terça-feira, 10 de maio de 2011

MICHEL FOUCAULT: HISTÓRIA DA LOUCURA


O «milagre» de que algumas terapias apropriadas são «acusadas», é apenas um fenómeno vulgar que o estado pré-científico da ciência médica explica e provoca. O «milagre» resulta de uma simples relação lógica e ecológica, linear, de causa-efeito, que a medicina ainda não conseguiu enquadrar. Neste sentido, a medicina moderna está cada vez mais afastada da ciência das evidências ou do «fiat lux» que é a relação causa-efeito, repentinamente descoberta. Quanto mais a ciência moderna se afasta da condicionante ecológica, mais se afasta da relação entre causas e efeitos.
Quando se trata a história da Medicina, no entanto, sempre em termos de glorificação heróica, identifica-se com a história do combate (a posteriori) à doença, evidencia-se o carácter épico, desmesurado e ciclópico dessa luta. A história da loucura narrada por Michel Foucault na sua obra célebre «Histoire de la Folie à l'Age Classique», é um hino colossal à tenacidade humana contra esse flagelo - a loucura - que assolou e assola a espécie.
Poder-se-á perceber a reacção violenta que as soluções terapêuticas simples de Alquimia Alimentar - como a Oligoterapia, a Homeopatia ou a Macrobiótica - poderão obter ainda das pessoas, doutrinadas numa ideia de complexidade abismal em que a doença ainda mergulha. Vamos supor que o tratamento de um terreno orgânico carente em lítio, por exemplo, pode eliminar todos os sintomas da esquizofrenia (rótulo usado pela Psiquiatria). Quem irá acreditar, se a medicina nunca conseguiu debelar essa doença? Quem irá aceitar a simplicidade da terapia? Não admira que algumas proezas rocem o fantástico, quando a actuação humana é ainda tão pouco científica, quer dizer, tão incapaz de relacionar causa e efeito e de ir à causa rerum do que acontece. [1990]

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

EDGAR MORIN NA BIBLIOTECA DO GATO






GOOGLE REGISTA E OBRIGADO:

1. http://catbox.info/big-bang/oescriba/morin-3.htm
2. http://catbox.info/big-bang/oescriba/+seleccao%20auto+.htm
3. http://catbox.info/big-bang/big-bang1/fs-3.htm
4. http://catbox.info/big-bang/big-bang1/+bigbang%20arquivos+.htm



FILES AC AFINS:

1-4 -morin-md-1-4-sexta-feira, 7 de Novembro de 2003

morin-1-ls- terça-feira, 24 de dezembro de 2002 - novo word - solta ou em secção «releituras do acaso» - suplemento «largo» - 1452 caracteres - correspondências mágicas - caminhos do maravilhoso


O SÁBIO É O INOCENTE: PENSAMENTO ANALÓGICO PARA PENSAR O IMPENSÁVEL

[ 3-2-1992] - Na sua obra «O Homem e a Morte», página 102 da edição em língua castelhana, Edgar Morin considera que a velha máxima ocultista «o «macrocosmos reproduz o microcosmos» é imediatamente mágica», isto é, «está intimamente ligada à vontade do microcosmos de identificar-se com o macrocosmos ou de se apropriar dele, imitando-o ou ordenando-o».
Edgar Morin cita depois S. Anthony para definir magia: «comportamento que implica que as coisas ocorrem tal como foram pensadas, desejadas ou imitadas.»
As tecnologias apropriadas (TA's) poderão ter algo de mágico, nesta acepção, mas a áurea mitológica desaparece dessas técnicas, que se mostram afinal de um pretenso rigor experimental e científico.
Tornar «mágicos» os poderes do homem é o convite das tecnologias humanas apropriadas, sem que esse objectivo de poderio seja necessariamente deliberado. Para não ser violência nem violento, o poder só pode acontecer em simultâneo com a sabedoria, que se traduzirá por inocência ou candura na nomenclatura original (radical, de raiz).
Daqui resulta a noção de oculto inerente ao poder verdadeiramente demiúrgico do homem possesso da sua ligação com Deus!
O pensamento contraditório ou paradoxal, a que os livros chamam analógico ou sincrónico, é, por isso, o único instrumento capaz de acompanhar o desafio do fantástico.
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1-3 - terça-feira, 24 de Dezembro de 2002-scan

