quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

ECO-MILITANTE 1974

1-7- ecorealismo-14> - diário em eu de um idiota – breviários do ecologista – inédito ac de 1984 – diário de um militante enraivecido – 7 páginas – entrevista-testamento-> revisão da matéria
sábado, 13 de Julho de 2002

BALANÇO PESSOAL EM 1984

MAGIA DO NOVO

Janeiro/1984 - Inovar começa a ser uma palavra mágica, como já o foram as palavras "qualidade", "ambiente", "ecologia", "poluição."
O surto das universidades "novas" trouxe essa magia e não falta quem continue a reivindicar uma "nova" política.
Ao nível dos actos falhados que a linguagem denuncia, a magia da palavra "novo" é responsável por uma mitologia com aspectos talvez temíveis quanto mais inocentes na aparência.
"Novidade" é obsessão do jornalista, cuja profissão consiste em rejeitar o que não for "novo".
"Novo" é também condição sine que non do produto que aparece no mercado para desbancar um produto anterior.
"Novo" é necessariamente o pilar da publicidade e os "novos" ou jovens são demagogicamente lisonjeados, idolatrados, controlados, drogados por essa publicidade.
A febre do "novo" assalta-nos em casa, todos os dias os meninos trazem da Escola uma "nova" invenção para gastar dinheiro e accionar o mercado.
Ao lixo o "velho", é o grito de guerra, explícito ou implícito, que ressoa por tudo quanto é sítio.
Os montes de lixo sobem em altura num sistema que idolatra o "novo", o moderno, o feito agora porque o feito ontem já não presta.
Os montes de lixo são inseparáveis desta febre ou moral do "novo", do moderno. Enfim, desta moral do progresso.
Todos os dias há dezenas de produtos químicos "novos", de "novos" medicamentos.
Universidades "novas" esfalfam-se e descobrir novos inventos, "novas" tecnologias e a OCDE promove simpósios de "inovação" tecnológica nos países menos industrializados.
Em 1931 havia 6 grupos de doenças profissionais, hoje há 70. É o progresso, o império do "novo".
"Novos" prédios, andares, imóveis, arranha-céus, mamarrachos "novos" vão arrasando velhos prédios e casas e património.
De que inconsciente colectivo emana esta irresistível mitologia?
A putrescibilidade ou caducidade dos produtos e objectos é o grande motor do capitalismo, como não se cansou de provar em toda a sua obra o escritor Vance Packard.
Por isso se promove hoje, sempre, em cada dia, uma coisa nova que derrota a (já velha)de ontem.
Mas na linguagem e na militância que se diz anti-capitalista, a mitologia do novo impera igualmente: uma "nova" política, um "novo" governo, uma "nova" cultura, uma "nova" economia, uma "nova" educação, etc - dizem os reivindicativos e agitados slogans.
Indissoluvelmente ligado à luta de morte entre classe dirigente e classes exploradas, o "novo" impregna por igual o discurso dos poderosos mas também o discurso dos humilhados e ofendidos (ou dos que tomam por eles a palavra).
Insatisfeito, Darwin determinou que só o mais forte devia ganhar, eliminando o mais fraco. A mitologia do "novo" encontrava o seu esteio científico, jogando o fraco, sinónimo de velho, no caixote da sociedade.

APROFUNDAR A DEMOCRACIA

20/3/1984 - Aprofundar a Democracia é democratizar as tecnologias libertadoras ou tecnologias apropriadas que desalienam a pessoa humana das engrenagens institucionais, restituindo-lhe as energias que lhe cabem por direito fundamental.
Bastava que o movimento ecologista desenvolvesse até às últimas consequências esta premissa - Democratizar as T.A.'s - para que se tornasse na formação política mais revolucionária da sociedade portuguesa.
"Revolucionária" no sentido pacífico, não-violento, radical-reformista e reformador. "Revolucionário" no sentido cultural.
O movimento ecologista não pode jogar nos terrenos já minados e ocupados: deve colocar-se no terreno próprio e que permanece virgem porque não houve até agora gente, nas suas fileiras, com qualidade e timbre para o ocupar.
Nem que tenha de correr o risco de lhe chamarem um "clube de intelectuais" uma "elite de técnicos"... Em Portugal, vive-se muito de rótulos e há quem tenha muito medo dos rótulos que os outros lhe põem.
Mas é que se trata mesmo de formar uma elite, sem a qual não há revolução. Com as personalidades que já tem no seu âmbito, o movimento ecologista deve aspirar a ser uma elite no sentido mais democrático e menos aristocrático desta palavra: " uma vanguarda ao serviço do povo..".
Resistir à vaga de nomenclatura estereotipada, às cassetes, às discussões aberrantes, às polémicas que as máquinas entre si decidem alimentar para sustento das cúpulas e miséria das bases, será outra grande premissa da acção ecologista, que a sua vanguarda de pensamento poderia ocupar.
Essa vanguarda deveria começar por autocrítica à sua própria linguagem, ainda próxima de estereótipos que fazem da informação propaganda, da educação manipulação de almas, das ideias ideologia, da inteligência a barbárie informática.
Democratizar as T.A.'s , eis um programa para muitos anos: dentro ou fora da Escola, é das T.A’.s que se trata.
Mas uma rápida vista de olhos sobre as questões que agitam o chamado meio escolar, desde o Ministério da Educação aos sindicatos que com ele alimentam um taco-a-taco que oblitera totalmente o essencial e o substitui pelo acessório das reivindicações arruaceiras, logo nos elucida para onde as coisas vão.
Bem nos deve importar a nós, se é o povo português que está em causa, essas polémicas domésticas e de comadres zangadas.
Chega de reivindicacionismo, que sistematicamente esquece o essencial do sistema: e o essencial do sistema escolar vigente é que ele fabrica homens alienados ao sistema. O sistema reproduz e multiplica exactamente o que lhe convém.
Se se trata de aprofundar a Democracia, trata-se então de generalizar e democratizar as tecnologias democráticas e democratizantes - nem La Palice diria de outra maneira.

DENTRO DO M.A.D

É significativo que nenhum grupo de trabalho dentro do M.A.D. se tenha até agora desenhado nesse sentido libertador e democrático das Tecnologias Apropriadas.
Vão mais na onda grupos de paz ou de juventude, só faltando e já agora, por homenagem aos velhos que como eu ainda andam vegetando neste vale de lágrimas, que se faça também um grupo de trabalho da Terceira Idade - o grupo TI-TI , a que eu quero evidentemente pertencer e já que não vejo sítio para mim noutras áreas.
Já que não tenho grupo de trabalho a quem enviar esta mensagem, endereço-a directamente à Comissão Coordenadora Nacional - juntando-lhe alguns dos esquemas de estudo e despistagem bibliográfica que desde já podem abrir portas a este direito fundamental do homem, que não figura em nenhuma das cartas a ele(s) consagradas.
O direito de aprender as tecnologias apropriadas que nos libertem das instituições.
Bastava que o movimento ecologista inventariasse e hierarquizasse por ordem de importância essas tecnologias, para ter um papel importante na Reeducação democrática da sociedade portuguesa.
Na "Frente Ecológica", em estreita colaboração com o centro de Cuernavaca, de Valentina Borreman's e Ivan Illich, temos iniciado esse inventário que, pela sua complexidade, terá de fazer-se um trabalho de equipa.

TUDO COMEÇA NO AUTO-DESPREZO

21/3/1984 - Tudo começa no auto-desprezo que a Pessoa Humana é levada a votar a si própria.
Os parâmetros de vileza tecnicista exercem uma atracção indelével sobre os alegados ecologistas portugueses e nem só.
A nossa nacional-pasmaceira abre campo propício a que a Internacional Tecnoburocrata tenha aqui os seus melhores e mais fiéis clientes, nomeadamente entre alegados ecologistas.
O auto-desprezo por si próprio, o ódio ao corpo e à Saúde do corpo, um masoquismo ancestral que as modernas tecnologias refinam, enfim, aquela dominação que o sistema exerce sobre o consumidor, tornando-o escravo exactamente daquilo que o destrói - eis o que mais difícil se torna combater, e mesmo denunciar.
É um enredo, uma armadilha, um vicio estrutural que leva o viciado a auto-destruir-se, com o gáudio discreto dos polícias de giro.
Convencer o consumidor de que o seu maior gozo está em se destruir, eis a sublime subtileza da Internacíonal Tecnicista a que não escaparam alegados eoologistas, sorvidos por sucção...
O masoquismo como perversão fundamental não data de agora nem é específico da sociedade industrial .
Ele remonta rigorosamente aos sistemas "morais" de raiz hedonista, quer dizer, todos os que explicita ou implicitamente rejeitaram a tradição primordial viva, ainda hoje representada pela tradição budista dos Nyingma Pa.
O masoquismo derivou em linha recta do hedonismo ou é apenas o seu outro nome.

