domingo, 8 de fevereiro de 2009

ECOLOGISMO 1979

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CARICATURAS DO ECOLOGISMO(*)

14-7-1979

Entre os remoques que o Ecologista costuma receber, na sua campanha de propaganda em defesa da vida e da natureza, alguns há que são dominantes, permanentes e mais significativos do que  outros.
São os que visam o carácter moral, moralista ou moralizante da pregação ecológica. E a verdade é que – reconheça-se – a moral está totalmente fora de moda.
No riso trocista desses detractores, o Ecologista seria assim  um azedo mestre escola dos antigos, palmatória em riste para castigar os maus meninos que matam passarinhos, um caturra sem remédio, vesgo de indignação e ressentimentos, um pobre maluquinho que se tolera, alguém que, não sabendo apreciar as maravilhas do progresso, as delícias do supermercado, os prazeres da carne , o paraíso nuclear e o conforto dos supersónicos ou das auto-estradas, só lhe resta ir encardindo até envelhecer e morrer .
Defender a vida dos que a matam seria, portanto, ignorar ou suprimir a moral de gozo e prazer em que assenta toda a civilização ocidental.
Com o mito do progresso, do crescimento, do desenvolvimento, do alvo e da meta sempre à frente do nariz, o hedonista teria dominado o Mundo, a Vida e a Natureza, ficando assim o ecologista – seu derradeiro defensor – encurralado no gueto do anacronismo, do ultrapassado, do reaccionário. Um rótulo só lhe caberia:  obcecado dos lixos e das poluições, espécie de risível cruzado ou ridículo quixote à espadeirada com os moinhos do mau cheiro e dos fumos fétidos.
Esta caricatura do ecologismo não é a única mas é talvez a principal . É sintoma muito sensível do ponto que mais doi ao tecnocrata na guerra movida aos ecossistemas.
De facto e no fundo, o que mais incomoda o sistema vigente (com a sua moral de amoralidade) é que o ecologista apareça defendendo a moral universal da natureza e da vida, num tempo e mundo em que, precisamente, a suprema dominante das sociedades, dos grupos, das instituições, das ideologias, é, expresso ou implícito, o amoralismo.
A pretexto estético ou político, por autoritarismo ou anarquia libertária, invocando filosofias ou contra-filosofias, a verdade é que se abriu, no tempo e mundo moderno, uma clareira onde tudo possa ser possível e onde tudo possa ser permitido.
Não é – note-se – ao nível das massas que o amoralismo refina: é ao nível das elites pensantes.

Desaba então a catadupa dos finos argumentos filosóficos: desenterram André Gide e o acto gratuito, tão célebre na época, repescado nos pré e pós-existencialistas, o niilismo arreganha o dente :
São precisamente os neo-espiritualistas que advogam o amoralismo também, desta feita a pretextos vários. A dialéctica yin-yang, não há bem nem mal, o bem e o mal é tudo a mesma coisa, paragem do intelecto, o ego inteligente é uma obstrução ao nirvana, eis o quietismo e a não-violência deixando que tudo continue .
Não há dúvida que o ecologista fica mais só que a solidão.
Implícito ou explícito, o convite à desistência chega de todo os lados, tornando a resistência ecológica cada vez mais ridícula, perseguida, minoritária.
Ética exigente, dialéctica profunda e subtil, terá a resistência ecológica alguma coisa a ver com um renascimento religioso do homem?
Se tiver, é certo então que uma nova religião – a vida, a natureza, a ordem universal – se aproxima para que as novas gerações superem o poço de niilismo onde a morte é a lei. Ainda.
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(*) Este texto terá ficado inédito ou, sabe-se lá, já foi scanado... Intolerável desperdício, então.
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1-3 - 79-12-15-ie- terça-feira, 22 de Abril de 2003-caricaturas-2-ie

CARICATURAS DO ECOLOGISMO E CRISE DO AMBIENTE(*)

[(*) Este texto foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979]

