilema e não, e nunca homem contra árvore.
PRÉMIO NOBEL DA LEGUMINOSA SECA
Quando o senhor Norman Borlaug, prémio Nobel da leguminosa seca, alto funcionário da FAO. e dizem que inventor da maior burla do século que é a pomposamente chamada "revolução verde" - um dos maiores obstáculos a que o Terceiro Mundo efectivamente se emancipe e faça a revolução que lhe aprouver -, quando o senhor Borlaug e outros senhores Borlaug gritam que histéricos são os defensores da Natureza porque condenam urbi et orbi a chacina do DDT (burla de primeira água perpetrada contra o Terceiro Mundo e a independência efectiva do Terceiro Mundo), quando vem um outro senhor funcionário da FAO, Suvana Puma, repetir a papel químico a gritaria do senhor Borlaug, e tudo isso em nome da fome que dizem combater (?) mas que efectivamente pretendem alimentar, é outro falso dilema, é mais capítulo do intérmino folhetim da demagogia para-científica e para-técnica.
Antes do DDT, esses delinquentes senis não resolveram o "problema da fome", porque não lhes interessava resolvê-lo e porque a fome é apenas um aspecto da totalidade ambiente que importa resolver; como não hão-de resolvê-lo é óbvio e vê-se, com DDT, antes e depois do DDT.
O que um ecologista deverá demonstrar aos senhores Borlaug, aos senhores prémios Nobel da pólvora, aos senhores todos servidores da Engrenagem (fomentadora da miséria e da Abjecção) é que Fome e DDT estão de acordo. O que um ecologista sabe - embora todos lhe cortem a fala quando ele o tenta - , é que o DDT é o último alibi de uma manobra - , "distrair e adiar" - típica da Abjecção para alongar a fome e o subdesenvolvimento. Assim como os terrores da explosão demográfica são outro sofisma, outro falso dilema, outra burla e outro capítulo da romanesca demagogia melodramática para emocionar temperamentos nervosos.
A Engrenagem, a Tecnoburrocracia é que é criminosa e o DDT apenas uma das suas imensas, muitas, pesadas armas de agressão à Pessoa Humana, simultaneamente biombo da exploração que pratica na sombra.
A fome resolve-se de um dia para o outro, sem DDT. E só sem DDT se poderá resolver. A qualidade - para um ecologista - passa a ser condição sine qua non da quantidade. Já que tudo o mais está do outro lado, a nós fica a especialidade da qualidade.
Condição sine qua non para que a fome desapareça (mas não só a fome, todas as carências, doenças, sofrimentos, alienações, degradações, humilhações, aberrações e torturas) é que desapareça a Engrenagem homicida de tecno-burrocratas, com os seus Nobel na lapela, funcionários ou não dos prestigiosos organismos da mentira internacional organizada.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não alteraria uma vírgula, foi publicado no «Diário do Alentejo», (Beja), em 12 de Abril de 1973, graças à atenção e hospitalidade do meu querido e inesquecível amigo José António Moedas
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1-7- 76-04-29-ie> terça-feira, 19 de Novembro de 2002 – scan
Só há uma maneira de defender este texto abominável, enquanto texto: considerá-lo um rascunho, por vezes ilegível, de um esboço de qualquer coisa de ambicioso e utópico que eu queria defender – nem o ano em que foi escrito pode justificar ou perdoar a insistência na terminologia gonçalvista do tempo, nomeadamente a palavra fascista e todas as suas variantes
Tomando como ponto de análise e reflexão, e como pretexto, um comunicado do Grupo de Lisboa (*) que pretende funcionar de proclamação para o Dia Mundial do Ambiente, deveremos indagar que bode expiatório deve neste momento escolher o militante ecológico. Se há , em muitos grupos anarco-ecológicos, uma tendência para centrar o alvo ou culpado no indivíduo, abstractamente considerado, há quem critique essa posição, quando outros alvos certamente carregam culpas bem mais pesadas.