PROCESSOS DE AUTO-PERVERSÃO

O vezo publicitário e a sociedade de consumo conseguiram inovar neste campo, inovando apenas os processos de auto-perversão, através das técnicas subliminares descobertas e ensinadas por Pavlov.
Tudo, nos “mass media" da nossa actualidade, está subliminarmente orientado para que as pessoas se desprezem a si mesmas, ainda que o alibi aparente, para esse fim último e profundo, seja a lisonja dos próprios egos.
As técnicas ideológicas de destruição que se instilam nos subconscientes são tanto mais eficazes quanto se cobrirem aparentemente de intenções contrárias.
Ou seja: na Cosmética, lisonjeia-se o físico mas desdenha-se a saúde; nos alimentos, é o que sabe bem mas faz mal; nos objectos é o que tem aparência mais bonita e não o que serve melhor; etc
Esta influência alienadora da Internacional Tecnohedonista e dos Neo-Hedonismos seus aliados, é particularmente sensível nas crianças, que tudo fazem para preferir o que as prejudica, lesiona, lhes compromete a saúde, sob as promessas de lhes dar "mais vida".
Esta a perversão fundamental, o sedo-masoquismo, que vem desde os hedonismos mas que, em pleno século XX, toma formas quase intransponíveis.
É evidente que sobre este pilar baseia o sistema o seu poder manipulatório e de exploração do homem pelo homem.
Pergunto-me, no entanto, onde estão, cá dentro e lá fora, os ecologistas preocupados em agarrar na raiz da árvore podre, distraídos que andam a puxar por uns raminhos secos da periferia.
Metodologicamente, é do que se trata: ir ao essencial, em vez de andar aqui a caçar gambuzinos que, aliás, é o que o sistema quer - embora sob a aparência das grandes causas ou dos Dias Mundiais das coisas bonitas. Por mim cago nesses dias mundiais todos - esperando que alguém me acompanhe nesta medida higiénica e nesta solidão de propósitos, sem medo da linguagem e mais preocupado com o inimigo comum do que no companheiro e aliado que eventualmente usa uma linguagem ou temperamento diferentes.
Tão pouco se trata agora de fazer um "balanço" e ajuizar da contabilidade moral destas coisas, de saber se, para tanta gralha, valeu a pena este esforço semanal de falar claro e obrar direito.
Como mostram os exemplos "históricos" , desde Cristo a Gandhi, lutar pela libertação humana em geral e através da Ecologia em particular, nunca deu fortuna, sucesso ou amigos. E ninguém , especialmente se não é Cristo nem Gandhi (salvo seja ) vai esperar recompensa ou resultados dessa luta.
Ainda não está cientìficamente demonstrado que o Homem nasceu para a Liberdade ou se está fadado (com dois aa) para a eterna Servidão.
Pensar e lutar pelas ideias é, digamos, um acto lúdico ou gratuito, um amor não correspondido, um fazer por fazer, sem esperar daí qualquer paga. Às vezes nem sequer a atenção de um pontapé no traseiro.

Outra típica característica deste desconjuntado movimento ecologista português é a santa ignorância dos factos e das ideias a que os jovens recém-chegados, ou os velhos já ressequidos, se votam, como se, também aí, ficar puro e virgem de conhecimentos, informações, continuasse a ser o auge da virtude anarco-puritana, antecâmara da Santidade.
Indigna-me sobremaneira que, por um lado, Fulano e Sicrano tenham sobre o A.C. opinião definitiva, quando nunca lhe leram uma linha dos milhares que escreveu e publicou; que, por outro lado, lhe atribuam informações ou ideias que nunca defendeu, pensou, escreveu ou publicou; que, ainda, o tenham amarrado a afirmações circunstanciais de anos passados, como se depois disso aquele senhor não tivesse evoluído ou dado às suas ideias um apuramento que nada tem a ver com a fórmula cristalizada numa determinada data e conjuntura.
Não obrigo ninguém ao santo sacrifício de me lerem de fio a pavio. De facto, não estou muito necessitado de público, publicidade, fama ou celebridade. Tenho, disso tudo, que me baste. Mas se alguém se empenha em me por nomes ou rótulos, o menos que tem a fazer é informar-se do que é o ecologismo em geral e o realismo ecológico em particular.
Que a mediocridade os cega, é um facto. Mas para isso - a dor de cotovelo - há um bicarbonato especial na Farmácia. Tomem-no e larguem-me.
Não querer arrostar com a provável hostilidade que a revolta ecologista necessariamente suscita - não só nas hostes inimigas mas até entre aqueles que arremedam ou imitam, com eco-equívocos, um radicalismo coerente e permanente - não querer atrair o odioso nem fazer o papel de franco-atirador num meio onde todos se acabam por vender às sereias do mercado, mesmo e até do mercado alternativo ou biológico - tem sido a característica constante de grupos e organizações.
Estes grupos têm-se mostrado mais dispostos a atacar os que, dentro do movimento, sacrificam energia, trabalho, anos de vida, dias do mês e horas do dia, do que a tocar, mesmo com uma flor, nos óbvios inimigos principais.
E temos assim que, a esses camaradas, lhes parece muito mais grave, sempre, uma palavra dura ou violenta do A.C., do que as dezenas de delitos contra a saúde pública que ele tem denunciado e que continuam como pão nosso envenenado de cada dia.
Se se trata de mais um sapo vivo que terei de gramar até às calendas declaro que me recuso a engolir mais sapos vivos desses. Bem basta os que nos são metidos a todos pela boca abaixo, sem que possamos dizer não.

RADICAL, EXTREMISTA, INDECOROSO, INTRATÁVEL

21/3/1984 - Aqueles que consideram o A.C. radical, extremista, indecoroso, intratável e outras coisas, deviam perceber, afinal, o jeito que lhes tem feito haver sempre à mão de semear um "bode expiatório" de todas as mazelas, doenças, falências, ignorâncias, misérias e mediocridades dos alegados ecologistas.
Se o movimento não anda e tem sido um sucessivo rosário de fracassos, lá está sempre o A.C., com fama de irritável para justificar tudo.
Afinal, para que tenham fama de bons, alguém há-de arcar com a crónica fama de "mau da fita".
É ou não é muito bom e cómodo ter sempre à mão quem afinal é culpado de todas as nossas doenças, inocuidades, fraquezas, complexos?

NACIONAL-PASMACEIRA

Outro típico vezo da nacional-pasmaceira, e que necessariamente se transmite por contágio aos hábitos ecologistas, é o bate ou perante o produto estrangeiro - autor, livro, corrente, escola, etc. - e o desprezo pelo produto português, ainda que este seja muitas vezes melhor em termos absolutos ou, pelo menos, em termos relativos, mais digno de atenção e estima.
A nossa veneração pelo que vem lá de fora - o tal provincianismo diagnosticado por Fernando Pessoa - parece pecha incurável mas contamina em grande parte as relações, no âmbito dos Ecologistas.
Rendemo-nos a qualquer herói de fora mas recusamo-nos a reconhecer o génio ou simplesmente o mérito se ele estiver cá dentro das fronteiras.
A começar no discurso, tudo fica viciado com ele e por ele.
As prioridades temáticas que se elegem, num seminário, num grupo, num programa, numa estratégia associativa, já definem a ideologia de que se encontram impregnados os protagonistas da acção.
Deixar-se ir pelos considerados temas "candentes" do momento - aborto, desemprego, habitação, custo de vida, etc - , deixar-se enredar no ineditismo das propostas ou até das polémicas, é cair num dos pecados mortais que têm contaminado até ao âmago a alma da revolução cultural portuguesa.
Que não é revolução nem cultural, evidentemente, enquanto não for uma revolução ao nível do discurso.
A recusa ou desconfiança dos lugares-comuns habituais é um exercício salutar, mas não chega. Há que ir mais longe.
A violência da linguagem usada na "Frente Ecológica", sempre que as circunstâncias o permitiram, nunca foi entendida como necessidade objectiva essencial de alterar as estruturas viciadas do discurso.
Os camaradas preferiram ver nessa violência da linguagem um feitio bilioso do autora é muito mais cómodo fazer-se transitar para um defeito idiossincrásico de Fulano ou Beltrano o que incomoda o nosso comodismo; e acima de tudo o sistema fica muito mais satisfeito que seja o mau feitio do senhor A. C.o mau da fita e o Inimigo Principal.
Perceberam ou querem mais linha?
Acima de tudo é cómodo (e óptimo para o sistema) seguir o discurso viciado, estereotipado, envenenado, instituído e perverso que não nos tirará nunca do atoleiro mas nos vai garantindo a paz da canga. Mas nem esse nem outro comodismo nos conduzirá a qualquer via da revolução, mesmo e só cultural, ou principalmente cultural.
Na "Frente Ecológica", preferiu-se a incomodidade de ir contra o discurso imposto através de um discurso livre, a que se chamou «o mau feitio do A. C.».