A EQUIPA DE EDGAR MORIN E OS SÁBIOS  (*)

21-1-1973 - Sem perder o carácter de proliferação  que caracteriza o Sistema, as doenças do Sistema, os mitos, vícios, manias e alibis do Sistema, as " ciências humanas " estão a produzir uma explosão bibliográfica, como lhe chamava a revista " Psychologie”, no seu número de Dezembro último.

De facto, é impossível controlar esta crescente proliferação de " ciências humanas ". Quando não se pode convencer o estudioso pela razão, esmaga-se com " exaustiva bibliografia ".

Centenas de títulos por mês, só em França ( pátria destas coissas cartesianas), dão a medida de outros tantos especialistas empenhados na  tarefa de salvar o Sistema , à custa de desvirtuarem todos os outros (múltiplos, variados) sistemas de mitos e valores que, através do tempo e do espaço,  fingiram ignorar e por fim decidiram atacar pela porta sempre aberta nas "ciências experimentais ", mais tarde ditas humanas. Assim se põe na mesa de anatomia o que lograra escapar à ordem ocidental .

O Sistema analisa.  Goza a analisar. Mas, para analisar, a condição sine qua non é matar o bicho que pretende autopsiar. Para isso, coloca-o na mesa operatória e, depois de bem morto, começa o piedoso trabalho de autópsia.

As ciências humanas, que tanto se ufanam do título, são pois e sempre ciências necrófilas. E, além de necrófilas, uma petição de principio por definição. Matam primeiro a vida que pretendem conhecer, estudar, analisar.

Primeiro as "ciências humanas" desenham um mito, um molde, uma imagem puramente fictícia e fantasmagórica . Depois vá de censurar esse fantasma como se de realidade se tratasse e por não ser realidade.
E, depois, vá de classificar de utopia toda a proposta que, apesar das deformações sofridas, se apresenta evidentemente de qualidade superior às triviais e concorrentes propostas do Sistema único.
Dado que as "ciências humanas " têm, por objecto de estudo, que se debruçar sobre sistemas de valores que lhes são alheios e a que o Sistema é hostil, o fim das  "ciências humanas" é - quando surge um sistema, uma civilização, um módulo ou uma comunidade cultural de evidente qualidade e superioridade , cognominá-la de "infame utopia". 


ASTROLOGIA NUNCA EXISTIU

Exemplo faiscante é o da astrologia.

Astrologia é coisa que, em verdade, nunca existiu fora dos  catalogadores profissionais. Dos que levam a vida a espetar a borboleta na secretária e a fichá-la.

Vai daí, pegam na astrologia que inventaram e restabelecem a ordem.

Racionalistas de um lado, homens de fé pelo outro, sabemos o que tem sido a história do fantástico e, por extensão, da heresia imaginativa frente aos poderes constituídos. Sabemos muito bem quantas vezes se crucificou, crucifica e crucificará Galileu, em nome de razão, em nome da fé, em nome do Negócio.

Le Nouvel Observateur, hebdomadário de muita razão,  entrega a observação do fenómeno "astrologia" a uma bem apetrechada equipa de sociólogos.

O resultado saiu há pouco em edição portuguesa com o titulo «O Retorno dos Astrólogos».

Alguém definiu a sociologia como a « pescadinha de rabo na boca ". Outros, não gostando do plebeísmo, preferem a metáfora mais nobre: "a sociologia é a víbora que morde a sua própria cauda".

Relativamente aos sociologistas de Le Nouvel Observateur não se pode afirmar, com segurança,  se se trata de pescadinha, se de víbora.

Mas deixemos a metáfora e falemos em linguagem científica: a astrologia é vista, por este grupo de observadores novos, de todos os ângulos incluindo o de cima para baixo, apenas para que fique demonstrada a tese adrede preparada e mantida; só os pobres de espírito se dedicam à astrologia.