Se a classe exploradora existe, se existe a tecnocracia e seus sofismas, se existe o tecnicismo e seus delitos, se existe o capitalismo e o imperialismo na sua desvairada exploração do homem pelo homem, se existem multinacionais e monopólios energéticos, culturais, médicos, económicos, políticos, agrícolas, industriais, etc., se existem indústrias pesadas e super-poluentes, se existem os paranóicos do Nuclear, das Celuloses, da Petroquímica, das barragens gigantescas, se existem poluidores não pagadores, se existem serviços pagos para corromper e degradar o habitat; se existem as grandes internacionais da mentira que são as OMS, as FAO, as OMM, as UNESCO, se existem terrorismo e terroristas da direita; se existe exploração do homem pelo homem,corre-se um sério risco atirando as culpas para o Zé Ninguém que é passiva vítima de todos aqueles algozes.
Muitos militantes da Ecologia sonharam um Nuremberga, um tribunal ecológico - e ele foi uma das propostas aprovadas por unanimidade no II Encontro do MEP, em Março de 1975. Mas nunca terá passado pela ideia a um militante, escolher o Zé Ninguém para vítima a imolar no banco dos réus, esquecendo outros indiscutíveis réus.
Se todos eles existem porque o Zé Ninguém o consente, equivale isso a dizer que os 48 anos de ditadura existiram porque o povo português o quis. É uma forma pequeno-burguesa de analisar um fenómeno da pequena-burguesia. Talvez seja verdade mas é uma daquelas verdades que nenhuma estratégia (política ou ecopolítica) minimamente sensata e minimamente não suicida, se poderá jamais dar ao luxo de dizer alto, e muito menos em jeito de proclamação de princípios.
OS PRIMEIROS RÉUS DE UM FUTURO TRIBUNAL ECOLÓGICO
Nunca nenhum militante da Ecologia radical e de Esquerda iludiu as raízes anarco--convivialistas do seu projecto político; e nunca ninguém iludiu o parentesco que este
projecto tem com o Maio de 1968 na procura de uma Revolução sui generis, até então procurada mas indefinida; essa filiação em raízes anarcas e autogestionárias, porém, deve ser tomada muito mais como uma responsabilidade e uma dificuldade a superar do que como uma prerrogativa ou uma honra; é suficientemente conhecido o efeito de boomerang que as teses anarco-individualistas e libertárias obtêm na praxis política, para que uma auto-crítica exigente não tenha já sido feita por muitos militantes da ecologia radical, por muitos comunistas libertários ...
Desse facto - a ambiguidade que as teses libertárias ganham ao transporem-se da teoria para a prática – podemos prever consequências que convém ter em conta:
tal como existe em grupos anarcas de tendência tout court, a tendência gropuscular será consequência directa (e quiçá nefasta) daquelas raízes; vamos aceitar a dificuldade, vamos aceitar que tem vantagens e desvantagens, mas vamos tentar superar a dificuldade e a ambiguidade, se o que de facto pretendemos não é estar dogmaticamente -fixados a uma tese mas dialecticamente em movimento com a sua aplicação prática e respectivos resultados.
Neste momento em que o M.E.P., um ano depois dos estatutos aprovados, procura a sua regulamentação interna e uma certa unidade que consiga vencer inimigos e obstáculos, vamos todos ajudar um bocadinho, fugindo um pouco à tendência grupuscularizante, embora sem ninguém - indivíduo ou grupo - alienar a sua personalidade própria; vamos ajudar a que o M.E.P. em formação e em processo de crescimento, tenha também a sua personalidade própria, antes que o destruam...
Face a tantos que querem submergi-lo, ora no pantanoso ideal-anarquismo, ora no individualismo liberalesco, ora na reacção direitista do conservador e do retrógrado, ora nos enganosos meandros de uma democracia burguesa e pequeno-burguesa, ora num radicalismo de estrema esquerda, igualmente filho-família de trotsquismos traidores, vamos reflectir.
SERÁ O ZÉ NINGUÉM CULPADO DE UM CONDICIONAMENTO PAVLOVIANO ONDE ESTAMOS TODOS ATASCADOS?