MASOQUISMO PORTUGUÊS

14/9/1984 - Doença endémica que se agrava dia a dia, agravando a crise económica e as outras crises que dela dependem, o masoquismo português surge hoje como o verdadeiro cancro nacional.
Motivos de optimismo e esperança para os portugueses não há muitos. Mas se os houvesse, seriam raivosamente destruídos, com ajuda e cumplicidade de todos os bem-pensantes, intelectuais, jornalistas, economistas e outros istas que apostaram meter-nos definitivamente no Beco Totalitário através de uma generalizada, cancerosa e pseudo anarquia.
O derrotismo e o catastrofismo preparam o clima da "tentação totalitária”. Quando o realismo ecológico tem sido acusado de pessimismo, derrotismo e catastrofismo, é altura de pôr os pontos nos iis.
Talvez ainda não tenhamos percebido em que medida as notícias negras são desestabilizadoras, em que medida certa Oposição força constantemente a nota niilista para introduzir a cunha e a política da terra queimada.
Mas agora que tudo aparece claro e em que respeitáveis institutos pretensamente científicos dão o aval estatístico a esse Masoquismo pré-totalitário, vale a pena (valerá?) duas coisas, ainda que saibamos estar a ladrar no deserto:
a) Denunciar uma situação em que estamos, também masoquistamente, a ser cúmplices;
b) Reconhecer que a velha má língua dos portugueses contra Portugal prepara o total esvaziamento da nossa identidade, para que nesse vácuo moral se instale qualquer ordem totalitária, de esquerda ou de direita.
Damos um exemplo só para mostrar até que ponto os milhares de contos anunciados no orçamento de tantas actividades em prol da Qualidade de Vida, vão cair, mais uma vez, em saco roto, por causa do escape roto.
Alguma coisa, mais do que o Ambiente, continua podre neste Reino, onde o empório internacional dos pesticidas, por exemplo, continua a ter poder sobre leis, técnicos, serviços, e até governos, quanto mais sobre jornalistas que queiram por os pontos nos iis e o preto no branco.
Ainda de madrugada, as ondas da radiodifusão com maior amplitude do País, levara aos campos e aos agricultores a mensagem das virtudes químicas que se contém em determinados produtos milagreiros.
Matar ratos e baratas aprende-se em Portugal. antes do pequeno almoço e quem sabe se ao pequeno almoço.
Será por isso que todo o País fica transido de susto, supondo-se rato e barata, ninguém ousando contestar as virtudes beatíficas do raticida, do baraticida, do herbicida, do pesticida?
Será por isso que o inimigo principal é a Erva Daninha?
Será por isso que o resto do dia andamos tontos da dose matinal?
No entanto e no entretanto, a droga, a outra droga, ( proibida, secreta, traficada) preocupa muito as autoridades que velam, que zelam pela ordem pública, pela saúde do povo, pela qualidade de vida das populações.
Mas quem vai preso são os Jovens. Sempre os jovens pagam as favas que os adultos vomitam. Ainda não ouvi que estivessem a responder em tribunal, por uso e abuso, produção e tráfico de droga os produtores de drogas cancerígenas , por exemplo.
O maior julgamento em Aveiro, segundo os jornais do passado dia 1 de Fevereiro, levou a tribunal 25 Jovens (25!) por consumo e tráfico de drogas. Nem um de meia idade para quebrar a homogeneidade etária.
Entretanto, a dança da droga continua. Técnicos ameaçados com processos disciplinares se disserem a verdade aos jornais sobre os perigos das drogas autorizadas e de venda livre , assinalam uma nova moda da contra-informação em Portugal, os silêncios que falam, os silêncios de morte, os silêncios que matam.
Só, entretanto, as baboseiras políticas têm carta de passagem. O que ofende os nossos direitos fundamentais à tal qualidade de vida, é letra morta.
Se o jornalista põe a público o que sabe sobre a acção tóxica ou cancerígena deste ou daquele produto, logo o ameaçam também.
Quando é que as autoridades põem de acordo a prática comezinha do dia a dia com a letra empolada dos retóricos discursos que proferem?
Depois de uma conferência de Imprensa atroando os ares com a Qualidade de Vida, vai-se saber pormenores de um diploma , relativo a política alimentar mas casualmente dependente de outro Ministério e é só tampas.
A pior poluição parece não ser, assim, a do ar, da água ou dos solos mas esta da burocracia, da mesquinhez nacional, das ordens absurdas e da alergia ao direito de informar e ser informado que ainda impera em serviços e departamentos em choque flagrante com o que outros dizem, proclama e prometem.
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1-3 - ecorealismo-7-ie> = ideia ecológica do afonso - os dossiês do silêncio – contra a ciência ordinária – mein kampf inédito de 197? (só posso dizer que deve ser contemporâneo da conferência de Helsínquia e, portanto, do jornal «FE», onde deve vir a data certa) – entrevista-testamento-> revisão da matéria
sábado, 13 de Julho de 2002

A HECATOMBE ECOLÓGICA E A NEUTRALIDADE DA CIÊNCIA

197? - Quando um mito se enraíza no subconsciente colectivo e se torna um dado "intuitivo", porque será que isso acontece?
Quando a "neutralidade da ciência" se tornou um mito tão instintivado e tão acima de toda a suspeita e de todas as críticas, que forças poderosas polarizará ele para ter assim tanta força a sua inércia de mentira?
A neutralidade da ciência serve, com efeito, para deixar dormir descansados os que fizeram da ciência a arma de todas as armas.
A "neutralidade" da ciência serve para manter neutralizada a questão que, na história pornográfica da cultura europeia, foi sempre a questão tabu: o problema da alienação.
Marx levantou a questão na sua juventude, mas foi abafado.
Ora o problema teórico central da ciência, da técnica e da indústria e das outras actividades directamente "alienadas" à ciência, é o problema da alienação.

Saber que não há só uma ciência mas várias ; Saber qual a ciência que aliena e a que liberta; Saber a tecnologia que, portanto, aliena e a que liberta: eis o busílis.
Para saber que sociedade e que progresso queremos, temos de saber que ciência , que
tecnologia e que indústria preconizamos.
Eis também onde está o busílis da Ecologia, que de ciência inofensiva, académica, tolerável nas escolas e universidades, divertida, "neutral", se poderá eventualmente transformar no diabo em figura de gente, na ciência mais subversiva de todos os tempos.
Basta que se introduza no majestoso edifício da ciência ecológica escolar o conceito histórico de alienação e de luta da classes.
Porque, de duas uma: ou (alínea a) a ciência ordinária tal como está (e a temos proliferante por estes hospitais de doidos chamados universidades) empalma a Ecologia, tira-lhe o veneno, liofiliza-a, neutraliza-a, torna-a boa criada para todo o serviço ao serviço de todo o imperialismo cultural e ideológico, de todo o reformismo, de todo o revisionismo; ou (alínea b) é a Ecologia - enquanto ciência subversiva de todas as outras e da própria ideologia cientifista - que as põe em causa, com as tripas à mostra, e aos cientistas seus donos em tribunal. Ou é a ciência que empalma a Ecologia, ou é a Ecologia que lidera a ciência.

Nesta guerra "santa" para ver quem empalma a Ecologia - antes que a Ecologia os ponha a todos em cuecas - utilizam-se armas ideológicas poderosas, tantas e tanto mais poderosas quanto mais mitológicas forem, quanto mais enraizadas no subconsciente colectivo (essa latrina comum), no instinto adquirido, no consenso geral ou na chamada "opinião pública" estiverem.
A alegada neutralidade de ciência é uma dessas armas, seguida de estratégias que têm por objectivo principal abafar as críticas radicais à ciência com algumas críticas de superfície e pormenor. Mais uma vez o reformismo vem prorrogar o que o radicalismo da revolução ameaça exterminar.
Não é a altura de apontar agora outras armas ideológicas usadas nesta guerra total - de que a frente ecológica ocupa a vanguarda - mas, de passagem, ainda cito: o mito da explosão demográfica e respectivo neomaltusianismo, que tão bons serviços continua prestando aos imperialismo contra o Terceiro Mundo; o mito do crescimento (tecnológico, industrial económico) infinito, sobre o qual se baseia não só a exploração do homem pelo homem mas a manipulação do homem pelo homem; ou ainda os mitos da antipoluição, da conservação das espécies, da protecção à Natureza, da prevenção e segurança no trabalho, etc; mito e arma é igualmente dizer-se que o Terceiro Mundo quer indústrias pesadas e prefere a poluição à qualidade de vida (assim se empurra para os quintais e latrinas do imperialismo, a merda que o imperialismo não quer na casa dele).

