terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

HÁ JÁ 26 ANOS

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terça-feira, 26 de novembro de 2002

QUANDO O SOL NASCE A POENTE OU VICE-VERSA: QUEM TRAVA O CRESCIMENTO?(*)

[20-8-1983, in «A Capital», Crónica do Planeta Terra ] - Suspensão de contratos de trabalho, suspensão de investimentos nas empresas públicas, suspensão de grandes planos de crescimento industrial - eis o «desenvolvimento acelerado», que os ambientalistas foram acusados de travar ....
Se um dia o Sol nascesse a poente ou vice-versa, se pusesse a nascente, havia um levantamento geral na espécie humana. O povo revoltava-se e possivelmente fazia greve se, um dia, qualquer das leis da Natureza fosse violada.
Se, por exemplo, os objectos voassem em vez de caírem por força da gravidade, toda a gente urrava de justa revolta.
Mas toda a gente viola diária e naturalmente as leis naturais, e depois dizem que a culpa é do macaco quando em vez de chover seca e em vez de Verão temos cacimba.
A economia, por exemplo, a Leste e a Oeste, promete farturas-de-misérias, grande-desenvolvimento-promove-subdesenvolvimento. Mas todos acham bem e chamam-lhe austeridade quando o mexilhão é que se lixa.

Ambientalistas e amigos da Natureza, agora acusados de apalpar seios a secretárias capitosas, foram metidos várias vezes em tribunal plenário por «travarem o progresso».
Verdade seja que algumas leis da nossa política oficial do Ambiente parecem feitas (mais) para indignar o público contra essa política do que outra coisa. A sanha de proibir a construção civil em defesa do Ambiente num país que precisa de casas como de pão para a boca é exemplo de leis em prol do Ambiente que impopularizam os do Ambiente.
Mas a luta contra os clandestinos, apesar de super-impopular, foi encetada por alguns municípios. Falou-se até em «grande coragem política» e coisa que ninguém se atreveria a dizer é que esses municípios, ao defender a lei e o Ambiente, estavam a travar o progresso.

Mas culpam os ecologistas do subdesenvolvimento e da miséria a que chegámos.

Só que a austeridade, agora como um raio em cima de nós, uma das medidas que tomará é travar o desenvolvimento.

Aí está mais uma cena de «travesti»., em que a metafísica chamada economia nos coloca. Mesmo com a espada do F M.I. em cima das nossas tolas, sabe-se que ainda há ministros desenvolvimentistas a estrebuchar, querendo à viva força que o País se empenhe em planos megalómanos como o que de Sines herdámos de antigas megalomanias.

Mas o Damocles do F.M.I. é mais forte do que estes derradeiros estrebuchos que, aliás, também se estendem a certa oposição da terra queimada que continua a acusar de não desenvolvimentista um Governo onde os ministros que advogam a energia nuclear, por exemplo, nunca foram tantos.

Coisas da vida, logo o Sol, desta feita, vai nascer a poente. E vice-versa, pôr-se a nascente.

FORMIGAS NO COMPUTADOR

Mas o povo acredita e está sereno. Embora seja tudo só fumaça, o povo pratica a austeridade na abundância, aperta o cinto rodeado de pudins flã, alumia-se à luz da vela com três centrais nucleares em cima dos costados fronteiriços. Prometem-lhe a lua de foguetão mas nem as carripanas da Carris nesta Lisboa funcionam: Lisboa inteira mesmo não funciona, basta que uma formiga se meta no computador central dos semáforos.

O travão posto pelo acordo com o F.M.I. aos planos de desenvolvimento algo megalómanos e ditos de envergadura nacional poderá afectar alguns que implicam maiores investimentos mas acelerar outros que, com impacto ambiental igualmente violento, exigem menores investimentos.

Se os planos chamados de capital intensivo - siderúrgico, barragem de Alqueva, petroquímico, electronuclear, exploração de urânio, auto-estradas e vias rápidas - significam investimentos avultados e vão provavelmente ficar em stand-by, já o mesmo não vai acontecer com outros, financiados por organismos internacionais ou por eles incentivados, mau grado o impacto negativo sobre o ambiente: culturas agrícolas esgotantes (tabaco, cártamo, girassol, eucalipto), fibras sintéticas, Clorofenol de Estarraja (sal-clorodioxina). celulósico-florestal, prospecções petrolíferas, gasoduto soviético, oleoduto da N.A.T.O., aproveitamento de pirites, planos em que o capital estrangeiro proverá quando o capital português falhar.

MISÉRIA É NÃO ASSUMIR A POBREZA

Irá a imposta austeridade limitar os previstos planos de crescimento industrial, a que se tem também chamado «desenvolvimento»?