Se a cultura ocidental é um processo secular de condicionamento pavloviano;
se a ideologia hoje dominante em camadas da esquerda e da direita é a ideologia da
dominação da Natureza e do antropocentrismo mais ridículo e laplaciano (além de lapalissiano...)
se todos, até os padres, respeitam Darwin e o seu evolucionismo racista;
se todos acreditam na infalibilidade da ciência dogmática e fazem dela a nova religião, o novo "ópio do povo”;
se o Sistema está bem organizado e enraizada na alma popular a inevitabilidade de lhe render vassalagem;
se essa dependência do Mestre, do Pai, do Progenitor, de Deus, do Ditador, do Partido, do agente da Autoridade se instalou no subconsciente colectivo de modo a vi-gorar de geração para geração como dado congénito infalível (inscrito no código genético...), quase instintivo;
se todos acreditam na superioridade da cultura europeia sobre as culturas asiáticas, americanas, antárcticas e oceânicas ; passadas, presentes e futuras, terrestres e extra-terrestres; da raça branca sobre as outras raças, da espécie humana sobre os outros mamíferos, do reino orgânico sobre o reino mineral
se a Escola, a Universidade, a Edição, a Publicidade, a Cátedra, e respectivos aparelhos de repressão intelectual, continuam a produzir tratados, livros, epítomes, relatórios, ensaios, teses, segundo a sua ideologia humanista, colonial-racista, paternalista, antropo e europocentrista;
se as novas gerações continuam a ser intoxicadas, desde o berço, desde a escola primária, com os mesmos princípios (muitos deles já tornados inconscientes), do evolucionismo, do positivismo, do experimentalismo, do cientifismo - que são apenas traços da cultura europeia-mediterrânica, e se continuam a acreditar, beatamente, (como qualquer "selvagem” acredita nos próprios mitos) nos mitos da Geometria, da Antropologia, da Biologia, da Matemática, da Estatística, da Economia, da Política, da Arte, do Diabo e mais o tio,
pergunta-se: será o Zé Ninguém culpado?
Será muito fácil que o Movimento Ecológico possa conquistar, rapidamente, muitos adeptos?
Será muito fácil que um militante ecológico o seja de facto, com tudo o que de cultural e ideologicamente subversivo isso significa?
Será muito fácil que o professor e o profissional desta ou daquela especialidade, desta ou daquela ordem estabelecida, desta ou daquela forma de ganha-pão realize autocrítica e verifique a mistificação fundamental em que uma pseudo-ciência o co-loca?
Será muito fácil que a consciência ecológica desperte, sem que se verifique, para lá dos pressupostos teóricos, a vivência e a experiência sofrida de uma incompatibilidade visceral, biológica, fundamental do militante com o sistema de valores, com o sistema ideológico, com o sistema metodológico que o rege?
Será fácil, sem um corpo a corpo violento com o sistema, ganhar a serenidade cósmica da verdadeira não-violência?
O SISTEMA DUALISTA NASCEU PODRE
Entre os que se julgam política ou ideologicamente mais avançados, é comum a beatice de adorar princípios do mais primário racionalismo; facilmente esses activistas enrolam o militante na designação abusiva mas estigmatizante de “metafisico"; recusar o fanatismo de um certo racionalismo de via reduzida, repetir a crítica que ao racionalismo, aliás, já foi feita por correntes de cunho existencial, surreal, vitalista - crítica que volta a ser feita pelo realismo fantástico - preconizar alguns princípios subversivos que fizeram a Revolução de Maio de 1968, tudo isso é para esses activistas (muito seguros da sua querida ciência, da sua sofística, da sua tecnocracia, da sua tecnologia hiperpoluente, da sua medicina criminosa, da sua pavloviana educação, da sua cultura catedrática e elitista, da sua indústria pesada, da sua paranoia desenvolvimentista, da sua alienação e da sua sarcástica obediência à ordem), cair em pecado de irracionalismo, etc. etc.
Esta divisão entre virtuosos (progressistas, adeptos da ciência estabelecida, revolucionários, activistas de um olho só) e “pecadores” (os que superaram a metafísica crónica do dualismo, o irracionalismo crónico das teorias racionalistas, o idealismo crónico dos materialismos não dialécticos , etc.), eis um dos pontos a decidir pelo ecomilitante no despertar da sua eco-consciência.
O que a consciência cósmica ou ecológica rejeita, a priori, é a divisão da rea-lidade em espírito e matéria, em primitiva e civilizada, em antiga e moderna, em atrasada e evoluída, em desenvolvida e subdesenvolvida, em virtuosa e pecadora, etc
São todos estes sistemas de valores que à luz da subversão ecológica se encontram podres. Mas totalmente podres, como é sensível pelo mau cheiro e pelo mau aspecto do pequenino globo terráqueo onde temos pocilga comum.
Enquanto o militante não o sentir - tal como o sentiu Ulianov Lenine, esse camarada dos homens - com angústia, com experiência, no quotidiano dos gestos e das palavras mais simples, estará longe.
