quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

HÁ JÁ 28 ANOS

1-2-energia-4-ds> os dossiês do silêncio
Domingo, 20 de Julho de 2003

OS ENERGÍVOROS EM APUROS(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 31/1/1981

31/1/1981 - Aí está mais uma grande medida de fundo no campo da política energética em Portugal. A electricidade tem faltado, diz-se que devido à prolongada estiagem, e as populações já se habituaram aos apagões de vez em quando. Pois bem: depois de muito meditar na solução mais adequada a este caso inesperado, a Electricidade de Portugal (EDP) aumenta os preços.
Grande, inédita, espantosa solução para o problema.
Assim, com estas a outras, se caminha para a Europa dos Dez. A toque de inflação galopante, tomando todas as medidas de fundo indispensáveis ao necessário (diz-se) crescimento industrial que o País tem de sofrer, queira ou não queira, se quiser o enorme privilégio de pertencer à C.E.E.
Além do mais, aumentar preços é uma solução profundamente original. Nunca se vira, nunca se tinha feito, e de há uns anos para cá nunca ninguém se tinha lembrado de uma terapêutica tão eficaz e de fundo para os males económico-energéticos deste tão debilitado País.
Não se trata, pois, no domínio da electricidade à portuguesa, de recaída ou reincidência. Foi um relâmpago de génio na mente Inteligente de quem planeia, a curto, a médio, a longo e a muito longo prazo, o nosso futuro energoeléctrico.
Futuro que depende cada vez mais, com ou sem estiagem, da vizinha Espanha. E que por isso terá de aceitar o que a vizinha Espanha quiser em matéria de centrais nucleares.
Distracção ou calculismo?
Imprevidência ou o cúmulo da planificação planeada?

PASTORÍCIA ENERGÉTICA

O petróleo começou a aumentar há sete anos e meio, em finais de 1973.
Se os centros de decisão mundial há muito que tinham previsto este momento e já andavam a preparar a maneira de passar para as tecnologias e energias leves, sem perigo de morte para o sistema do internacionalismo energívoro, a verdade é que os diversos países, mesmo os que poderiam estar mais avisados, se deixaram ultrapassar, nestes sete anos, pelos acontecimentos, sem sequer medidas de emergência tomarem.
O petróleo não cessa de aumentar os preços, e a única coisa que a maioria dos governos tem sabido fazer é aumentar os da gasolina, deixando que a inflação nos coma pelas pernas.
Após sete anos e meio desta pastorícia energética, a Direcção-Geral de Energia salta-se com a notícia de que vai lançar um Plano Energético Nacional.
Meia dúzia de cérebros privilegiados cozinharam assim, sem dar cavaco a ninguém, o nosso futuro energético.
Porquê e ao serviço de quem? Em que plano multinacional se irá inscrever esse plano dito nacional?
Assim se passa uma colossal rasteira ao povo português, sem que as chamadas forças representativas digam basta.
Onde estão os técnicos e os investigadores para vir denunciar esta prepotência?
Seja o que for que esse plano traga no bojo, limitar-nos-emos a ser suas vítimas. E chamam a isto uma democracia?

AS INDÚSTRIAS ENERGÍVORAS

Enquanto o «desperdício» for o motor que acciona o «lucro» na sociedade industrial, podemos estar certos de que nenhuma medida de fundo será tomada para gerir melhor a energia disponível.
Falar de economia neste contexto, portanto, é uma contradição lógica insolúvel. Não pode haver economia num sistema alicerçado no desperdício.
Todo o discurso sobre poupança, austeridade e economia energética é, portanto, pura demagogia.
Um dos exemplos mais flagrantes é dado pelas estratégias ou planos energéticos em que os técnicos nos falam.
Fazem eles a estimativa ou cálculo dos consumos e vão depois à procura da energia que satisfaça esses consumos.
Ora isto é o contrário do que uma economia energética autêntica, racional, inteligente e sensata, deverá fazer: primeiro um balanço dos recursos em energia e depois planificar, administrar ou gerir esses recursos.
Fazendo o técnico o inverso disto que era normal fazer-se, somos levados a pensar que o técnico da energia anda invertido nos seus conceitos.
Tratando-se de desenhar uma estratégia para o futuro, tem que se fazer um pouco de prospectiva. Bem ou mal, temos que nos lançar na futurologia. Ora toda a prospectiva ou futurologia dos técnicos de energia é uma vergonha. Uma aberração mental. Uma neurose.
Os futurologistas mais em voga - e sobre os quais os políticos se baseiam para planificar - dão estimativas como se a realidade autêntica não existisse. Como se não houvesse luta de classes e crise ecológica. Como se não houvesse greves e alterações climáticas. Como se não houvesse inflação e recessão, desemprego e mercados saturados de produtos. Como se o aumento da mortalidade causado por indústrias cada vez mais violentas, pesadas e tóxicas não acabasse por provocar uma tensão cada vez maior no seio das populações, obrigadas a explodir mesmo e por mais que esta sociedade mercantil julgue tê-las condicionado até ao mais fundo da célula e do inconsciente.
Os futurologistas da energia, hoje, continuam a fazer planos, como se a energia nuclear não fosse já hoje a bancarrota económica e técnica que é. Como se, enfim, as loucuras «energívoras» não acabassem por chocar com os próprios limites que lhes são naturalmente postos pela realidade, pela natureza, pela termodinâmica, enfim, pela autêntica realidade que os técnicos e outros animais domésticos continuam a ignorar no seu crónico sonambulismo. A que alguns chamam esquizofrenia crónica.
Como se as suas curvas de crescimento exponencial pudessem continuar a crescer em direcção ao infinito, os técnicos da energia (e os outros a reboque) dão o espectáculo triste de um manicómio misto de penitenciária.
A menos que se utilizem os técnicos de energia para transformar em carvão, não vejo maneira de fornecer calorias e quilovátios que o sistema energívoro exige.
Portanto, ou o sistema modera os ímpetos energívoros, ou temos mesmo que transformar em carvão os técnicos de energia, de modo a fazer frente à terrível crise.
Não lhes vejo, de momento, outra utilidade.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 31/1/1981

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