quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

CHOQUE PETROLÍFERO 1973

1-3 - energia-1> os dossiês do silêncio
sexta-feira, 22 de Novembro de 2002

TECNOLOGIAS DE VIDA: DEPOIS DO «CRASH», O DILÚVIO»(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 30/1/1988

30/1/1988 - Retomando a tese defendida no livro «Depois do Petróleo o Dilúvio» - escrito sob a influência do primeiro choque petrolífero1973/74 e publicado poucos dias antes do 25 de Abril de 1974 - , verifica-se que o clima de estagnaflação que então se previa vir a verificar-se, gerado por esses anos deprimentes, tem muitos pontos comuns com o clima de acentuada depressão provocada pela drástica e generalizada baixa das principais bolsas mundiais.

«A depressão vem aí» - dizem alguns observadores em 1987, embora outros, mais optimistas, queiram corrigir o que consideram alarmismo, estabelecendo diferenças acentuadas entre esta crise e a de 1929.

Na perspectiva de uma análise ecológica, o essencial da questão é idêntico na depressão de 1929, no choque petrolífero de 1974 ou no abanão de 1987: intoxicado até aos gorgomilos (e nem só de poluição), o sistema abana-se para expelir toxinas, esmagando alguns com o abanão.

O imperialismo industrial tem as suas regras próprias de funcionamento e, mais ano menos ano, a crise purgativa ou «doença senil do capital-socialismo», manifesta-se em convulsões muito desagradáveis.

Por imperativo higiénico, o sistema vomita-se a si próprio.

2 - Como sempre nos momentos paroxísticos, haverá duas maneiras de ver o mesmo fenómeno: enquanto os porta-vozes do sistema se limitam a passar a certidão de óbito do próprio sistema que durante anos sustentaram, os activistas do contra-sistema, eco-alternativos e ecologistas radicais, dirão que, perante a derrocada, se toma inevitável recorrer às tecnologias de sobrevivência (tecnologias apropriadas ou TA) que eles andam a pregar desde que a realidade as impôs como única saída de emergência para os fantasmas e mitos da utopia tecnocrática.

Para as aflições da inflação, do desemprego, da estagnação económica, o movimento eco-alternativo propõe hoje o que sempre propôs, o desenvolvimento do sector alternativo da economia - o salto por cima - enquanto o macrosistema da macro-economia se convulsiona em crises periódicas, ou se afunda em «crashs» irreversíveis.

O desemprego, a inflação, a estagnação afectam o sistema de que são componentes intrínsecas: terão possibilidade de suportar e sobreviver à crise, os núcleos que tenham criado «bolsas» de resistência na autonomia, na auto-suficiência e no desenvolvimento das tecnologias apropriadas de sobrevivência, nas eco-alternativas de vida.

No minuto final, no momento da verdade, os sobreviventes do «holocausto» procurarão as soluções alternativas ao sistema económico em derrocada, mas fá-lo-ão desordenadamente, caoticamente.

O que os movimentos eco-alternativos autónomos andaram dizendo, sem que ninguém os ouvisse, estes anos todos de euforia altista, alternada de «sustos», «quedas» e «soluços», é que o menos e o melhor que se poderia fazer era preparar os «dias difíceis», desenvolvendo a liberdade, desenvolvendo o eco-desenvolvimento, desenvolvendo as tecnologias leves, desenvolvendo a autarcia e a autosuficiência de grupos e pequenas comunidades, desenvolvendo as artes práticas e artesanais, desenvolvendo o «faz tu mesmo», desenvolvendo as pequenas soluções (o «small is beautiful»), desenvolvendo os movimentos sociais independentes, os grupos e movimentos de cidadãos, utentes e consumidores.

É o que os eco-altemativos andam a dizer às pessoas sem que os surdos dos neo-capitalismos e neo-liberalismos eufóricos de triunfo balofo percebam seja o que for. Demasiado absorvidos a comer ratazanas vivas, andam, de facto, os megalómanos desenvolvimentistas, os defensores dos dinossauros industriais, os planejadores de complexos de indústria pesada, os autores e fautores do holocausto e que agora, perante os primeiros sintomas da derrocada, se limitam a dizer, que não sabem porque rebentam as caixas, ou porque chocam os comboios.

A «falha humana» é, como se sabe, nomenclatura obrigatória em qualquer discurso que se preza.