Claro que ele constitui uma elite. Claro que Lenine e Marx constituiram uma elite. Mas note-se que o conceito de elite ou minoria é ainda um tipo de segregação que o mesmo podre sistema do valores pré-impõe.
Claro que o ecomilitante constitui minoria. Toda a Revolução é feita de vanguardas. E a função subversiva de uma ideia ou de uma ideologia não pode ser percebida ou concebida inicialmente por maiorias.
Por definição, a consciência - ecopolítica ou de classe – nasce no indivíduo; é minoritária. A princípio, como vanguarda revolucionária; mas é entre as vanguardas revolucionárias, a mais susceptível de contagiar multidões, de mobilizar massas, de atrair indivíduos.
E tanto mais quanto mais as partidos maioritários ou as vanguardas revolucionárias depositam cada vez maior desilusão e descrença nas massas.
Na mente do Zé Ninguém.
QUANDO O ZÉ NINGUÉM ACORDA: O DESPERTAR DOS MÁGICOS E DO ECOMILITANTE
O que distingue um ecomilitante das suas imitações é, portanto, a função subversiva que nele assume a "Ecologia".
Já vimos como esta disciplina "científica" pode ser anexada pelos partidos da Direita
Já vimos como raramente é recuperada a tempo pelos partidos de esquerda.
Falta acentuar de que modo o sistema e a sociedade de consumo, ao sentirem ameaçados pela função subversiva da ecologia a sua ordem e a sua prepotência sobre o cidadão, se apressam a criar também uma ecologia à sua maneira:
a) Aparece então a ecologia assimilada a naturalismo romântico, a uma visão idílica da Natureza, a uma epidérmica moral maternal-proteccionista, em que o homem continua a ser o rei e senhor da Criação, só com a diferença que, em vez de caçar, pescar, pilhar, assassinar e destruir com o maior à vontade, cria uma superestrutura ideológica favorável à delicada protecção da «bela Natureza que nos rodeia”.
Há quem confunda ecologia com este naturalismo romântico, forma larvar de maternal-paternalismo que nada tem a ver com a consciência ecológica e respectiva destruição das ridículas pretensões humanistas ou evolucionistas.
b) Chega a hora, depois, de a Geografia Humana vir dizer que estuda há muito a "Ecologia dos povos” e que essa antropologia paralela é afinal a Ecologia Humana arrumadinha na prateleira que lhe cabe no quadro das "ciências organizadas".
Trata-se de outro equívoco, pois a Ecologia Humana não atinge nem esgota a Ecologia Política ou, mais correctamente, a Ecopolítica.
c) Chega a hora, entretanto, em que o escutista se reclama da Ecologia, bem como o biólogo, o geógrafo, o filósofo da história, o antropologista cultural, o engenheiro sanitário, o técnico da antipoluição, o político do ambiente, o urbanista, o arquitecto paisagista , o silvicultor, o zoólogo, o botânico, etc.
Todos eles, porém, têm em comum: esquecer , omitir, ignorar ou descartar a função subversiva da ecologia, a sua função de metodologia crítica não só à sociedade de consumo, não só à civilização do lixo e do desperdício, não só ao sistema do biocídio e do etnocídio, não só à sofística e à tecnocracia, mas também ao racionalismo, ao positivismo, ao materialismo não dialéctico, ao dualismo, ao cientifismo, e a todos os antecedentes ou consequentes.
Basta, aliás, aprofundar um pouco os fundamentos teóricos da rebelião ecológica, para se verificar de que maneira «reage» qualquer daqueles técnicos, às propostas que, através dos tempos, significaram a linha ecológica do pensamento humano, na contra-ofensiva à linha biocida e homicida dos vários sistema anti-ecológicos ;
basta lembrar de que modo aqueles técnicos assimilaram, dentro da cultura ocidental, o surrealismo, o existencialismo, a experiência mágica, mística, alquímica, enfim, as tendência anarcopacifistas e anarco-convivialistas que nunca deixaram de se verificar sob a tirania racionalista ou pseudo-racionalista; para a aurora da consciência ecológica, prefácio de um Mundo Novo a construir, é inevitável a passagem pelo diabolismo criador da imaginação e da contestação crítica que aquelas contra-correntes em oposição da corrente oficial representam; mas é também indispensável a passagem pela experiência de outras culturas estrangeiras à órbita ocidental: a experiência ioga, taoísta, zen, por exemplo, são experiências indispensáveis ao despertar de uma eco-consciência , na função subversiva que lhe temos vindo aqui a definir.