DAVID E GOLIAS

É perante estas forças armadas (armadas de mitos...) que se vê o projecto ecológico de uma aldeia comunitária e a respectiva construção de alternativas. Quer dizer: a construção do futuro.
A desproporção é tão evidente que chega a ser comovente. Como pode o David safar-se de ser comido pelo Golias?
Mas, curiosamente, persistentemente, minoritariamente, utopicamente, é isso o que o projecto ecológico da construção de alternativas hoje faz: enfrentar o Golias da Mentira Sofística e Tecnocrática.
Não porque tencione ganhar a guerra, dizimar o inimigo (credo, coitado do Inimigo), desbaratar as “forças armadas" do mito e do sofisma mas porque, unica e simplesmente, não pode fazer mais nada.
Ninguém pode fazer mais nada: ou ir acorrentado às bestas do Apocalipse que tomaram o freio nos dentes, aos marechais da indústria pesada, à carreta do lixo da sociedade industrial; ou (alternativa) muito caladinho, muito sozinho, muito na retranca e na resistência passiva, inserir-se na contracorrente sem marrar no absurdo, sem esmigalhar o crânio contra o Establishment.
No fundo, não sei quem é mais oportunista: se os latifundiários da indústria pesada e hiperpoluente , que estão no barco e com ele irão ao fundo; se os lumpen-proletários da Ecologia radical que, apercebendo-se do naufrágio, da hecatombe, da viragem (e que viragem!) nos ventos da História, se estão preparando para o que der e vier, se estão imunizando, se estão camuflando.
Toda a gente percebe, até os universitários : ou se joga no jogo perdido dos tecno-burocratas; ou se aposta no lado da sobrevivência que, apesar de problemática, é a única a oferecer uma chance.
Como a Tecnoburocracia, porém, na sua estratégia eichmanniana de"solução final" (extermínio de todos os militantes radicais) cria muitos postos de trabalho, que mais não seja a matar neles, a enterrá-los na vala comum, a abrir covas e a construir caixões para os rebeldes com categoria universitária, a verdade é que ninguém quer perder o emprego na agencia funerária chamada "sociedade industrial" ou "sociedade de consumo" - na sucursal do Inferno chamada imperialismo agonizante .
Eles sabem que estão a beber os últimos uísques. Mas bebem-nos. E porque não?

O DE MAUS FÍGADOS

Também eu, lumpen-proletário da ecologia radical, se não fosse este fígado sensível (este "mau fígado dizem-me os foliões e beberrões), até eu bebia , como eles, até cair. Até ficar com esse ar de estupidez inteligente que têm todos os grandes líderes do nosso tempo, mormente se candidatos a uma belíssima cirrose.
Se eles se armam de mitos e sofismas não é para exercício da sua fantasia poético-literária, é porque precisam tanto desses mitos como de uísque para a sua querida cirrose.
Não é tão pouco por acreditarem nesses mitos e sofismas. Não são tão, tão estúpidos, os tecnocratas e os sofistas, que não vejam a estupidez dos mitos que vendem.
Mas é porque vivem exactamente de os vender. Não podem abdicar do mito, porque não podem abdicar do automóvel, da casa de praia, da viagem ao estrangeiro, da máquina de lavar pratos, do pick-up estereo, da confortável conta bancária.
No fundo quem serão os niilistas ? Ser ecologicamente realista , hoje, ainda não dá muito dinheiro.

A CONFERÊNCIA DE HELSÍNQUIA

Quando falam de Ciência, eles falam da Ciência. Por antonomásia. Não há mais nenhuma no universo. Nunca houve. O resto é paisagem.
Acontece, porém, que há outras ciências capazes de meter num chinelo esta que por aqui nos metem pela boca abaixo.
Se o Planeta Terra chegou aos apuros de autodestruição em que se encontra, à imaculada
e sacrossanta ciência ordinária o devemos.
Embora haja que reconhecer-lhe a imensa capacidade de manobra e a rapidez de reflexos que os ratos (de laboratório) mostram para abandonar a tempo o barco que eles andaram a esburacar todo este tempo, a verdade é que o militante e o pobre cidadão que não foi nem será jamais cientista, se sente agora (na emergência anti-nuclear) na contingência de se aliar a ratos e ratazanas, porque também está metido o no barco que eles esburacaram.
Eis o bando, o gang, a mafia. Eis os adeptos da Conferência de Helsínquia. Eis o sagrado princípio da neutralidade religiosa (sic) da ciência e da técnica. Eis a grande burla embalada em celofane . Eis a contra-ofensiva dos funcionários zelosos do Establishment que não querem agora ver-se envolvidos no processo de falência desse mesmo Establishment com a ciência à cabeça.
Agora que o pesadelo chamado ciência ocidental está a chegar ao fim, agora que o dualismo se estorce "nas vascas da agonia", agora que a violência de um sistema baseado na violência da ordem da Natureza e do Universo estremece de alto abaixo pagando as culpas acumuladas ao longo de alguns séculos, agora que o nuclear é apenas o símbolo e o paroxismo dessa violência sistematicamente exercida sobre o Ecossistema Terra, eis os zelosos funcionários do sistema em estratégia rápida de reconversão para que o tribunal da Natureza os absolva. Ei-los a limpar as mãos. Ei-los a dizer que foram sempre pela Natureza e que estiveram sempre do lado da Natureza.
Tratando-se de uma lei física termodinâmica, o Prof. Delgado Domingos dirá se é possível alterar as leis da ordem do universo. Quem fez terá de pagar: ou não?
Será possível limpar séculos de sangue com um risco de esferográfica?
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1-3- ecorealismo-12> publicado ac 1983 – 5 estrelas – subsídios para a história da ideia ecológica – entre-partidos – lista de itens de ecologia humana
sábado, 13 de Julho de 2002

REALISMO E UTOPIA NO DEBATE DOS ECOLOGISTAS EM PORTUGAL(*)

(*) Publicado no semanário «Gazeta das Caldas», 9/6/1983

9/6/1983 - O colóquio sobre "Ecologia em Portugal" que José Luís de Almeida e Silva orientou em Leiria, no âmbito da III Semana do Filme Ecológico que o Teatro da Columbina leva a efeito nesta cidade, teve o mérito de projectar o debate numa onda pouco habitual neste país.
É caso para nos congratularmos quando, como aconteceu, a conversa é, ao menos, colocada em pressupostos correctos, independentemente dos desvios que depois irá sofrer no aceso da contenda.
Discutir ecologia sem cair nos lugares-comuns, estereotipos e cassetes da anti-poluição, defesa escutista da vida selvagem, política de saneamento básico, em suma, os eco-equívocos e eco-palermices em que o nosso meio de confusões tem sido fértil, é um progresso importante. Devemos assinalar, com regozijo, o facto, quando alguém anima um debate propondo a análise ecológica do sistema industrial vigente e as consequências advindas deste sistema para a alienação humana.

I

É de questões fundamentais como esta que se ocupa o ecologismo e não das frivolidades que tantas vezes os ignorantes lhe atribuem. Só queria assinalar neste artigo os pontos em que o discurso de José Luís de Almeida e Silva (na linha , aliás, de algumas correntes de grande preponderância europeia) se demarca de um realismo ecológico que, desde há 10 anos, nos temos esforçado por pensar e definir, na "Frente Ecológica" (jornal, edições, etc) com a rara e preciosa ajuda de dois irmãos em S. Francisco: Ivan Illich e Michel Bosquet/André Gorz.
Gostaria , pois, que este artigo fosse não só um contributo de boa fé à "elevação" do diálogo sobre Ecologia entre nós, mas também uma homenagem ao José Luís de Almeida e Silva que, na sua tribuna da "Gazeta das Caldas", tem ajudado a elevar esse diálogo e aos que, embora numa linha de eco-utopia que já foi a minha e hoje não é, me ajudaram por contradição dialéctica, a passar de uma concepção moral , literária e romântica da ecologia para uma concepção realista. E não garanto que tenha havido progresso...