As tentativas de caricaturar o ecologismo não têm obtido grande êxito: pelo menos entre artistas e pessoas de sensibilidade ou imaginação, as teses «caricatas» que o tecnocrata (quer de esquerda, quer de direita) insiste em manter sobre o ecologista, não logram grande audiência,.
Acusar o ecologista de querer «regressar às cavernas» só porque rejeita ou analisa criticamente o crescimento económico infinito, só porque denuncia mitos, sofismas da ciência, da tecnologia e da indústrias, é uma dessas caricaturas .
Outra caricatura com grande chance de convencer pessoas inteligentes e com alguma sensibilidade artística, é a que traça o ecologisamo inserido em correntes anacrónicas e recuadas da sensibilidade humana: «utopia romântica» seria um dos slogans postos a circular .
Rousseau e o mito do bom selvagem servem então de paradigma para crucificar o ecologista a todos os séculos XVIII dos obscurantismos pré e pós medievais.
Não notam estes moedeiros falsos que é demasiado carregado o traço da caricatura e que a natureza romântica de Goethe, Garrett ou Rousseau tem pouco a ver com a Natureza massacrada e em agonia dos posteriores «séculos das luzes».
É que a exaltação romântica da Natureza tem mais a ver, hoje, com uma elegia de Pascoaes do que com um Hino ao Sol de S. Francisco de Assis. E que a Joaninha dos Olhos Verdes já foi nas enxurradas diluvianas de um Ribatejo inundado pelos crassos erros ecológicos perpetrados sobre todo o território português em geral e sobre as bacias hidrográficas em particular.
A floresta negra dos contos hoffmanianos é hoje uma monocultura industrial de eucaliptos, esse pepino celulósico.

«CIVILIZAÇÃO» ?


Nós, ecologistas, seríamos (a esta lupa) os monges trapistas do século XX, coisa que a mim não me ofende nada, antes pelo contrário, que historicamente é uma fantasia ou falsidade mas que na boca deles significa um  insulto.
Se a Ordem dos Mateiros sonhada por Antero de Quental veio a ter expressão no moderno comunitarismo da não violência gandhiana e se muito tem o ecologismo a aprender com os monges zen budistas e das ordens iniciáticas tibetanas, ou mesmo com os monges das mais austeras ordens religiosas da Europa, é porque o neo-tribalismo da ecologia pobre, hoje, aponta para uma arte de viver comunitária, de austeridade ecológica é certo mas que por isso mesmo desmente os arrobos românticos, utopistas e anarco-individualistas com que nos querem rotular.
Se tecnocrata soubesse ler, aconselhava-o a que se informasse junto do filósofo Gary Snider e da sua interessante tese sobre neo-tribalismo.

Por mais caricaturas, portanto, ora a carvão ora a nuclear, que eles pintem , não há hipótese de colocar o ecologismo, enquanto corrente de sensibilidade, enquanto dialéctica, enquanto movimento de opinião, enquanto diástese de infinitas reacções em cadeia, fora do seu lugar historicamente irreversível na evolução cósmica do homem e da terra, lugar que é o de vanguarda, coração e motor daquela evolução.
Chopin, tossindo, queixar-se-ia em dó menor dos seus males de amor. A queixa, hoje, é pela Terra que sofre. A doença, o absinto, o vício, o desregramento dos instintos (Rimbaud) e outras marcas da sensibilidade decadentista, podem surgir hoje entre alguns ecologistas, ainda confusos entre a doença do Ego e a Doença da Natureza.
Ao marcar posição face às hecatombes modernas (indústria nuclear, apocalipse climático, endemias sócio-psíquicas, guerra de nervos à escala global, férreas tecno-estruturas ou burocracias kafkianas, mistificação sistemática do facto em vez de informação pedagógica,  o ecologista não recua para nenhuma etapa histórica da sensibilidade estética ou do pensamento, da tecnologia, da indústria ou da ciência. Exige e preconiza, face à tecno-barbárie, as tecnologias civilizadas, evoluídas, alternativas e solares da próxima idade do Aquário.

NA LINHAGEM DOS PROFETAS

Todos sabem, hoje, que as civilizações nascem e morrem, tem havido muitas, há subida, apogeu e declínio, enfim, a imagem é de linhas sinusoidais e não de curva exponencial única.
Que totalitarismo é este do europocêntrico? E aviado estava o Mundo se só tivesse havido Europa e seus colonizadores.