Tudo o mais, são formas mais ou menos auto-satisfeitas , mais ou menos espertas, mais ou menos oportunistas de estar com o sistema e trabalhar para a Merda , dizendo embora que não.
O ZÉ NINGUÉM EM PÉ DE IGUALDADE COM TUDO QUANTO EXISTE
O despertar da consciência ecológica e, com ela, o nascer do ecomilitante, não é um fenómeno tão comum como pode parecer, vendo a inflação sofrida pelos temas ditos ecológicos e sua apropriação pelos donos do sistema: programas de Ambiente nas escolas, técnicos do Ambiente nas autarquias, ciências do Ambiente na Universidade, políticos do Ambiente nos governos e nos hemiciclos, etc - se não houver consciência ecológica, tudo isso é apenas a continuação e perpetuação do sistema com tudo o que ele carrega e comporta de anti-ecológico; ou seja, o seu incurável europocentrismo; o seu incurável humanismo, ora ateu ora teológico; o seu incurável vício de dominar, violentar, explorar a Natureza, etc.
Consciência ecológica nasce quando o neófito ou iniciado verifica o chavascal do sistema que se baseias nesses três princípios de toda a violências nazi-fasacista; quando experimenta o nojo dessa abjecção e vai até ao extremo do niilismo que inevitavelmente essa abjecção produz em qualquer homem sadio de espírito; quando faz da ecologia a única alternativa para esse niilismo e para o suicídio. Consciência ecológica é o esforço que o iniciado faz:
1º - para se desintoxicar de todos os princípios de humanismo, moralismo, cientifismo, paternalismo, racismo, colonialismo em que o sistema é fértil;
2º - para se reintegrar e sentir reintegrado na ordem natural, ao lado da baleia, da árvore, da lagoa, da floresta, do rio, da montanha, do sol, da água, do ar, do micróbio, da bactéria patogénica, do lobo, do lince, como um ser igual a ele, em pé de igualdade com eles, falando com eles a linguagem universal que é a linguagem ecológica .
(Está por declarar esta Carta dos Direitos da Natureza, na única perspectiva correcta, não paternalista, nem racista, nem reformista em que ela pode ser establelecida. Tudo o mais é racismo, logo paternalismo proteccionista, logo conservadorismo romântico, logo esclerose ocidentalista).
QUE A CONSCIÊNCIA DE CLASSE SE ALARGUE ATÉ COINCIDIR COM A CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA
O iniciado na consciência ecológica, portanto, não só irá rejeitando os criminosos por vocação e profissão, os nazi-fascistas abertos, os violentos e neo-violentos, como os que, modernamente, se dizem amigos da natureza, protectores da Natureza, conservadores das espécies, domesticadores da lei natural, técnicos do ambiente, engenheiros da anti-poluição, etc, etc.
A esta luz, a função subversiva atinge também a clássica noção de classe e luta de classes.
Verifica-se então que a «luta de classes» cria nuances e subtilezas, passa inevitavelmente por esta luta em que a espécie humana tem feito de patrão explorador e a Natureza de proletário explorado.
A consciência ecológica passa então por esta consciência de classe alargada até onde a Natureza aparece no papel e no lugar de «proletária».
O explorado Zé Ninguém já não resume, então, a sua luta ao patrão, ao burguês, ao explorador da sua força de trabalho.
Para o explorado – homem, criança, mulher, cigano, índio arunta, baleia, floresta, etc. – a luta vai estender-se também contra que o coloniza, proletariza, explora e manipula: médico, professor, padre cura, técnico de publicidade, fiscal de impostos, funcionário de política, tribunal, etc.
Contra as estruturas que sustentam essas profissões;
Contra os serviços que essas profissões alimentam: medicina, escola, prisão, hospital, família, infantário, agência de publicidade, etc;
Contra o sistema de mitos que justifica esses criminosos;
Contra as tecno-estruturas que se reclamam da ciência e do progresso científico;
Contra a tecnocracia e o tecnocrata;
Contra o jardim zoológico e os animais em cativeiro;
Contra construtores de centrais e traficantes de centrais;
Contra municípios e munícipes que ignoram o peão e os direitos do peão;
Contra o turismo e os empresários do turismo que fazem da qualidade do Ambiente um negócio mas que nem sequer o negócio preservam contra os industriais da destruição;
Contra os assassinos dos ecossistemas que o fazem em nome do crescimento económico, do desenvolvimento industrial, do progresso científico, do emprego de mão de obra;
Contra os que industrializam destruindo riquezas naturais , artísticas e culturais dizendo que fomentam a riqueza do país.