II

A análise ecológica não promete paraísos e amanhãs que cantam aos trabalhadores, como faz a demagogia sindical dos políticos e a demagogia política dos sindicatos.
Recusando a utopia de esquerda (anarco-comunista?) tanto como a utopia de direita (a uniforme paz dos cemitérios), o realismo ecológico da análise energética apenas pretende mostrar factos e os factos são, num sistema que vive de auto-multiplicar as suas próprias contradições para infinitamente se perpetuar, desmascarar estas contradições junto da opinião pública até que um dia todos percebam que, para solucionar os graves e grandes problemas que afligem a humanidade, basta fazer uma hora de greve geral universal planetária ao absurdo, à irracionalidade e à mentira mortal do sistema vigente. Até que um dia todos percebam o que hoje apenas alguns (ecologistas chamados) denunciam.

III

Inflação, desemprego, proletarização - são fenómenos que decorrem em linha recta do sistema instalado de produtivismo gratuito, que gira sobre si próprio num acto colossal e aberrante de masturbação planetária. Mas esses sintomas são não só efeitos da engrenagem tecno-burocrática do crescimento exponencial mas - e esta é a descoberta do realismo ecológico - condição sine qua non para que o sistema mantenha as engrenagens fabris em acção.
Todos os partidos em cena continuam, portanto, a sua piedosa obra de gerir o sistema, corpo gangrenoso dentro da sociedade. O realismo ecológico decorre da alienação como facto fundamental. Facto historicamente datado, a alienação ou proletarização é consequência do desenraizamento provocado pela chamada "revolução industrial" (que foi o princípio da grande Reacção), pelo assassinato que o sistema fez, e continua fazendo, dos ecossistemas rurais e valores de convivialidade/liberdade a eles ligados. A massificação está na massa do sangue da revolução industrial , da proletarização por ela sub-produzida e pelo desequilíbrio cidade/campo que origina todos os outros desequilíbrios.

IV

Poluição, desemprego, proletariado e lumpen-proletariado, inflação, angústia, solidão, criminalidade, suicídio, neurose, macrocefalia, bairros da lata, arranha-céus do Dallas-Abecasis, deserto de cimento armado, violência latente nas relações, divórcio, traumatização da juventude, droga, - tudo isto são sintomas mas - e isso é que é trágico - são condições necessárias e sine qua non para que o diabólico sistema da engrenagem industrial continue laborando e...garantindo postos de trabalho.
Trabalhamos todos para a nossa Morte, é o que é, e ninguém melhor para gerir esta patuleia do que os partidos, à esquerda e à direita de Deus Padre Todo Poderoso.

V

A análise ecológica da engrenagem visa para lá dessa contingência crítica - crise é a palavra mais frequente nos ideólogos do desenvolvimento, já que foram eles que a fabricaram - mas sem ignorar a génese histórica deste "complô" em que doença, cancro, poluição, inflação, desemprego, congestionamento, ruído, loucura, desprezo pela pessoa humana, solidão, ódio e até luta de classes não são erros corrigíveis pela técnica (sic) num futuro mais ou menos próximo mas factores intrínsecos ao próprio sistema que tem, na exploração do homem pelo homem apenas o antecedente histórico da manipulação do homem pelo homem, aquilo a que aqui, no realismo ecológico, tenho chamado "o homem cobaia do homem", tema específico da análise ecologista, já que mais ninguém lhe pega nem sequer percebe.
De facto este é um dos pressupostos específicos do realismo ecológico, que o demarcam de outras correntes do ecologismo mais viradas para o discurso moral e morigerador, para a exaltação do desejo e da subjectividade, para a utopia fourierista que assumia a utopia como palavra de ordem e até como programa político.
Que a utopia se viva como discurso literário, até como exaltante movimento estudantil-juvenil (Maio 68), talvez não venha mal ao mundo. Que imperceptivelmente se substitua a ou identifique com um discurso político, é que me parece um reforço da confusão que interessa aos partidos gestores da crise (são todos) alimentar.

VI

Recentemente este discurso idealista assumiu em Portugal a forma requintada do moralismo oportunista, a coberto de um poderoso aparelho totalitário. Belicistas defendendo a paz, violentos a proclamar não-violência, desenvolvimentistas a preconizar eco-desenvolvimento, adeptos da indústria hiper-poluente a fingir que querem um mundo solar, nuclearistas mascarados de geradores eólicos, aí está a farsa em cena.
O discurso moralista é, por definição, hipócrita. Mas a verdade é que a utopia à maneira de Maio 68 oferece o flanco não só a esses oportunismos de burocratas armados em defensores da natureza como se desarma ideologicamente frente aos exércitos de deserdados que cada vez gritam mais alto por justiça e pelo fim da opressão chamada proletariado.

VII

A luta de classes há muito que se engloba numa luta mais vasta de vida ou de morte entre gerações (as de hoje contra as de amanhã), a luta que os grandes blocos do holocausto nuclear neste momento movem ao Planeta e à Humanidade.
Esta engrenagem não é fundamentalmente criticável só porque e quando atafulha as pessoas e a sua alegria de viver com toda uma quinquilharia de consumos e subprodutos da engrenagem consumista - ponto onde José Luís polarizou a sua análise - esta engrenagem é criticável, na perspectiva do realismo ecológico, porque dizendo que desenvolve está, logo ao lado, criando sub-desenvolvimento, agravando injustiças sociais, fomentando o desemprego e a falta de habitação, enfim, auto-reproduzindo-se até ao infinito.
Na perspectiva do meu realismo, o que está em causa é a engrenagem que causa essa sintomatologia de alienante escravidão, a ideologia do desenraizamento, a grande conspiração contra a Terra e os homens da Terra. Não é porque abarrota de consumos uma classe (privilegiada) ou um país que esta engrenagem é desumana e criminosa: é porque tudo isso é feito fabricando, logo ao lado, miséria e morte e destruição. Desenvolver tem sido, afinal, destruir.

VIII

Do eco que esta tendência ecologista a que chamo realismo da frente tem tido entre os compatriotas e outros amigos da terra, escusado será dizer que não vale a pena falar: no deserto continuarei ladrando até que me farte. Sintoma significativo de que não consigo estar sintonizado com os meus compatriotas, é o teste que lhes fiz, há bem pouco tempo, com mais uma iniciativa ( à partida falhada) das minhas. Um prémio de Resistência Ecológica, cujo regulamento já mostrei a vários grupos e personalidades, ou nem sequer resposta mereceu, ou foi recebido com um encolher de ombros ainda mais eloquente. Irei continuar a ladrar no deserto?
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(*) Publicado no semanário «Gazeta das Caldas», 9/6/1983
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sábado, 13 de Julho de 2002

A METAFÍSICA DAQUELA MÁQUINA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Edição Especial», provavelmente no final dos anos 70, visto ser depois de La Hague, Tabas e Three Mile Island, referências concretas do texto, além de Alqueva, claro, mas esse é pré-histórico

