terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

HÁ JÁ 30 ANOS

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domingo, 24 de Novembro de 2002-scan

DE ONDE VEIO A TARTARUGA GIGANTE?

«A ecologia está na moda e isso corresponde a ser tratada com certa ligeireza, para não dizer incorrecção, o que acaba por se reflectir na pouca credibilidade que ainda hoje usufrui em certos sectores

[18-Agosto-1979, in «A Capital», Crónica do Planeta Terra ] - Com estas palavras abre o novo livro do Prof. Manuel Gomes Guerreiro, que foi subsecretário de Estado do Ambiente no primeiro Governo constitucional.
Actualmente responsável pelo departamento de Ciências do Ambiente da Universidade Nova de Lisboa, onde é professor, estando também a coordenar os trabalhos da Comissão Instaladora da Universidade do Algarve, Gomes Guerreiro tem vindo a definir-se não só como autoridade da Didáctica da Ecologia, mas também como filósofo (neo-fisiocrata lhe chamou Henrique de Barros) e pedagogo cívico a quem preocupam os problemas de fundo da sociedade portuguesa.
No Instituto Universitário de Évora. que ajudou a instalar como vogal e de que foi reitor, imprimiu também a força das suas posições às áreas e matérias ali ministradas, especialmente no campo da extensão rural e da prioridade ao sector primário que tão galhardamente tem defendido.
Silvicultor a partir de 1943, professor no Instituto de Agronomia em 1957, catedrático da Universidade de Luanda em 1968 (onde foi vice-reitor) a sua experiência estendeu-se ainda, a partir de 1958, ao Instituto de Investigação Científica de Moçambique.
Autor de uma vastíssima bibliografia, onde se mostra pioneiro e autêntico precursor de muitas teses que só duas décadas depois começaram a ser conhecidas das elites universitárias portuguesas, as palavras de Gomes Guerreiro têm portanto um peso indiscutível. E traduzem preocupações que levarão a reflectir muito seriamente aqueles que, como nós, admiram a sua coerência intelectual e não lhe regateiam um imenso e profundo respeito pelas teses que defende.

ECÓLOGOS E ECOLOGISTAS: DIÁLOGO OU HOSTILIDADE?

A questão levantada pelo prof. Manuel Gomes Guerreiro, ao abrir o seu livro mais recente “Ecologia dos Recursos Naturais”(*), não deixa de ser pertinente e de incitar ao debate que se desejaria, de facto, mais esclarecido e crítico do que até agora tem sido. O debate entre ecólo-gos e ecologistas ...
Comentando a citação de Gomes Guerreiro acima transcrita, ocorre-nos uma primeira pergunta: Caberá ao “leigo” ecologista toda a culpa e estará o cientista - ecólogo - isento nesse cartório?
O próprio especialismo em que o ecólogo se compraz, a sua visão míope e redutora da realidade, da natureza, da vida, da sociedade e dos ecossistemas, não terão contribuído também e em boa parte pare o descrédito desta «ciência das ciências»?
Por outro lado, não será lícito o nervosismo e a impaciência dos que sentem ameaçados o próprio solo e a própria terra que pisam, tentando eles com as suas poucas posses e ainda que não sejam especislistas, nem catedráticos, nem universitários, pensar este desvairado mundo que os especialistas, aliás, ajudam a desintegrar e a desvairar ainda mais? E a abanar, perdidamente, com o terror sísmico das bombas?
Quando se vê o crime praticado diariamente contra a vida, os equilíbrios naturais, as espécies, as grandes forças que nos sustentam ( a atmosfera, o oceano, as florestas, os rios, as serras, os lagos), a própria vida quotidiana que se degrada em qualidade a pretexto exactamente de a melhorar quantitativamente (pura burla, pura mentira), será mais prioritária a terminologia académica e universitária ( cujo hermetismo apenas serve às vezes para esconder uma grande penúria de ideias e de pensamento criador...) ou as acções práticas que tentam pôr um travão na loucura dos tecnocratas?
E não será verdade que a própria ecologia conseguiu ser invadida por tecnocratas do meio ambiente? Se Gomes Guerreiro é uma providencial excepção a essa triste regra ( melhor do que nós, ele conhece as misérias dos que invocam o meio ambiente e a sua defesa para melhor o massacrar ou deixar que outros o massacrem), porque não se insurge igualmente contra estes perigosos engenheiros do ambiente, que milagrosamente souberam dar a voltinha à moda da ecologia para a recuperar totalmente a favor do sistema (tecnocrático, desenvolvimentista, industrial-poluidor) com o qual o prof. Gomes Guerreiro tem estado também em frontal discordância?
O inimigo principal da ecologia-como-ciência será o ecologista prático ou os cientistas em geral e os da ecologia em particular que teimam em ver apenas a parte ínfima, ignorando o todo?
Se se preconiza «a cada um a sua especialidade e cada especialidade para cada um» - dando a entender que deve o ecologista especializar-se na Universidade ou então mudar de nome...- será estranho que esta regra só funcione pare uns e não funcione para outros.
Porque então o jornalista, por exemplo, poderá dizer que os jornais são sua quinta privativa, devendo os especialistas, cientistas e universitários abster-se de aí meter o bedelho: ora isto não acontece e vemos cada engenheiro, cada doutor, cada Cada, botando na Imprensa a sua abarrotada faladura, que logo se nota quem mais manda na Imprensa não é o jornalista. Melhor as coisas andariam, se fosse...
Por outro lado, pensar e produzir ideias é também uma actividade «especializada», e bastante, num tempo-e-mundo em que a estupidez dos especialistas torna cada vez mais necessária e actividade sergianamente pensante do global.
Estranho, portanto, que se retire ao ecologista o direito de pensar, ler, analisar e interpretar ecologicamente esta realidade actual que, por impensável, absurda, inqualificável, muitos desistiram já de compreender ...
Se o especialista - o ecólogo - tem os seus domínios, cátedras, lugares exclusivos onde pontifica, incluindo ministérios, secretarias de Estado e direcções gerais, será que a Imprensa, os jornais e os mass media deverão ficar exclusivamente também ao seu serviço, abdicando o jornalista de ter personalidade profissional e até jurídica?