O QUE O MARX NÃO PREVIU TEMOS NÓS O DEVER DE VER
Se os que se reclamam do marxismo-leninismo e consideram a luta de classes o motor da história entendem fazer da burguesia , do patronato e do capital as suas bestas negras, eis que o ecomilitante não fica por aí, não paralisa aí, na denúncia e na luta:
Entende o ecomilitante que a luta de classes assume hoje variantes subtis, que o imperialismo não ataca só na frente terrorista, na frente do golpe de Estado, na frente do oligopólio e do monopólio, mas que utiliza um sem número de frentes «encobertas», nas quais mata, esfola, explora, aliena, tortura, aterroriza, dizendo que defende a saúde, dizendo que mata a fome, dizendo que fomenta a economia, dizendo que regulariza os climas, dizendo que sonda águas subterrâneas, dizendo que presta auxílio económico, dizendo que empresta a juros, dizendo que favorece a exportação dos excedentes, dizendo que dinamiza a indústria, etc.,
O ecomilitante é o único que se apercebe dos tentáculos nacionais que as internacionais da tecnocracia hoje têm.
É o único que compreende – porque vê dos antípodas o lodo ocidental – como
A protecção à saúde, a protecção às espécies,
A protecção ao Ambiente,
A protecção à criança
A protecção à família,
A protecção à mulher
A protecção ao peão
A protecção ao índio
A protecção ao diminuído físico
A protecção ao mongolóide
A protecção ao cego
A protecção ao diabético pobre
A protecção à protecção ...da Natureza
Ocultam afinal, sob a mais idiota e odiosa das ideologias «pacifistas», uma outra guerra e uma outra «luta de classes» que o Marx, por acaso, não previu
Mas que nós temos obrigação de ver, porque se mete pelos olhos da cara.
SOB AS ASAS MATERNAIS DA INTERNACIONAL
Para se saber até que ponto a Ecopolítica leva o seu radicalismo, até que ponto quer ser subversiva e até que ponto não admite panos quentes nem admite contemporizar com reformismos, coexistências pacíficas, ecorevisionismos, direitismo ecológico, etc, basta ler os comentários que merecem aos ideólogos do sistema, organizações consideradas sagradas, intocáveis e muito beneméritas como O.M.S., F.A.O., UNESCO, UNICEP, etc, que no fundo são as grandes organizações da Internacional , a pretexto de proteger as pessoas, de alimentar os povos, de tratar a saúde às populações, etc..
O respeito com que o Eng. Gonçalo Santa-Rita falava da OMS e da FAO, em artigo recente, é típico dessa rendição mental a mitos muito arreigados. E demonstra que longa distância ainda temos a percorrer para a gente perceber onde começa e onde acaba o totalitarismo, se lermos a História em termos ecológicos, em termos ecopolíticos: E não apenas em termos meramente económicos.
Leia-se um extracto de um artigo publicado no "Diário Popular" (6/Abril/1976)
«Em numerosos países, os serviços públicos relacionados com a alimentação e a nutrição dependem dos respectivos departamentos de agricultura ou encontram-se em ligação mais ou menos directa com eles. A posição relativa dos serviços agrí-colas oficiais na resolução dos problemas alimentares tem grande importância, condicionando a possibilidade dos técnicos agrários trabalharem intensamente neste importantíssimo sector, ao mesmo tempo que facilita a acção consultiva de organizações internacionais como a F. A. O. ou a O. M. S., as quais, como é sabido, viram na vigência da ditadura, a sua vastíssima e imensamente útil actividade cerceada entre nós; ou, na melhor das hipóteses, reduzida a um acervo de exercícios de carácter mais ou menos académico, pouco eficazes para melhorar os padrões alimentares das populações menos favorecidas.»
- - - -
(*) Era suposto reproduzir aqui, para a história, o referido comunicado mas deve andar perdido nos papéis da época, em que havia tantos, tantos papéis esvoaçantes...
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
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