Se quisermos hoje a melhor definição da metafísica, olhemos com atenção a máquina partidária.
É o mais perfeito mecanismo autoregulado, a maior fábrica de abstracção e surrealismo que alguma súmula teológica poderia ter inventado.
A milhares de anos-luz da realidade da vida quotidiana, dos sofrimentos e injustiças, dos nervos e tragédias, das faltas e aflições, das angústias e doenças, a máquina partidária paira, imperturbável, acima de misérias e em pleno olimpo dos deuses. Autofagicamente embora se devorando, dá no entanto cacetada, logo, na moleira de quem recalcitre. Ninguém diga o rei vai nu.
Se é ou não intrínseco àquela máquina, este maquiavelismo de príncipe renascentista, esta suprema e divina vocação da abstracção, este tecno-teoricismo absolutamente esterilizado de qualquer microbactéria real, esta hiper-insensibilidada à dor, ao protesto, à revolta e à fome, esta surdez e cegueira incuráveis ao sol, à floresta, aos animais, aos oceanos, ao clima, aos rios, às serras, à natureza, aos ventos, ao frio e ao calor, às nuvens e ao bom tempo, se esta máquina apenas é susceptível, como reacção química, de enferrujar, eis o enigma e São Tomás, exímio em Teologia, que o descubra.
Mas vamos lá que a R.T.P.1 , na sexta-feira, dia 30 de Março, ao pôr os partidos em questão , com locução da Maria Elisa, só contribuiu para afinar aquela máquina.
Sem querer, talvez por velocidade adquirida, a Informação em geral reproduz, à sua escala, esta hipertrofia do político sobre o real, acusa também este carácter maquinal, sonambúlico, mesmo funéreo daquela máquina (do Poder) buldozer enferrujado arrastando as lagartas no longo túnel da Crise.
Com a inflação ou hipertrofia do discurso político, muitos jornais já desistiram de ter espaço para os problemas reais da país real. Nem sequer já para os fait divers de faca e alguidar, os acidentes, as hospitalizações, as necrologias há lugar na Imprensa.
Como eu, impenitente empirista, tenho saudades do espaço que roubei (à Nação) e do tempo (que perdi) nas reportagens de inquérito à vida, à gente, aos recursos, aos ecossistemas, aos rios, ao território, às serras, à floresta deste amado Portugal, hoje uma entidade mais metafísica que o Arcanjo São Gabriel.
Ainda "a tal máquina” não tinha chegado da Europa dos Nove. Ainda um sr doutor, na RTP1, todas as semanas, não nos punha a pistola ao peito, instigando o povo português a lubrificar – já - o "seu motor» (o seu motor é o seu coração, senhor telespectador, por muito que isto e irrite e o deixe, definitivamente, cardíaco de indignação).
Ainda não era a tempo da Quimigal anunciar na seus lubrificantes, falando do motor do (seu), como se o carro não fosse, em alma, dignidade e vida, igual ou superior à vida e à pessoa humana.
Claro que sim: motor tout d' abord.
Queiram ou não queiram, a questão de fundo hoje e que dividirá., mais dia menos dia, o Mundo em dois, é só esta: uma questão de moral. De essencial decência. De vergonha contra a desvergonha institucionalizada dos metafísicos do Progresso, do Motor, da Máquina, daquela Máquina.
Questãozinha de saber se o coração é o seu motor ou se o seu Motor é o coração, amigo telespectador.
Questão de saber se a vida é o supremo e universal valor ou se só a morte conta para os " metafísicos do Poder».
Questão de saber se delinquente é o jovem que se injecta para anestesiar a dor de ver nos pais a delinquência institutucionalizada, ou se são os Pais os delinquentes que, em nome da ciência, da técnica, da estatística, da engenharia, da matemática, da mecânica, continuam alegremente massacrando a Vida, o Mundo e o futuro onde esses jovens desejariam viver.
Esta a questão, a única questão.
Barragem de Alqueva, Refinarias, Petroquímicas de Barreiro, Estarreja ou Sines, central nuclear, autoestradas, consumos tóxicos, desalimentos, pílula anticoncepcional, poluições, lixos, seja qual for o tema (aparente), a questão de fundo é sempre uma só e a mesma: uma questão moral, uma questão de consciência.
Uma questão de princípio, de axiologia, de sistema de valores, de prioridades, finalidade e objectivo último da acção humana. O sentido da existência é a questão.
Pouco adiante ou altera chamar-lhe, pomposamente, revolução cultural. Entre o crime e a ecologia, só há uma escolha. Por mais máscaras de antipoluição que lhe afivelem.
Matando como mata, destruindo como destroi, o sistema é intrínseca e estruturalmente Imoral. A pílula que mata uma vida ou o acidente capital da Pensilvânia que obriga a evacuar um milhão, ou o sismo (à hora de uma explosão nuclear subterrânea na URSS), que mata 39 mil pessoas em Tabas, não nos distraiam a fingir que há diferenças.
Quando discuto ecologia é isto que discuto. Não discuto se isto polui mais ou aquilo menos, se a barragem de Alqueva vai alagar dez ou vinte mil hectares, se a estatística A é mais verdadeira que a B, os meios, as dotações orçamentais, os custos, blá-blá.
Ser ou não ser conivente com a destruição organizada, com o ecocídio deliberado, com o suicídio da humanidade, da vida e da natureza, ser ou não ser responsável, perante as gerações de hoje, pelo futuro delas, ser ou não ser pela vida dos que querem viver amanhã e depois de amanhã, é a única questão.
O realismo ecológico é moral porque é realismo e é realismo porque é moral.
Gabriel Marcel atribuía ao “espírito de abstracção" os crematórios nazis.
A partir do momento em que não há valores últimos, objectivos supremos, Bem e Mal, tudo é possível. Tudo tem sido possível, desde Hiroxima a La Hague e a Alqueva, tudo será possível.
Não sem o protesto, porém, de quem ainda tenha alguma vergonha no cara.
Corolário deste espírito de abstracção, é o maquiavelismo que transforma os meios em fins, o espectáculo pornográfico de uma sociedade de consumo a ver quem mata o parceiro para ganhar a meta.
Do maquiavelismo, por sua vez, trepa-se ao delírio fantasmagórico da metafísica política e partidária. Máquinas de triturar vidas, ideias, trabalho, energias, imaginação, eis as máquinas baseadas no «espírito de abstracção» , no maquiavelismo e no mecanicismo positivista ( o coração, a sua máquina...)
Esteja quem estiver e seja qual for a estrada a percorrer, a máquina seguirá sempre olhos e ouvidos vendados, a mesma rota para a qual está programada.
Para ela não há processo histórico, lutas, crises, natureza, ecossistemas, caminho, em suma. Há a meta - o progresso - morra quem morrer, mate quem matar.
O seu motor, amigo telespectador.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «Edição Especial», provavelmente no final dos anos 70, visto ser depois de La Hague, Tabas e Three Mile Island, referências concretas do texto, além de Alqueva, claro, mas esse é pré-histórico
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sábado, 13 de Julho de 2002

A ECOLOGIA POLÍTICA NA MARCHA HISTÓRICA (*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no «Diário do Alentejo», 6/12/1974

«O organismo humano adapta-se a tudo».
Este é um dos sofismas mais perigosos com que a ideologia tecnocrática pretende impor os seus crimes e abusos. Não lhe bastando ter divertida a opinião pública o suficiente para que a maioria aceite ser «oferecida» em holocausto à sacrossanta mitologia do progresso tecnoburocrático, pretende completar o ciclo (vicioso) propondo como dado aceite e científico a capacidade do homem para se «adaptar a tudo».
Teríamos então, segundo esse sofisma, que a biosfera estaria em vias de se transformar na famosa tecnosfera.
Assim como se pode ir gradualmente adaptando o organismo a um veneno – defendem os biocratas – segundo o clássico processo greco-romano designado mitridatismo - assim a espécie humana se iria adaptando a tudo o que constitui manipulação da vida, dejectos, poluição, injecção de produtos químicos, enfim, a toda a tecnocratização da vida e dos indivíduos.
O ruído?
Se é verdade que os antigos dificilmente se têm adaptado às orgias de ruídos ensurdecedores que caracterizam os novos tempos, aí estariam as novas gerações rock, da «orquestra» electrónica, do bombo e da bateria a demonstrar que já saíram do ovo «adaptadas» ao novo ambiente de super-ruídos.
Os adubos químicos na fertilização dos solos?
Pode acontecer, claro, que os organismos das anteriores gerações reajam mal e se sintam vulneráveis aos produtos alimentares desvitalizados, mas nada prova que as novas gerações não estejam a viver de perfeita (!) saúde, embora potencialmente desvitalizados com toda a gama de químicos que, dos solos à manipulação industrial, interferem hoje no mercado dos alimentos e cancerizam o consumidor.
Quer dizer: para os idólatras do pan-industrialismo, a fé de que tudo será resolvido «pela ciência e pela técnica», inclusive o biocídio perpetrado através da fonte da vida que são os alimentos, não admite argumentos ou respostas racionais.
Mas a resposta, o argumento racional é apenas um: a um processo de biocídio acelerado, há que opor, em nome da vida e da defesa da vida, uma ideologia que, a nenhum pretexto (incluindo o pretexto político ou económico), consente na tecnocratização da existência.
Não se trata, tão pouco, de entrar no jogo dos poluentes e dos antipoluentes. É uma questão de princípio, radical e radicalista.
Se me perguntarem porque defendo a vida, permito-me responder, antes de mais nada, porque sim. Ponto final, parágrafo. E depois, só depois, que a defendo por vários motivos estéticos, políticas, económicos, utilitários e, só por último, morais.
Pode parecer franciscana e idealista a defesa da Natureza, das espécies e do homem.
E talvez seja.
Mas seria o argumento humanista, a razão ética, a última que invocaria.
Perante um bando de assassinos, de açougueiros assanhados, de caçadores rapaces, perante os tecnocratas ensandecidos e torpes, perante os que não hesitam em matar (dizendo que é para nosso bem) nada mais, inócuo e ridículo do que réplicas com um argumento de ética humanista...
Acima de tudo, é preciso afirmar a esplêndido da gratuidade desta opção. Um ecoprático é, acima de tudo, um esteta. Um sujeito de cheiro apurado (que detesta maus cheiros), que detesta a porcaria, o lixo, que detesta o dejecto e a imundície. E nem sequer por razões higiénicas... também respeitáveis. Mas simplesmente por razões de arte, de requinte, de aristocracia espiritual.
Isto deve ser dito e redito aos abúndios que classificam o ecomaníaco de «sensibilidade feminina» e de esteticismo, com o sublime descaramento que só o imbecil pode ter.
«Sem adubos nos solos nunca se chegará a ter alimentos para todos ... – argumentam os merceeiros de adubos.
E com adubos nos solos já porventura produziram alimentos para todos?
Venham da direita, venham da esquerda, e que a Ecologia Política tem para responder é sempre o mesmo: a ideologia da Natureza é uma questão de princípio e não admite pequenas ou médias poluições « como preço a pagar pelos benefícios (sic) do Progresso».
A ideologia da Natureza é uma fase evoluída da espécie e uma aristocracia espiritual. Está para lá de toda essa vadiagem que ainda não soube imaginar outro progresso que não fosse o das energias e indústrias hiperpoluentes.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no «Diário do Alentejo», 6/12/1974
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sábado, 13 de Julho de 2002