Os ricos como Le Nouvel já não precisam. Cultivam outras astrologias mais puras e eruditas.

Isto claro sem falhanços, depois de se ter dado da astrologia a minuciosa e única imagem que a sociologia pode dar, e que é o puro, exacto, rigoroso reflexo da sua própria pobreza de espírito .

Quer dizer; reduzindo esta e outras técnicas iniciáticas ao capítulo redentor das "ciências ocultas" (outro fantasma das cabecinhas sociológicas), analisando fenómenos que se começa por deformar.
Produto da sociedade que o consome (outra vez a pescadinha de rabo na boca) o psiquismo que se ocupa de horóscopos - concluem triunfalmente os  observadores de Le Nouvel - ou é de massas, ou burguês, ou de raiz culta mas ... idealista.

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1-2 - terça-feira, 24 de Dezembro de 2002-scan

DOIS TESTEMUNHOS SOBRE A DISSIDÊNCIA(*)

[«Notícias da Beira», Moçambique, 10-4-1970 ] - Não é possível analisar, de uma só vez, as várias obras que, recentemente aparecidas, se ocupam do fenómeno «contracultura» com ponto de irradiação nos Estados Unidos - mas um primeiro balanço de títulos impõe-se, como medida prática de informação e como prefácio para análises mais detalhadas que venham a fazer-se dessas obras e de tudo quanto de urgente implicam.

Claude Roy não reuniu ainda em livro as suas reportagens nos Estados Unidos mas elas devem citar-se, nesta resenha de conjunto: publicadas em Le Nouvel Observateur, foram a posição lúcida de um intelectual que se interna e aventura em pleno terreno de contradições, sem receio dos mal-entendidos das academias.

Apenas ocupado e preocupado em compreender, em ver a verdade que só o conhecimento prático da realidade e a experiência vivida dão, Claude Roy foi dos primeiros testemunhos, em França, a enfrentar o imobilismo de todas as frentes.

Edgar Morin já publicou em livro - Journal de Californie (1) – os resultados da sua viagem ao extremo ocidental dos Estados Unidos, - de Setembro de 1969 a Junho de 1970, a convite da Fundação Salk de San Diego. Salk Institute for Biological Research, para sermos precisos.
Nesse domínio da nova biologia, Edgar Morin é levado a interrogar-se sobre estas questões eternas que os progressos da revolução biológica fazem emergir de maneira nova: Que é a vida? Que é o homem? Que é a sociedade? Ao mesmo tempo, ele descobre o problema da quase-mutação que esta revolução põe desde já à Humanidade.

Como diria Fernando Pessoa, os extremos tocam-se: a Califórnia, esse Extremo Ocidente que parece agora fazer simetria com o Extremo Oriente de Buda, Lao Tsé, Ramakrishna e Vivekananda, parece já anunciar, por vezes mesmo iniciar essa mutação.
A Califórnia não é somente o novo Eldorado, é o vórtice onde a civilização se acelera, se destroi e renasce. E a cabeça investigante da nave espacial Terra . O fenómeno «hippy», as grandes cerimónias colectivas como park-in e concerts, a floração de seitas místicas, marxistas, nirvânicas, a experiência das ervas e dos ácidos são, da mesma maneira, rostos provisórios da nova verdade, da nova religião, da nova sociedade que se procura.

Edgar Morin, segundo nos confessa nesse diário, viveu o profundo sentimento de se encontrar, durante alguns meses, no coração de todos os grandes problemas e não foi por acaso que ele sentiu também situar-se no coração dos seus próprios problemas.

Enquanto operava uma como que revisão do mundo, um concurso de circunstâncias levava-o a conhecer esta conjugação de paz, de plenitude e de intensidade que ele ousou - para não falar em satori ou em nirvana - chamar felicidade.

Para Jean-François Revel, autor de «Ni Marx ni, Jesus», a contra-cultura é apenas um pretexto de alimentar o seu anticomunismo e um alibi mais para impingir o manifesto radical do seu amigo Jean-Jacques Servan-Schreiber. Se ele conclui que a revolução está nascendo nos Estados Unidos, é apenas para demonstrar que ela não está feita, nem será feita em mais parte nenhuma, bloco socialista e Terceiro Mundo inclusive.