Saber-se-á quando, também aí, chegar o minuto da verdade. O que se pode afirmar, desde já, é que os planos caros de obras públicas para resolver problemas e satisfazer necessidades podem ser substituídos por pequenas e médias soluções de «tecnologia intermédia» ou apropriada aos países pobres (!), pequenas grandes soluções que é costume receitar aos subdesenvolvidos do Terceiro Mundo.

Se a austeridade imposta nos cortar os sonhos ambiciosos de desenvolvimento à moda da Europa, será que mesmo assim as pequenas grandes soluções das t.a.’s - tecnologias apropriadas - não encontrarão ainda aqui eco e apoio?

Será que a mais negra miséria não nos faz ao menos assumir a grandeza da nossa pobreza, abrindo olhos, ouvidos e coração às t.a.'s?

Os grandes planos de crescimento têm acima de tudo um grande defeito: se não podem e quando não podem realizar-se por falta de dinheiro, técnicos ou até de envergadura administrativa - constituem o maior travão ao... desenvolvimento. Deixam-nos no vazio. Se, por exemplo, o Plano Siderúrgico Nacional - o maior investimento jamais concebido em Portugal - não for viável devido à crise-austeridade-F.M I., será que nos vamos todos precipitar no Atlântico?
Afinal que tipo de mentalidades e que modelos de desenvolvimento nos mergulham no niilismo cataclísmico?

As pequenas grandes soluções das t.a.’ s são sempre viáveis, sejam quais forem as oscilações da crise, as subidas do dólar, os sacões do ouro.

Se após 6 anos de seca, segundo o grupo inter-municipal do Alentejo, se reclamam 150 mil contos para uma situação em que 100 mil pessoas têm faltas de água graves, é caso para perguntar se as portas triunfais do Aeroporto decoradas por 150 mil contos valem mais do que a sede de 700 mil pessoas nas duas maiores províncias do País.

Isto implica pelo menos uma pergunta: Será mesmo a Economia uma questão moral?

SECOU A TETA E AGORA?

Prevenir fica mais barato do que remediar.

Exemplo: é mais económico conservar a saúde do que combater a doença. É mais económico evitar o acidente rodoviário do que manter as despesas (hospitalares e não só) inerentes à sinistralidade.
É mais económico evitar indústrias hiperpoluentes, energívoras e devoradoras de água, do que, depois de instaladas, despoluir.

As soluções ecológicas são as mais económicas. Por definição e quando a lógica não é uma batata. A analise energética demonstra-o. Não significa isso que a racionalidade e a lógica sejam, entretanto, o que mais apetece aos responsáveis, enquanto o desperdício, a doença, a insegurança derem lucros a alguns.

As pequenas grandes soluções - desde as pequenas barragens às técnicas de auto-suficiência e de auto-terapêutica - significam uma austeridade mais aceite do que imposta.

O quadro que nos continuam traçando da austeridade é tanto mais negro e negativo quanto mais for desenhado no fundo de uma mentalidade e de uma ordem cultural de aberrante desperdício.

Fizeram-nos crer que estávamos aqui para consumir e mamar da teta da natureza até rebentar, para depois nos dizerem que temos de apertar o cinto até ao osso. Pagar-se-á por atacado o que não se quis pagar a prestações. A média e pequena tecnologia acabará por ser imposta quando podia já ter sido livremente escolhida.

Quando o sistema macroeconómico restringe e reprime, consegue-se notar melhor o valor das alternativas de autosuficiência, das tecnologias apropriadas aos países pobres (coisa que nunca aqui se quis assumir, a pretexto de que seria "albanizar o País”...)

Ou seja: quando sobem preços até ao delírio, era necessário que o consumidor pudesse dispensar o sistema, recorrendo ao faça você mesmo e ao desenrasque-se sozinho. Este princípio de autarcia evitaria que, no auge das crises, as pessoas fossem enforcadas nela, quando as estatizadas nos comem pelas pernas. Se as pessoas pudessem desligar da rede geral, e ligar ao gerador próprio, sempre que o quisessem e necessitassem, havia liberdade, pluralismo, democracia. Assim, há miséria, delinquência, criminalidade, suicídios em cadeia.

A reciclagem aparece como um grande princípio em relação ao qual o sistema sempre manifestou má vontade. Fechar o circuito, reciclando materiais, significa dispensar, total ou parcialmente, o recurso ao sistema geral. Quanto mais à mercê do "estrangeiro" estiver o cidadão-consumidor-contribuinte, menos se poderá defender quando os preços sobem, a inflação nos come pelas pernas, o sistema de consumos estabelecido nos enforca.

Ideia tão óbvia e lógica como é a Reciclagem, razões fortes de inércia têm contribuído para que não surja como o sol que efectivamente pode ser nesta infindável crise.

Sol, esse, que como todo o sol que se preza, nasce naturalmente a nascente e naturalmente se põe a poente. Amen.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», Crónica do Planeta Terra, em 20-8-1983