OS NEOLÍTICOS DA REVOLUÇÃO(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (O Mundo da Ecologia), 20/10/1979

20/10/1979 - Em Agosto de 1979, o ecologista enfrenta-se com uma situação de conjuntura algo bizarra no nosso país: quando, ainda há meses, o tecnocrata lepidamente assolava os buldogues à perna do ecologista radical, vemos hoje, meses volvidos, que não só as soluções e técnicas "leves" começam a ser adoptadas a todo o vapor pelo sistema, como ele se comporta como se desde sempre tivesse sido o pioneiro e o mártir das eco-alternativas.
Isto é uma situação anedótica. Mas o bom humor que nos causa não nos deverá fazer esquecer os riscos que envolve para as forças de Esquerda em Portugal.
O perigo já vinha a esboçar-se, desde a primeira fase do Movimento Ecológico Português, fundado em 14 de Maio de 1974. E cifrava-se, principalmente, na desatenção, na hostilidade, na ignorância e até no desprezo que a Esquerda resolveu sempre ostentar para com toda e qualquer manifestação dos "verdes". A conspiração do silêncio funcionou durante muito tempo, quando não era o oportunismo (como é o caso no campo das lutas anti-nucleares) e o perfeito desconcerto entre acções descoordenadas.
Não só a Esquerda nos virou a cara, como tudo fez para nos meter no gueto e depreciar aos olhos da opinião pública, como um punhado de anarquistas irresponsáveis, perigosos, incendiários, ruminantes de cenouras e vegetarianos adeptos do arroz integral. Todas as caricaturas serviram. O fenómeno é geral e não específico do meio ambiente português. Lançar ao vento as caricaturas do ecologismo, ajuda a deturpa e portanto manter a Revolução Verde num gueto minoritário. As forças políticas à esquerda e à direita, parecem temer a rápida ascensão e o forte ascendente que sobre a opinião pública podem ter, de um momento para o outro, as teses para a sociedade pós-industrial.
Enquanto puderem adiar, ei-los jogando na calúnia, na mentira, na deturpação, no ridículo. Quando for o momento crítico, jogam-se ao ataque para ocupar o terreno desbravado pelos profetas e pioneiros. Enfim, a desvergonha habitual.
O que se passa neste momento em matéria de energia solar, no nosso país, ilustra o facto. Mas havemos de ver ainda mais e melhor.
Será, em suma, a direita que vai ganhar esta primeira batalha? Que vai colher os lucros?
E a Esquerda? Sob os mais ridículos e inoperantes pretextos, vai deixar que a Direita galgue, por este flanco, o terreno que ela deveria ocupar?
Pintando a fachada com tintas ecológicas e pondo um colector solar em todas as casas de burgueses deste País, a classe dominante terá mais tempo de vida. Com tais remendos, contribuirá inclusive para que a opinião pública lhe "agradeça" as soluções ecológicas recebidas pelo país e até as vantagens na economia de energia e na limpeza das fontes energéticas.
A direita apropria-se da energia solar, inclusive, para poder desencadear o seu sofisma favorito: ela irá insistir, enquanto vai tecendo rasgados elogios ao solar, de que se trata de energias «só rentáveis e utilizáveis lá para o ano 2 . 000" .
Ao mesmo tempo que se apropria das fontes infinitas de energia, vai retardá-las o mais que lhe for possível.
Esta é a estratégia que se desenha: e quem mais contribuiu para ela, foi sem dúvida, a negativa atitude que os ideólogos da Esquerda têm assumido, entre nós, para com os problemas da "tecnologia intermédia'.
O "Establishment» vai servir-se das "soluções" ou tácticas ecológicas precisamente para que nada, a médio e longo prazo, mude nas estruturas de fundo e nas estratégias do capitalismo, que tem nas eco-tácticas o melhor revitalizador da sua estratégia de exploração, alienação e manipulação do homem pelo homem.
E a principal culpa disto cabe aos que continuam a rotular de reaccionários os «maluquinhos da frente ecológica". Aos que, dogmáticos e teólogos da política, são os Neolíticos da Revolução.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (O Mundo da Ecologia), 20/10/1979
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Quarta-feira, 16 de Julho de 2003

O PAPEL DECORATIVO DO ECOLOGISTA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no «Diário de Notícias» (Lisboa) , 1982 – ver data exacta no volume encadernado

Realismo ecológico: uma visão política das sociedades. Que não coincide com nenhuma das posições partidárias

1982 - Numa perspectiva de realismo ecológico, os "verdes" terão cada vez mais que afastar da sua luta aquelas "campanhas " e "causas" em que o sistema tem o maior interesse em cantoná-los, descartando-os à partida de intervir nos assuntos vitais da sociedade.
Ao sistema interessa bastante que os "ecologistas" se cantonem cada vez mais nos temas «folclóricos» , pois daí os tecnoburocratas extraem vantagens de vária ordem. Por um lado, se há grupos específicos lutando por problemas específicos, retira-se aos ecologistas qualquer veleidade de participação política, quer dizer, global. E o sistema pode continuar impunemente a sua estratégia totalitária.
Se os ecologistas não assumem a sua "totalitária" responsabilidade de serem também um Ecossistema em luta com o Sistema, este até lhe convém que haja "frentes" lutando contra a baleia, contra o tabaco, contra o cancro, contra os acidentes de tráfego, contra o pinheiro de Natal, contra os consumos venenosos.
Todas as lutas específicas agradam ao sistema, pois assim os ecologistas assumem o papel decorativo que, na sociedade, têm por exemplo as artes, as letras, o desporto, o espectáculo, cuidadosamente arrumados em "gavetas" na solícita imprensa que dá sempre as páginas de honra à Política e secundariamente à Economia.
Na perspectiva do realismo ecológico, temos que dizer aos políticos e economistas que o nosso terreno é o deles, embora as nossas armas, a nossa estratégia e os nossos objectivos sejam opostos aos deles.
Mas o terreno é o mesmo, quer dizer, discutimos e temos posição sobre as questões de fundo, sobre o Poder, a Inflação, o Desemprego, a Habitação, a Energia, a Corrupção, a Doença das Populações, a Alimentação Nacional, os Transportes, a Construção Civil, a Informação dos Mass Media, o Congestionamento das Urbes, a Descentralização regional, a Electrificação Rural, o papel das Autarquias e das Finanças Locais, o litígio das pescas com a Espanha, a Segurança no Trabalho, a entrada de Portugal na CEE, a Industrialização do País, a Reconversão Agrícola do País, o Preço dos Adubos e dos Pesticidas, os direitos do Trabalhador, a Alienação no Trabalho, os Direitos do Consumidor, o Cidadão e o Acesso à Lei, o serviço Militar Obrigatório, a Distribuição do Serviço Postal, as Comunicações e os Transportes, o Sistema hospitalar, as Fábricas de Indústrias Pesadas e Hiperpoluentes, etc.
É preciso fazer gorar as tentativas de meterem os ecologistas no "gueto" dos temazinhos "verdes": protecção aos animais, zonas verdes para a cidade, corredores ecológicos , parques e reservas naturais, património natural e sua defesa, objecção de consciência, etc.
As lutas «específicas» , a existirem, estarão sempre e inevitavelmente subordinadas a uma estratégia global de luta contra o sistema na sua totalidade totalitária, e só por acréscimo nas frentes parciais.
Realismo ecológico não é amadorismo, é apenas uma visão política da realidade global das sociedades, mas numa perspectiva que não coincide com nenhuma das forças e organizações partidárias organizadas. Tão pouco com as correntes de tendência anarquista e libertária, embora algumas correntes de ecologistas o possam parecer.
Realismo ecológico define-se, principalmente, face aos partidos e face às correntes não partidárias que se englobam naquela designação libertária. Discorda de todas, graças a Deus.