LER ECOLOGICAMENTE ESTE TEMPO-E-MUNDO

Mas sendo o jornalista apenas o cidadão que traduz vozes gerais na sua voz, escutando com atenção e reproduzindo com rigor - terá este cidadão ou homem comum que se penitenciar de pretender ter uma consciência ecológica deste tempo-e-mundo e agir de acordo?
Aliás, se a tese do especialismo vingasse, que sentido teria toda a pedagogia «ecológica» de que Gomes Guerreiro tem sido, ao nível universitário, um tão estrénuo e incansável defensor?
Teremos nós autodidactas, peões, consumidores, utentes, eleitores, cidadãos vítimas em suma da brutal sociedade de consumo, que esperar e salvação dos técnicos e engenheiros da ecologia, vendo por que ínvios caminhos eles vão conduzindo os problemas e de que maneira airosa lhes adiam as soluções?
Lutar pela qualidade de vida e contra a inaudita violência da ideologia tecnocrata será tarefa de catedráticos ou temos o direito de nos defender e salvar a pele das patifarias que eles cometem?.
No campo dos leigos em Ciências ecológicas serão tudo erros e no campo dos doutores em ecologia tudo perfeição?

O MISTÉRIO DA TARTARUGA MARINHA.

Até mesmo na perspectiva rigorosamente científica da investigação sobre o terreno, não terá a ecologia que acompanhar a vertigem e a velocidade a que a destruição se processa? Não irão ficando os ecólogos de gabinete totalmente desfasados da realidade que, decididamente, não marcha à velocidade deles?
Não será ridículo, por exemplo, um senhor cientista de Unesco, de lupa apontada para a fauna bentónica dos Açores e que de repente lhe aparece uma tartaruga marinha-gigante ao pé, sem que ele perceba de onde ela vem? Sem que ele perceba que a tartaruga vem afugentada do mar da Florida onde há dois meses o poço da plataforma submarina mexicana debita no oceano milhares de barris de petróleo?
Conhecer a fauna bentónica é lindo, o País está pagando bom ordenado, com certeza, a tão iminentes cientistas: mas ignorar a terrível «desecologia» que diariamente, hora e hora, altera todos os esquemas dessa linda ecologia académica, eis um facto que será pouco científico ignorar ou minimizar.
Deste dia-a-dia e o melhor que podem, encarregam-se os ecologistas.

SALVAR A PELE, E JÁ NÃO ERA MAU...

Que a tragédia do planeta Terra, as catástrofes já consumadas e as que se perfilam
no horizonte próximo, a ameaça de extinção que paira sobre a espécie humana e outras espécies, seja obra só de especialistas e diplomados, eis o que talvez fosse cómodo para aqueles que, a contragosto, se vêem obrigados a meter o nariz onda não são chamados.
Mas se o fazem, é porque os ecólogos de gabinete se demitiram totalmente das suas obrigações para com a sociedade e são hoje animais empalhados e pré-históricos alheados do tempo e mundo em que vivemos, mas em que principalmente morremos das mortes com que eles nos assassinam..
Com ou sem eminentes especialistas na matéria, trata-se para a esmagadora maioria da Humanidade de salvar a pele. Ou, pelo menos, de o tentar.
Desumano - e surrealista - seria obrigar o náufrago a ter diploma de salvamento para o autorizar a... salvar-se.
Quando e verdade é que a Ciência em geral a alguns ecólogos em particular foram, são e continuam a ser os mais directos responsáveis pelo naufrágio.
Quem retira, afinal, credibilidade à Ciência? Os seus críticos radicais como nós, ou os seus torpes e péssimos servidores?
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(*) «Ecologia dos Recursos da Terra», Manuel Gomes Guerreiro, Ed. Comissão Nacional do Ambiente, Col. «O Ambiente e o Homem»

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