segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

HÁ JÁ 26 ANOS

ecorealismo-12> publicado ac 1983 – 5 estrelas – subsídios para a história da ideia ecológica – entre-partidos – lista de itens de ecologia humana
sábado, 13 de Julho de 2002

REALISMO E UTOPIA NO DEBATE DOS ECOLOGISTAS EM PORTUGAL(*)
+ 8 PONTOS

9/6/1983 - O colóquio sobre "Ecologia em Portugal" que José Luís de Almeida e Silva orientou em Leiria, no âmbito da III Semana do Filme Ecológico que o Teatro da Columbina leva a efeito nesta cidade, teve o mérito de projectar o debate numa onda pouco habitual neste país.

É caso para nos congratularmos quando, como aconteceu, a conversa é, ao menos, colocada em pressupostos correctos, independentemente dos desvios que depois irá sofrer no aceso da contenda.

Discutir ecologia sem cair nos lugares-comuns, estereotipos e cassetes da anti-poluição, defesa escutista da vida selvagem, política de saneamento básico, em suma, os eco-equívocos e eco-palermices em que o nosso meio de confusões tem sido fértil, é um progresso importante. Devemos assinalar, com regozijo, o facto, quando alguém anima um debate propondo a análise ecológica do sistema industrial vigente e as consequências advindas deste sistema para a alienação humana.

I

É de questões fundamentais como esta que se ocupa o ecologismo e não das frivolidades que tantas vezes os ignorantes lhe atribuem. Só queria assinalar neste artigo os pontos em que o discurso de José Luís de Almeida e Silva (na linha , aliás, de algumas correntes de grande preponderância europeia) se demarca de um realismo ecológico que, desde há 10 anos, nos temos esforçado por pensar e definir, na "Frente Ecológica" (jornal, edições, etc) com a rara e preciosa ajuda de dois irmãos em S. Francisco: Ivan Illich e Michel Bosquet/André Gorz.

Gostaria , pois, que este artigo fosse não só um contributo de boa fé à "elevação" do diálogo sobre Ecologia entre nós, mas também uma homenagem ao José Luís de Almeida e Silva que, na sua tribuna da "Gazeta das Caldas", tem ajudado a elevar esse diálogo e aos que, embora numa linha de eco-utopia que já foi a minha e hoje não é, me ajudaram por contradição dialéctica, a passar de uma concepção moral, literária e romântica da ecologia para uma concepção realista. E não garanto que tenha havido progresso...

II

A análise ecológica não promete paraísos e amanhãs que cantam aos trabalhadores, como faz a demagogia sindical dos políticos e a demagogia política dos sindicatos.

Recusando a utopia de esquerda (anarco-comunista?) tanto como a utopia de direita (a uniforme paz dos cemitérios), o realismo ecológico da análise energética apenas pretende mostrar factos e os factos são, num sistema que vive de auto-multiplicar as suas próprias contradições para infinitamente se perpetuar, desmascarar estas contradições junto da opinião pública até que um dia todos percebam que, para solucionar os graves e grandes problemas que afligem a humanidade, basta fazer uma hora de greve geral universal planetária ao absurdo, à irracionalidade e à mentira mortal do sistema vigente. Até que um dia todos percebam o que hoje apenas alguns (ecologistas chamados) denunciam.

III

Inflação, desemprego, proletarização - são fenómenos que decorrem em linha recta do sistema instalado de produtivismo gratuito, que gira sobre si próprio num acto colossal e aberrante de masturbação planetária. Mas esses sintomas são não só efeitos da engrenagem tecno-burocrática do crescimento exponencial mas - e esta é a descoberta do realismo ecológico - condição sine qua non para que o sistema mantenha as engrenagens fabris em acção.

Todos os partidos em cena continuam, portanto, a sua piedosa obra de gerir o sistema, corpo gangrenoso dentro da sociedade. O realismo ecológico decorre da alienação como facto fundamental. Facto historicamente datado, a alienação ou proletarização é consequência do desenraizamento provocado pela chamada "revolução industrial" (que foi o princípio da grande Reacção), pelo assassinato que o sistema fez, e continua fazendo, dos ecossistemas rurais e valores de convivialidade/liberdade a eles ligados. A massificação está na massa do sangue da revolução industrial , da proletarização por ela sub-produzida e pelo desequilíbrio cidade/campo que origina todos os outros desequilíbrios.