O ECOLOGISTA SENTE A DOENÇA DA MÃE TERRA COMO SE SUA FOSSE

Se a decadentistas, niilistas, existencialistas – e outras portas que o ateísmo positivista fechou na nossa cara – era a doença individual que os obcecava e se disso fizeram as suas obras mais ou menos primas, muitas épocas das artes e das letras, o ecologista sofre com a doença, a crise de toda a natureza.
E esse diagnóstico não nasceu do nada (embora ao Nada tivesse conduzido quase todas as correntes estéticas, que no último século se foram sucessivamente auto-suicidando...).
Convulsões estéticas do dadaísmo ao futurismo, do surrealismo ao realismo fantástico, do cubismo ao abstracto são peças do mesmo puzzle auto-crítico, proeza que levou André Malraux a afirmar que só a cultura europeia tinha esse mérito de se auto criticar.
Sintomas da mesma doença, sinais da mesma crise, desembocam todos no estuário poluído, eutrofizado e pantanoso do mundo industrial actual. Mas há uma linha ininterrupta que, na história estética do pensamento, liga pré-socráticos, heresias, feiticeiros da Idade Média, alquimistas, românticos, decadentistas, surrealistas, existencialistas, realismo fantástico, contra-cultura juvenil, contestação estudantil, Maio 68, ovnilogismo...
Se tentarmos um denominador comum na linha da heresia, talvez seja este: o sistema mais ou menos em choque com os ecossistemas.
Para lá das manifestações sectoriais, das lutas e polémicas, dos casos específicos ou regionais, dos micro-climas virados do avesso, dos lagos eutrofizados e dos rios-cloaca, para lá do litoral ameaçado pela invasão oceânica das marés negras e do interior colonizado por monoculturas gigantescas de eucalipto, cártamo, girassol, tomate e (agora também) tabaco ou (daqui a nada) beterraba e algodão, para lá da água que falta (e do ciclo hídrico baldeado) ou da que por estar a mais provoca enxurrada, erosão e assoreamento numa soma de factores que nos pode levar ao dilúvio em dois minutos, para lá da poluição alimentar e da doce demagogia anti-poluição ou defesa do consumidor que engordam (ainda mais) os poluidores, para lá da recuperação, em forma, que o capitalismo está fazendo das tecnologias solares e das eco-alternativas energéticas em geral (porque o socialismo dorme a sono solto quanto a alternativas) para lá dos equívocos ambientalistas, conservacionistas, proteccionistas, etc.
Para lá da má fé deliberada ou da ignorância (que mete os ecologistas no regressismo passadista), a corrente ecologista é, enquanto vaga de fundo da evolução cósmica, essa herdeira recente de uma linhagem (nobre) de profetas, alquimistas, feiticeiros, iniciados, místicos e monges, artistas e filósofos panteístas.
«Prever as grandes linhas do futuro na leitura dos factos do presente à luz das profecias do passado.”
Não há outra maneira de definir ecologismo, por mais caricaturas que pintem.
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(*) Este texto  foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979
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AS CARICATURAS DO ECOLOGISMO: BIBLIOGRAFIA DOMÉSTICA (-BD) (*) OU HEMEROTECA PESSOAL

(*) Este texto auto-contemplativo foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra », 15-12-1979

Para os que quiserem investigar mais a fundo esta genealogia do ecologismo no fluxo e refluxo das correntes (sociais, de ideias e de sensibilidade artística), esta sinergia das energias, esta subversão de sistemas (instituições) encarregados de destruir os ecossistemas do ecossistema Terra, permito-me relembrar brevíssima bibliografia:

Os Intelectuais e a Ecologia – I – O Preconceito Romântico – In «A Capital» , 5-8-1978 [ não encontro o file mas ia jurar que já o teclei/scanei]

Os Intelectuais e a Ecologia – II – O Preconceito Realista – In «A Capital» , 2–12- 1978 [não encontro o file mas ia jurar que já o teclei/scanei]

As Poluições do Eco-Analfabetismo – In semanário «Extra» (Lisboa) - 20-4-1978
[78-04-20-IE> ]

Movimento Ecológico e Descolonização Cultural – Colecção «Mini-Ecologia» - Nº 8 – Ed. «Frente Ecológica» - Paço de Arcos, 1975

«Questão de Sensibilidade» e «Bárbaro é o que Crê no Progresso» – In «Contributo à Revolução Ecológica» - Lisboa – 1975 [Todo o livro do «Contributo» foi teclado/scanado]

Sobre a função que a arte de vanguarda desempenhou no «renascimento» de culturas, civilizações e formas de vida (ecológicas mas sistematicamente atiradas ao buraco do primitivo pela pata ocidental) apraz-me lembrar um texto de 1970 (14 de Junho) em que tentei anotar, precisamente, onde vanguarda e origens se fundem no universo ecológico. As origens evocam, aliás, a obsessão de originalidade que atormenta tantos artistas e seu umbigo...
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(*) Este texto auto-contemplativo  foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra », 15-12-1979

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