sábado, 14 de fevereiro de 2009

HÁ JÁ 26 ANOS

espaço-1> os dossiês do silêncio

ESPIÕES DE BOAS INTENÇÕES: A GUERRA DOS SATÉLITES COM FINS PACÍFICOS (*)

21/5/1983 - Não haveria necessidade de falar em «utilização pacífica» de um invento (tecnologia, ciência ou forma de energia) se a sua utilização bélica não surgisse primeiro e não fosse um facto há muito tempo.

Obviamente.

É assim que logo se inventou um «átomo pacífico» paralelamente à escalada do armamento nuclear, em vez da «guerra química» a propaganda inventou os «benefícios da química», a «guerra biológica» aparece disfarçada de pacíficas epidemias naturais, a «guerra climática» é sempre atribuída a distúrbios e culpas da intratável Natureza, enquanto a genética deixa de estar ao serviço da mais feroz «manipulação do homem pelo homem, mascarando-se de grande benefício para a humanidade.

Também a «guerra espacial» não podia escapar a esta regra ou hipocrisia, de fundo. E quando a espionagem por satélite já era rotina de uma guerra secreta entre grandes potências, surge a utilização «pacífica» dos satélites, do espaço exterior e da «detecção remota» ou «teledetecção».

A GUERRA COM FINS PACÍFICOS

Com a chamada «utilização pacífica» do «espaço exterior» e da «teledetecção» pretendem os técnicos da especialidade cantonar e sectorizar o público em geral ou o jornalista mais renitente. Tudo o que fica de fora desta «pacífica» utilização, já não é evidentemente com os serviços, com o LNEC, com o novo computador. Vai para a zona negra, indefinida, abissal do «uso bélico», intocável, situado numa espécie de outro planeta.

Com isto pretende-se escamotear a questão de fundo, que é esta: de que modo a «pacífica» captação de imagens pode ser utilizada para fins menos pacíficos.

Mais: a «espionagem» deixará de se chamar assim, se em vez de informações de instalações militares, captar informações de culturas agrícolas, manchas de poluição, águas subterrâneas, urânio e outros minérios?

O sofisma que dá o carácter «diabólico» à nossa época, comandada por tecnologias de ponta que escapam ao controlo dos próprios técnicos que dizem controlá-las, é exactamente esta duplicidade ou hipocrisia de fundo: quando surge a palavra «paz» é porque se pretende camuflar ou legitimar uma qualquer «guerra», circunscrita assim a uma zona interdita onde poderá desenvolver-se à vontade sem interferências da sociedade civil ou de jornalistas indiscretos.

Teremos então o seguinte quadro: tudo quanto se fizer de triunfal no domínio dos satélites vai para a zona boa ou pacífica. Mas o que suceder de sinistro ou odioso fica na sombria área «não pacífica» e como tal não se discute. Rotula-se de «segredo militar».

SOFISMA, SEXTA DIMENSÃO DA INTELIGÊNCIA TERRESTRE

Assume aspectos patológicos esta pretensão sofística de rigor terminológico.

Se, por exemplo, eu digo que o Landsat dá informações para lá da superfície terrestre, eles corrigem: «não dá, contribui para».

Se eu digo teledetecção, eles corrigem (como se eu tivesse dito uma grande asneira) para «detecção remota».

Se eu incluo na teledeteccão os aparelhos de medida usados na Base Aérea n.° 1 e que captam imagens de grandes altitudes, tal como os satélites, logo me emendam: isso não é já teledetecção mas «geofísica»...

Esta flutuação de palavras entre a terra e o espaço verifica-se igualmente no caso dos satélites e «porque caem».

«Nada obriga a que todos os satélites venham um dia a cair», dizem os engenheiros espaciais, para logo a seguir se desdizerem: « qualquer satélite, até a Lua, pode cair»...

Nenhum afirma, explìcitamente, que a «energia nuclear» é usada como «sistema de propulsão de alguns satélites», preferindo sublinhar outras fontes energéticas igualmente utilizadas como o combustível «hidrazina» e os «painéis solares»

A ambiguidade de linguagem é ainda notória quando se chega ao melindroso assunto da «informação que as potências obtêm sobre recursos naturais de outros países e o aproveitamento que venham a fazer dela».

TERCEIRO MUNDO ENTRA NA CORRIDA

A ambiguidade e o sofisma, a subtileza manhosa e a flagrante contradição, continuam, quando se chega à regulamentação prevista para a «gestão do espaço exterior».

Enquanto foram as grandes potências imperialistas a encher o espaço de satélites (meteorológicos, telecomunicações, de recursos, espiões, etc.) não se falou de lei, nem de «anarquia existente».

Quando os pequenos quiseram entrar na corrida, porque para isso os grandes os aliciaram, realiza-se em Viena de Áustria uma conferência para «ver se se chegava a um acordo».

Os termos em que a Conferência de Viena (9.8.1982) decidiu sobre a «gestão do espaço» são verdadeiramente imponentes. Imperialistas, ditatoriais e tirânicos. Dessa conferência sai, com efeito, uma recomendação ao Comité das Nações Unidas para a Utilização Pacífica do Espaço Exterior, para «definir legislação relativa à possibilidade de um país ser detectado (observado) por satélites de outro e dos dados obtidos serem vendidos a países terceiros (eventualmente por empresas privadas) sem autorização prévia do país observado».

TERCEIRO MUNDO EM BICOS DE PÉS

É uma obra-prima de sofística esta recomendação. Não se põe em causa, de raiz, que a superpotência espacial saiba o que muito bem quer e entende dos países que eventualmente «coloniza» ou irá colonizar economicamente.

Isso não é ponto em questão para os técnicos reunidos em Viena sob os auspícios da O. N. U. Hipocritamente «teme-se apenas» que a mesma informação «vá parar a terceiros...»

Paternal e enternecedor é o súbito receio dos espacialistas (com pa): «Há - imagine-se! - o perigo de o Terceiro Mundo não vir a ter espaço para pôr os seus satélites... »

Perigo, portanto, não é a matilha de satélites já em órbita e que podem em qualquer altura cair-nos em cima ou desfazer-se em merda radioactiva.

«A questão das quedas é irrelevante» - dirá um tecnocrata espacial. Perigo e grande é que o Terceiro Mundo seja também chamado à glória de competir com as grandes potências espaciais, disputando-lhe espaço no espaço, pondo-se em «bicos dos pés» para conseguir gastar em corrida espacial a energia que não tem para dar de comer aos seus povos.

Até onde irá o cinismo canibalesco destes ternos guerreiros espaciocratas?
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 21/5/1983©

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