IV

Poluição, desemprego, proletariado e lumpen-proletariado, inflação, angústia, solidão, criminalidade, suicídio, neurose, macrocefalia, bairros da lata, arranha-céus do Dallas-Abecasia, deserto de cimento armado, violência latente nas relações, divórcio, traumatização da juventude, droga, - tudo isto são sintomas mas - e isso é que é trágico - são condições necessárias e sine qua non para que o diabólico sistema da engrenagem industrial continue laborando e...garantindo postos de trabalho.

Trabalhamos todos para a nossa Morte, é o que é, e ninguém melhor para gerir esta patuleia do que os partidos, à esquerda e à direita de Deus Padre Todo Poderoso.

V

A análise ecológica da engrenagem visa para lá dessa contingência crítica - crise é a palavra mais frequente nos ideólogos do desenvolvimento, já que foram eles que a fabricaram - mas sem ignorar a génese histórica deste "complô" em que doença, cancro, poluição, inflação, desemprego, congestionamento, ruído, loucura, desprezo pela pessoa humana, solidão, ódio e até luta de classes não são erros corrigíveis pela técnica (sic) num futuro mais ou menos próximo mas factores intrínsecos ao próprio sistema que tem, na exploração do homem pelo homem apenas o antecedente histórico da manipulação do homem pelo homem, aquilo a que aqui, no realismo ecológico, tenho chamado "o homem cobaia do homem", tema específico da análise ecologista, já que mais ninguém lhe pega nem sequer percebe.

De facto este é um dos pressupostos específicos do realismo ecológico, que o demarcam de outras correntes do ecologismo mais viradas para o discurso moral e morigerador, para a exaltação do desejo e da subjectividade, para a utopia fourierista que assumia a utopia como palavra de ordem e até como programa político.

Que a utopia se viva como discurso literário, até como exaltante movimento estudantil-juvenil (Maio 68), talvez não venha mal ao mundo. Que imperceptivelmente se substitua a ou identifique com um discurso político, é que me parece um reforço da confusão que interessa aos partidos gestores da crise (são todos) alimentar.

VI

Recentemente este discurso idealista assumiu em Portugal a forma requintada do moralismo oportunista, a coberto de um poderoso aparelho totalitário. Belicistas defendendo a paz, violentos a proclamar não-violência, desenvolvimentistas a preconizar eco-desenvolvimento, adeptos da indústria hiper-poluente a fingir que querem um mundo solar, nuclearistas mascarados de geradores eólicos, aí está a farsa em cena.

O discurso moralista é, por definição, hipócrita. Mas a verdade é que a utopia à maneira de Maio 68 oferece o flanco não só a esses oportunismos de burocratas armados em defensores da natureza como se desarma ideologicamente frente aos exércitos de deserdados que cada vez gritam mais alto por justiça e pelo fim da opressão chamada proletariado.

VII

A luta de classes há muito que se engloba numa luta mais vasta de vida ou de morte entre gerações (as de hoje contra as de amanhã), a luta que os grandes blocos do holocausto nuclear neste momento movem ao Planeta e à Humanidade.

Esta engrenagem não é fundamentalmente criticável só porque e quando atafulha as pessoas e a sua alegria de viver com toda uma quinquilharia de consumos e subprodutos da engrenagem consumista - ponto onde José Luís polarizou a sua análise - esta engrenagem é criticável, na perspectiva do realismo ecológico, porque dizendo que desenvolve está, logo ao lado, criando sub-desenvolvimento, agravando injustiças sociais, fomentando o desemprego e a falta de habitação, enfim, auto-reproduzindo-se até ao infinito.

Na perspectiva do meu realismo, o que está em causa é a engrenagem que causa essa sintomatologia de alienante escravidão, a ideologia do desenraizamento, a grande conspiração contra a Terra e os homens da Terra. Não é porque abarrota de consumos uma classe (privilegiada) ou um país que esta engrenagem é desumana e criminosa: é porque tudo isso é feito fabricando, logo ao lado, miséria e morte e destruição. Desenvolver tem sido, afinal, destruir.

VIII

Do eco que esta tendência ecologista a que chamo realismo da frente tem tido entre os compatriotas e outros amigos da terra, escusado será dizer que não vale a pena falar: no deserto continuarei ladrando até que me farte. Sintoma significativo de que não consigo estar sintonizado com os meus compatriotas, é o teste que lhes fiz, há bem pouco tempo, com mais uma iniciativa ( à partida falhada) das minhas. Um prémio de Resistência Ecológica, cujo regulamento já mostrei a vários grupos e personalidades, ou nem sequer resposta mereceu, ou foi recebido com um encolher de ombros ainda mais eloquente. Irei continuar a ladrar no deserto?
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(*) Publicado no semanário «Gazeta das Caldas», 9/6/1983