4 - Se os escritores, profetas, ideólogos do eco-desenvolvimento não foram ouvidos, não foi porque dissessem asneiras, porque fantasiassem utopias, porque propusessem absurdos, porque contassem mentiras.

Não foram ouvidos porque falavam a verdade pura e simples da evidência, porque eram estruturalmente realistas e nunca alimentaram fantasmas de «ismos» e «logias», porque propunham a lógica indiscutível das soluções ecológicas.

Se a humanidade mergulhar em outra depressão económica, igual ou pior do que a de 1929, não será por falta de soluções e saídas eco-alternativas, por tecnologias de vida e de sobrevivência, por motivos de fé e de esperança na capacidade divina dos homens para criar e melhorar a obra da natureza.

Será pura e simplesmente por estupidez tecnocrática, por cegueira mental de gananciosos, por arrogância e pesporrência, por mania das grandezas, por cupidez do mais, mais, sempre mais até rebentar e partir a cabeça, por culpa dos cientistas vendidos aos impérios do lucro industrial, por culpa dos mercados da morte, da doença e da alienação, dos propagandistas da banha da cobra nuclear, por avidez dos «fazedores de dinheiro» e seus divulgadores nos «mass media».

Somem isto tudo e terão como resultado a «depressão» - para a qual, no entanto, os seus autores ou co-autores olham com ar de fingido espanto como se, de repente, tivesse caído do céu.

Com a depressão vai haver, se Deus quiser, muitos suicídios. Mas aqueles que, como eu, mais vezes se sentiram tentados a suicidar-se, na solidão de tantos anos a falar pró-boneco e a ladrar no deserto, na chatice de um quotidiano sem imaginação, sem paixão, sem qualidade, sem timbre, sem nada nem sequer perfume, talvez agora tenham um novo motivo de fé para lutar, «in extremis», pela sobrevivência e pela Terra de todos.

Pela sobrevivência de todos - digo - e também dessa meia dúzia de dinossauros que, finalmente, talvez estejam prontos a vomitar quanto engoliram, na grande farra que agora chega outra vez ao fim.

5 - «Depois do Petróleo, o Dilúvio» era o título de um ensaio escrito em 1973 e publicado em 1974, onde me permitia comentar as teses de Ivan Illich à luz dos acontecimentos recentes da guerra do Kipur e respectiva interrupção da torneira petrolífera.

Nessa altura, os ingénuos e bem intencionados acreditavam que era preciso exercer uma pedagogia intensiva no sentido de divulgar as alternativas à crise e permitir às pessoas desligar do circuito totalitário para ligar ao circuito convivial das auto-suficiências.

Suprema ingenuidade essa, com efeito. Divulgar as alternativas só serviu, afinal, para os donos do Poder mandarem vir rapidamente as bibliografias mais exaustivas e actualizadas, mandarem construir as suas próprias casas ecológicas, adoptar eles próprios os bons e suaves princípios das tecnologias leves, enquanto nas direcções-gerais, nos ministérios, na Assembleia da República, nos jornais, mandavam o escriba debitar o já crónico e habitual discurso, anterior a 1973, do expansionismo, da indústria- pesada, das vantagens que há de entrar no Mercado Comum, do crescimento e do desenvolvimento, enfim, do energivorismo paranoico.

De caminho, enquanto lhe plagiavam as teses e as ideias, mandavam calar o ecologista, cobriam-no de ridículo, acusavam-no de alarmismo, catastrofismo, dramatismo, etc

A mudança foi, para eles, vertiginosa e vantajosa. Enquanto os ecologistas se digladiavam entre si, os engenheiros pesados organizaram-se para se documentar sobre todas as energias limpas e tecnologias leves, onde os seus bancos poderiam investir com toda a segurança.

É o fenómeno mais interessante depois do 25 de Abril. Enquanto as campanhas para a industrialização e poluição do País, prosseguiam, enquanto a mentalidade energívora ganhava tons de ave canora e prima-dona em todos os areópagos científicos onde, em Lisboa, se fazem colóquios, enquanto a neurose expansionista passa a psicose e a histeria se transformava numa epilepsia desenvolvimentista, os próprios que discursavam nos colóquios e congressos para a entrada no mercado comum, já se preparavam para fazer a barbinha com água aquecida por colectores solares, planos.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 30/1/1988©©©

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