Vemos então como a contestação radical pode ser recuperada pela tecnocracia e seus funcionários, tipo Raymond Aron ou Jean-Fançois Revel ou Jean-Jacques Servan-Schreiber. Contradição esta que o estudioso não deixa de registar e de levar em conta, quando ler um livro que até convém que leia. Neste terreno fértil de contradições em que a dissidência nos lança, temos afinal o sinal evidente do seu carácter exorcistemático e da sua vitalidade... cultural.

(1) «Journal de Californie», de Edgar Morin, Seuil, Piais, 1970.
(2) «Ni Marx ni Jesus»,
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(*) Este texto de Afonso Cautela, breve nota de leitura, foi publicado em «Notícias do Futuro», jornal «Notícias da Beira», Moçambique, 10-4-1970
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1-1 notas de leitura – inéditos ac de 1970

CALIFÓRNIA:
LABORATÓRIO DA NOVA ALQUIMIA

1970 - Edgar Morin publicou em livro - Journal de Californie (1) - os resultados da sua viagem ao extremo ocidental dos Estados Unidos, de Setembro de 1969 a Junho de 1970, a convite da Fundação Salk, de San Diego. O Salk Institute for Biological Research, para sermos precisos.
Nesse domínio da nova biologia, Edgar Morin é levado a interrogar-se sobre estas questões eternas que os progressos da revolução biológica fazem emergir de maneira nova: O que é a vida? O que é o homem? O que é a sociedade? Ao mesmo tempo, ele descobre o problema da quase mutação que esta revolução põe desde já à humanidade.
Como diria Fernando Pessoa, os extremos tocam-se: a Califórnia, esse Extremo Ocidente que parece agora fazer simetria com o Extremo Oriente de Buda, Lao Tse, Ramakrishna e Vivekananda, parece já anunciar, por vezes mesmo iniciar, essa mutação.
A Califórnia não é somente o novo Eldorado, é o cadinho onde a civilização se acelera, se destrói e renasce. É a cabeça investigante da nave espacial Terra. O fenómeno "hippy", as grandes cerimónias colectivas como park-in e rock-concerts, a floração de seitas místicas, marxistas, nirvânicas, a experiência das ervas e dos ácidos são, da mesma maneira, rostos provisórios da nova verdade, da nova religião, da nova sociedade que se procura.
Edgar Morin, segundo nos confessa nesse diário, viveu o profundo sentimento de se encontrar, durante alguns meses, no coração de todos os grandes problemas, e não foi por acaso que ele sentiu também situar-se no coração dos seus próprios problemas.
Enquanto operava uma como que re-visão do mundo, um concurso de circunstâncias levava-o a conhecer esta conjugação de paz, de plenitude e de intensidade que ele ousou - para não falar em satori ou em nirvana - chamar felicidade.
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(1) - Journal de Californie, de Edgar Morin, Seuil, Paris, 1970.■
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1-2- 6222 caracteres morte-1>fs-3 >priori> diário de uma descoberta – diário de um aprendiz