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no «Diário de Notícias» (Lisboa) , 1982
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sábado, 13 de Julho de 2002

QUEM TEM MEDO DA ECOLOGIA?(*)

(*) Publicado no «Jornal de Évora» (ou «Notícias de Évora»?), 23/10/1974

23/10/1974 - O número 4 do mensário «La Gueule Ouverte», que se publica em Paris, lembrava:
«Um dote nossos eminentes adversários, M. Robert Poujade diz que ser Ministro da Ambiente é ser ministro de tudo. É sem dúvida o que o consola de não poder coisa nenhuma.»
Exacto: a ecologia reúne o que o atomismo tecnicista pulverizou, e talvez por isso o referido mensário ecológico se chama A Goela Aberta... Mas também é verdade que a unificação das partes será olhada como um desastre pelos que dessa divisão vivem, desse atomismo e dessa parcelarização tecnicista, dos alibis e mitos inerentes.
Precisamente porque a Ecologia oferece uma resistência frontal à parcelarização e aos alibis do tecnicismo, é que surge, de repente, por baixo dos lugares-comuns da poluição, o seu carácter herético, ameaça pendente sobre os que vivem e vivem bem dos seus alibis de especialistas.
Porque a Ecologia é um esforço de síntese, é que deve conclamar a ódio dos extremistas.
Porque é uma dialéctica concreta, a raiva de todas os metafísicos da esquerda e da direito.
Porque - repito - a Ecologia é o domínio verdadeiramente dialéctico da realidade viva, é que deve impacientar os funcionários da Morte, que na entanto talvez se digam dialécticos em discursos e em teoria
Porque a Ecologia é a valorização do concreto humano, alienado por todos os sistemas morais, políticos ou económicos que o têm alienada, deve enfadar as funcionários desses sistemas.
Porque implica a Ética mais rigorosa que houve sobre a terra, não pode agradar a nenhum sem-lei, a nenhum terrorismo da esquerda ou da direita.
Porque unifica, não agrada aos que reinam dividindo.
Porque apresenta uma alternativa de vida e sobrevivência, não interessa aos Industriais da Morte e do Suicídio colectivo deste mundo.
Porque repõe a questiona em conjunta uma «civilização» homicida e exige a criação de uma verdadeira civilização, não agrada aos profissionais da obra feita, da política, da economia, que se reclamam de humanistas mas para quem o humano é exactamente o principal obstáculo aos seus planeamentos de colectivização maciça.
Porque pode ensinar e já está ensinando pequenos grupos a sobreviver independentemente dos grandes trusts, estados, monopólios, porque não há-de haver tanta gente que tem medo da ecologia?
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(*) Publicado no «Jornal de Évora»(ou «Notícias de Évora»?), 23/10/1974
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sábado, 13 de Julho de 2002

A LISTA DE ITENS (*)

(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 26/4/1983

26/4/1983 - Polarizar a luta alternativa na poluição é um equívoco que interessa principalmente às forças políticas de fundo totalitário. A melhor maneira que estas têm de enquadrar, na primeira altura, os movimentos alternativos em geral e ecologistas em particular, apossando-se deles, é reduzi-los a caricaturas, transformando um vasto movimento de emancipação humana em propósitos pontuais de luta anti-isto e luta anti-aquilo.
Com as tácticas pretendem fazer e esquecer toda uma estratégia.
De facto, a poluição é para essas forças um óptimo «inimigo», pois com ele conseguem distrair o povo do inimigo principal - o crescimento industrial sob todas as suas formas e em todos os seus subprodutos.
É portanto em relação ao imperialismo industrial que o movimento alternativo se deverá definir.
Não é só a poluição o inimigo, nem só de poluição morre o homem.
Por ordem de prioridades, o inimigo é o crescimento e seus subprodutos;
O capitalismo privado tanto como o capitalismo de Estado;
A burocracia tanto como a tecnoburocracia;
O latifúndio, a monocultura industrial e a exploração extensiva;
O pesadelo urbano-industrial e o drástico despovoamento dos campos;
A destruição da pequena e média exploração agrícola;
A democracia sem democraticidade;
O gigantismo industrial, hiperpoluente e concentracionário;
O desperdício a que se chama economia de mercado;
O energivorismo inerente a todos os processos que a análise energética demonstrou serem irracionais;
O crescimento económico logarítmico;
O gigantismo da corrida espacial e nuclear;
A sintomatologia médica , motor que autoreproduz até ao infinito o sistema de doença, morte e destruição;
A luta de classes nas suas formas mais bárbaras de luta contra a geração seguinte, contra as espécies vivas, contra as minorias culturais e rácicas, contra todas as formas de vida alternativa tradicionais;
A alienação do trabalho livre, criador, autónomo, cooperativo e autogestionário;
A macrocefalia urbana e a desertificação dos campos para aí se instalar o imperialismo industrial sob as suas formas mais atrozes de indústrias de ponta hiperpoluentes;
As categorias abstractas que reduzem a dignidade da pessoa humana a números: contribuinte, consumidor, utente, eleitor, peão, etc
O concentracionário industrial, nomeadamente nuclear, celulósico, cimenteiro, químico, petroquímico e alumínico;
A publicidade do mundo capitalista tanto como a propaganda política do mundo não capitalista.
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 26/4/1983
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1-1- ecorealismo-13-ac-et> = ideia ecológica do afonso - inéditos ac de 1983 – notícias da frente – mein kampf – entrevista-testamento - > revisão da matéria -
sábado, 13 de Julho de 2002

COMO SE ENTENDE NA "FRENTE ECOLÓGICA" A PALAVRA ECOLOGIA

Novembro, 1983 - Preferindo falar em realismo ecológico ou de ecologismo, entendemos Ecologia como corrente de ideias e movimento social
como causalismo ou anti-sintomatologia na análise do sistema
como radicalismo na análise da sociedade industrial
como reformismo político enquanto ideologia não-violenta
como luta de classes entre a actual tecnocracia e as gerações futuras
como dialéctica que procura a terceira via (alternativa) para o maniqueísmo dos imperialismos actuais
como investigação científica fundamental, visto que toda a ciência terá que ser revista e repensada à luz dos dados ecológicos
como defesa civil do território
como denúncia crítica das contradições da sociedade industrial (o progresso que mata, adoece, estropia e tortura)
como frente unitária unindo todas as espécies ameaçadas contra o imperialismo industrial
como plataforma de convergência de todas as correntes que procuram alternativas ao sistema totalitário
como verdade (o rei vai nu...) contra todas as censuras nacionais e multinacionais
como pedagogia idealista mas revolucionária que quer preparar (dar armas intelectuais) às novas gerações para enfrentar e derrotar o apocalipse planetário
como arma não violenta contra todas as violências
como economia energética
como luta dos ecossistemas contra o sistema que os destroi.
Novembro,1983
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1-1-ecorealismo-1-bd> = bibliografia doméstica = hemeroteca pessoal

ECOREALISMO

PUBLICADOS AC IN «A CAPITAL»(CRÓNICA DO PLANETA TERRA)(1981-1988)

81-09-26 – O DESENVOLVIMENTO NO SUBDESENVOLVIMENTO
82-01-30 – ESCOLA DE REALISMO
82-02-13 – DEPOIS DO APOCALIPSE
82-09-25 – AS TECNOLOGIAS DEMOCRÁTICAS
83-03-19 – PRIORIDADES
83-03-26 – PARA UM MANIFESTO ALTERNATIVO – O INIMIGO PRINCIPAL
83-07-30 – MANIFESTO ALTERNATIVO – DESENVOLVIMENTO DA LIBERDADE
83-08-27 - SAIR DA POBREZA OU CAIR NA MISÉRIA - TECNOLOGIAS DA ESPERANÇA
83-09-10 – T. A’S EM PORTUGAL – O DESENVOLVIMENTO AO NOSSO ALCANCE
84-03-10 – A CRISE QUE SE QUER – QUEM TRAVA A DIVERSIFICAÇÃO ENERGÉTICA?
84-09-01 – ECO-TÁCTICAS NÃO BASTAM – ESTAMOS CERCADOS
86-05-03 – DISCURSO ENVENENADO – NOVAS TECNOLOGIAS ...MAS QUAIS?
87-07-25 – MODERNIZAR A CIÊNCIA – LIMITES DA TECNOCRACIA
88-01-30 – TECNOLOGIAS DE VIDA – DEPOIS DO «CRASH» O DILÚVIO
88-05-21 – TECNOLOGIA LIBERTADORA – AS ENERGIAS QUE TEMOS
88-05-28 – DAR VIDA AO ARTESANATO – TRABALHO LIVRE COMBATE DESEMPREGO
88-06-18 – 10 ANOS DE IMPASSE – QUEM TRAVA AS ENERGIAS LIVRES? ■

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