PRIORIDADE ABSOLUTA À TANATOLOGIA

30/8/1994 – Meu Caro F.S.: Sobre a morte e como ensinar os vivos (ou moribundos) a morrer, eis o meu programa de vida, actualmente, do qual só as necessidades de atender às exigências da sobrevivência me distraem. Gostaria de encontrar alguém com quem trabalhar nisto: que, para comprazer à parte material, teria também uma «vertente» de holodiagnóstico, um diagnóstico global ou «perfil holístico».
Tenho estado a preparar a m/ casa com vista a poder obter um espaço viável para esse efeito. Será um dia destes o momento de te dar conhecimento de alguns «files» que meti em computador - sobre esse projecto do «perfil holístico».
Só que, quanto a projectos, eu encontro-me numa fase em que toda a cautela é pouca: não se pode projectar nada enquanto não se integrar. E estando eu em Nigredo puro (desestruturação completa e violenta do suporte) não posso aspirar já a qualquer reestruturação projectiva, a qualquer forma assumida. Estou, creio, na fase de «mescla» em que a decantação está longe ainda de fazer-se.
Não quero converter ninguém a nada. Quanto muito, converter cada um a si próprio. Já Nietszche preconizava «ser o que se é», repetindo o Sócrates do «conhece-te a ti mesmo», o Sócrates que, por sinal, escreveu pouco - ou nada, o que faz suspeitar de que era analfabeto. Graças aos deuses (gregos), era analfabeto, pelo que nos falou a linguagem universal, herdada do egípcio Hermes Trismegisto, via Pitágoras.
Penso, neste momento, que devo partir de uma assumido analfabetismo, sem saber quando vou aprender e se vou aprender a nova «linguagem vibratória de base molecular». Entretanto e como «burro velho não aprende línguas», desisti de «aprender línguas», inclusive a mais aberrante de todas e com o diabo na alma que é a dos computadores. Ou essa língua de piratas e merceeiros que é o inglês. Ou essa outra de punhos de renda e rigores analíticos que é o francês.
Nunca vou é fazer carreira, se não aprender os léxicos todos que eles, os patrões, querem e adoram. Admiro é Ivan Illich que conseguiu dominar aí umas oito línguas, inclusive o rebarbativo português. Mas o que eu estou mesmo excitado em fazer é um apanhado divertido dos vários «léxicos» tecnocráticos com que os tecnocratas de todos os quadrantes nos divertem.
Aliás, um dos projectos que deixei em «stand-by» (este palavrão já aprendi) foi o de inventariar (listar) os palavrões dos modernos jargões com que nos moem a paciência. Claro que o meu jargão é mais do Cais do Sodré e menos dos «yuppies» nova vaga e «new age» (outro palavrão que eu aprendi).

Perante isto - perante esta nova Torre de Babel - máximas universais como «ser o que se é», «o Verbo é Deus», «ama-te a ti mesmo» são meras banalidades de base, ditas através dos tempos e das culturas e que só aguardam o momento de ser integradas no dia a dia da custosa, penosa, vaidosa tragédia humana.
Ecologia, por exemplo, se é que serviu para alguma coisa, veio ajudar a relativizar as coisas terrenas: e se a Ecologia nos diz que não há saída horizontal (porque não há mesmo, o chafurdo é mesmo chafurdo, o tremedal é mesmo tremedal), é de acelerar então a saída vertical. Deparamos com uma multidão de escolas, seitas, tradições, mas a gnose radiestésica tem talvez a vantagem de apurar todas as técnicas (sem holismo nem ecletismo) e unificá-las em uma só.
Sem vampirizar o duplo de cada um, o que - diz-se - acontece a todas as formas manipulatórias de energia: ganha-se, nessas egrégoras, em satisfações materiais (ainda quando levam o nome de espírito, mas que diz respeito ainda ao corpo espiritual) o que se perde em natureza essencial.
Uma palavra que vou imediatamente integrar no meu léxico de sucesso é o «Know-how», cheio de ressonâncias e de consequências. Fizeste com que me apercebesse disso, nunca tinha pensado nessa vantagem. É sempre bom ter alguma coisa que nos possa pôr em posição de vantagem face à bicharada que dia a dia nos suga. Como se diz em inglês «bicharada»? Mas a palavra «know-how», tão simpática, tem conotações para mim antipáticas, muito ligadas a «sapos vivos» e a «vontade de vingança»: se der atenção a esse passado de memórias, acabo por ficar com os cabelos eriçados, agora que o Delgado Domingos lança a revista de ecologismo, por exemplo, com prefácio de Mário Soares e com o José Mattoso amigo do ambiente, sinto-me ainda mais insignificante e inútil do que quando a Maria Santos se candidatou ao lugar de deputada europeia.
Se vou a pensar em termos de «know-how» e reavivar memórias de «sapos vivos», nunca mais saio desse lodaçal. Nem consigo apagar memórias que me apegam à vida e, como te disse, a morte é agora, tem de ser agora a minha prioridade. Como vou apagar memórias e apagar apegos, se der importância ao tal «Know-how»? Aliás, se falo muito em escrever as minhas memórias, esta carta não vai chegar ao destino, como aconteceu à outra...Se tiver que voltar a narrar a crónica dos sapos vivos, já tenho file , e já lá deitei considerandos, a propósito de alguns sv mais recentes: eles não faltam nunca neste país, como sabes.
Academia de artes primordiais? Só vejo, nas artes primordiais, esta que é indicada pela retoma do Egipto faraónico, dos seus deuses, da sua sabedoria, da sua gnose. Com as ciências dele advindas: Teurgia, Numerologia, Astrologia, Magia, etc. Os orientais são porreiros, especialmente os que inventaram essa magnífica vassoura que é o Zen (aspirador dos detritos da alma), mas agora estou mais virado para o Oriente próximo. Até que a morte tenha a complacência de me levar. Foi mesmo o acaso - que não existe - que nos fez encontrar aquele sábado, em que me emprestaste a revista «Caduceus» mas principalmente o artigo sobre Tanatologia e Música. Tanatologia é quanto a mim a arte (primordial) de todas as artes: pelo que lhe estou dando neste momento prioridade absoluta. Dentro daquilo que a vida deixa, só a Morte me interessa.


sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

RÉMY CHAUVIN: O ADN NAS ESTRELAS?




6278 caracteres-janº-30>j-c-m>cartas> leituras – notas de leitura – os dossiês do silêncio


MAIS UM PROBLEMA DE ECOLOGIA HUMANA
SÓ A NÃO-VIOLÊNCIA É PRIORIDADE, IMPERATIVO CATEGÓRICO DO ECOLOGISTA

Lisboa, 30/Janeiro/1992 - O conceito de violência foi sendo substituído pelo de Agressividade. Behavioristas como Konrad Lorenz, Rémy Chauvin, Louis Millet, Skinner, usam predominantemente o conceito de agressividade, pondo no homem (na natureza animal do homem) o ênfase que dantes era posto no contorno ambiental, na sociedade, na circunstância, no meio.
Isto equivale a uma viragem de 180 graus na tese que até então prevalecera em correntes «ambientalistas» ou «mesológicas», incluindo sociólogos e psicólogos marxistas: a Violência -- diz essa tese -- estaria fundamentalmente na sociedade e o homem, motivado pelo Meio (Ambiente) reflecte, muitas vezes com efeito de «boomerang», essa violência instalada. Muitos «casos de ecologia Humana» poderiam assim ser estudados, por exemplo, na área da criminalidade e da delinquência.
Mas sabe-se que existencialistas como Sartre e Simone de Beauvoir, estiveram -- perversamente? -- muito interessados em demonstrar que o homem era intrinsecamente e instintivamente mau (violento), potencialmente carrasco de si próprio. Com o acento tónico posto no «instinto de agressividade», o etólogo Konrad Lorenz, o psicanalista Friedrich Hacker, o ornitólogo Rémy Chauvin e o psicólogo Louis Millet, colocam à Ecologia Humana um problema redobrado.
Se o mal (violência) está no homem (nos instintos animais da natureza animal que há no homem), que percentagem de violência lhe cabe (nos cabe?). E que percentagem cabe à organização social injusta, à polícia, à universidade, à ciência, à tecnologia, à indústria, ao trabalho, à economia do desperdício, à entropia, à sobre-exploração, à manipulação do homem pelo homem, aos «cartoons», à engrenagem da concorrência, à luta de classes, às incompatibilidades rácicas da epiderme, à intoxicação medicamentosa, aos distúrbios endócrinos por causas alimentares, às disputas políticas, à inveja social, ao mal estar da pobreza, à solidão no meio da multidão, mas principalmente aos «media», aos audio-visuais que alimentam, acordam, fomentam, multiplicam, ensinam e refinam a violência quotidiana, porventura inata na natureza humana? Sairá o capitalismo ileso, com as teses dos «comportamentalistas»? E a tecnocracia limpará como sempre as mãos?
Entre a explicação sociológica ou mesológica da violência (com suas sequelas) e a explicação biológica dos etólogos, psicólogos e ornitólogos (que preferem falar de «agressividade») talvez a Ecologia Humana tenha a recomendar uma pausa, uma terceira via, recorrendo ao conceito de interacção cármica herdado das filosofas místicas do extremo Oriente.
O efeito de «boomerang» que tem toda a acção humana, só é verdadeiramente reconhecido e levado em conta (contabilidade cósmica!...) pelo pensamento místico das fontes orientais. A Ecologia Humana poderá progredir (como forma prática de conhecimento) alguns passos na morigeração da Violência, se advogar as técnicas (alimentares, entre outras) que, como diria Albert Camus, têm apenas o humilde objectivo de «diminuir aritmeticamente a dor do Mundo».
Leia-se violência onde ele escreveu «dor». Em sentido lato, as tecnologias leves ou eco-tecnologias têm esse objectivo: «diminuir aritmeticamente a violência», ajudar quem quer que seja a defender-se dela, a minorá-la. Ao propor-se dispensar a violência dos medicamentos ou da cirurgia -- e das próteses em geral -- a macrobiótica, por exemplo, não é uma seita sectária como alguns dizem mas uma tentativa, uma tecnologia mais, ainda que modesta, de «diminuir aritmeticamente a violência do Mundo».
Zen e Tao, ao que se sabe deles, estão exactamente na mesma linha de acção. Foi Georges Bataille que, ao descobrir «la parte maudite» (sinónimo de Diabo na hagiografia cristã...), identificou esta «parte maldita» com a violência mas simultaneamente com a Entropia, antónimo de Energia, antónimo de Economia. É por isso que às medicinas naturais, «paralelas», «alternativas» se deve chamar mais correcta e simplesmente «medicinas não violentas». Quando se evidencia o carácter não violento das medicinas ecológicas, a fanfarronice médica defende-se com a troça, acentuando a «mariquice» dos ecologistas, acentuando que a violência não é em si mesma critério «científico» que distinga a qualidade de uma tecnologia, de uma técnica médica. Infligir dor e sofrimento é para a medicina normalíssimo e está justificado pela ética médica que, transformando os fins em meios, se rege, não por critérios de amor ao próximo mas de eficácia sintomatológica.
É o «preço a pagar» por um bem adquirido, diz cinicamente a respectiva retórica. Daí à violência intrínseca e institucionalizada da ciência, da tecnologia e da indústria pesadas, vai um passo de formiga. E o megagigantismo com que se violenta o meio natural é não só aceite como glorificado, face aos valores que então se enfatizam: eficácia, metas económicas, lucro, rentabildade, ascensão social, etc.
A Ecologia Humana -- decididamente ainda que menos cientificamente -- vem mais uma vez dizer que o rei vai nu, afirmando que a não-violência é também uma questão de prioridades e de valores.

IMPERATIVO CATEGÓRICO

Se nas democracias europeias e ocidentais se goza o mínimo de liberdade que nos permite escolher -- embora com diminuta margem de manobra -- as «tecnologias não violentas» (medicinas não violentas, alimentação não violenta) é profundamente lamentável que se não faça. O estado histórico ou político de escravatura (e toda a dependência) é duplamente odioso, porque é não só a negação da liberdade, mas porque não permite opções não violentas -- a violência da opressão tem que ser aceite sem hipótese de remissão, ou reclama maior violência. Quem tem a «sorte» de viver em (ainda que relativa e precária) liberdade política, tem a estrita obrigação de tudo fazer para não acrescentar violência à violência do mundo. Tudo fazer para a evitar. Só por isso a ecologia (humana) seria uma Ética, uma norma de vida, um Imperativo Categórico.

ECOLOGIA DA VIOLÊNCIA - BIBLIOGRAFIA BREVE:
«Marcuse», J.M.Domenach, A. Clair e F. Chiropaz, Ed. Moraes, 1970
«Agressividade», Friedrich Hacker, Ed. Bertrand, 1973
«A Agressividade», Louis Millet, Ed. Pórtico, s/data