domingo, 15 de março de 2009

IDEIAS AC 1975

1-8-mep-4> as abriladas – rascunhos de ideias


QUEM TEM MEDO DO MOVIMENTO ECOLÓGICO? (*): A CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA REFORÇA A CONSCIÊNCIA DE CLASSE

13/4/1975 - Não vai o militante da causa ecológica considerar-se um "mártir", embora se possa considerar um pioneiro, mas tem toda a razão em apresentar certas queixas.
Sendo a via dialéctica uma via de nuances qualitativas, um processo envolvente da realidade total, uma estratégia que mais agudiza as contradições do mundo velho e de exploração do homem pelo homem, uma metodologia prospectiva que só será compreendida dentro de alguns anos, evidente se torna que não pode contar com os que se servem da política por carreirismo.
Os melhores esforços do militante ecológico sempre se orientaram no sentido de nunca mistificar politicamente as pessoas mas reforçar nelas, através da consciência ecológica, uma consciência de classe e revolucionária, porventura e eventualmente embrionária.
Para o militante ecológico, nunca a "luta de classes" se poderá desligar da "outra" luta de classes que é a do Homem versus Natureza.
O militante ecológico, que por definição se pretende na vanguarda da emancipação humana, obviamente perfilhará atitudes anti-capitalistas, anti-monopolistas e anti-imperialistas.
Só que a Dialéctica tem razões que o dogmatismo imobilista desconhece.
Só que, às vezes, é preciso recuar um passo para avançar dois.
Só que, como dizia Lao Tse no Tao Te King, o caminho do progresso às vezes parece retrógrado.
Só que a Revolução da Qualidade leva um pouco mais de tempo a amadurecer e a consolidar.
Sabem os que se dedicam à política por imperativos morais e humanos - e não por interesseirismo, carreirismo ou aventureirismo - que a consciência ecológica em nada contraria as lutas de infra-estrutura , antes as completa e lhes dá um sentido finalista, englobante.
Não vai, por isso, o eco-militante considerar-se um perseguido, um incompreendido e um mártir (embora tudo isso ele talvez seja), mas também é verdade que já vão cansando as desconfianças, os excessos de prudência, as críticas e censuras descabeladas, as arrogâncias paternalistas e os monopolizadores da virtude política.
O que aflige, no fundo, um militante de boa vontade, não é a ignorância ecológica generalizada (alarve e arrogante, em tantos casos), não é a falta de sensibilidade aos aspectos qualitativos da Revolução, não é a indiferença e a hostilidade, não é afinal o medo à dialéctica, que se pretende encobrir de fervor activista, o medo à revolução e a covardia espiritual que se pretende ocultar com actos de heroísmo físico (ou nem isso).
O que impacienta o militante ecológico já nem é a indiferença, a hostilidade, a intriga. Não é, tão pouco, verificar como a política partidária serve a tantas pessoas para se estar nas tintas para o povo e de como certas tintas de arrivismo democrático ou revolucionário são apenas oportunismo e camaleonismo do pior.
O que fundamentalmente indigna o militante ecológico é que esse medo à dialéctica, essa maneira velada de dizer não à revolução qualitativa, esse desprezo explícito ou implícito pela vida e pela qualidade de vida das populações (a pretexto das suas necessidades prioritárias) assume normalmente posições de censura à contra-ofensiva ecológica, ridículas para não dizer estúpidas.
O que desespera são os argumentos já revelhos utilizados por aqueles que, não querendo saber da Revolução porque lhes interessa muito mais o serviço partidário, nos argumentam com pepineiras do tipo:
1 - Os ecologistas querem negar que a Economia seja a determinante de todo o processo social e super-estrutural;
2 - Os ecologistas, ao criticarem os modelos exponencialistas do crescimento económico, querem fazer-nos regredir à idade das cavernas;
3 - Os ecologistas , ao defender uma industrialização selectiva, com vista a padrões de consumo e de vida estipulados pela Ecologia, estão a sabotar a actividade económica e, logo, a contribuir para o desemprego, a recessão, a inflação, etc.
4 - Ao "inventar" uma cruzada para lá dos regimes políticos e dos blocos em luta, o ecologista colabora na tarefa criminosa e mistificatória da coexistência das classes, ajudando a pôr, como todos os reformistas e frentistas, a classe operária a reboque da direcção burguesa;
5 – Com a sua «quimiofobia», o ecologista está a contribuir para arruinar uma data de indústrias (verbi gratia a do armamento) das quais vivem hoje muitas empresas públicas ou do Estado;
6 - O militante ecológico contesta a "sociedade de consumo" mas continua a viver nela e a "beneficiar" dela;
7 – O militante ecológico critica o automóvel mas nunca anda a pé, "protesta" contra a poluição mas continua a fumar, organiza campanhas contra os pesticidas mas não se abstém de os "comer" quando lhe põem no prato arroz tratado com eles, critica os medicamentos mas deixa-se vacinar quando é obrigado a realizar uma viagem ao Estrangeiro, critica os hospitais mas deixa-se levar de maca para o hospital se for atropelado, etc. etc

VAMOS TENTAR RESPONDER

É evidente que o debate ecológico continua aberto e não se pretende, com algumas respostas a dúvidas e perguntas que nos fizeram, encerrá-lo.
Não têm os adeptas do Movimento Ecológico a verdade definitiva e acreditamos que, neste momento, dada a fertilidade dos partidas, ninguém a terá.
Mas acreditam os militantes desta causa que, seja qual for o empenho partidário de cada qual, tarde ou cedo as questões por nós formuladas têm que ser formuladas também ao nível dos partidas e por eles adiantadas soluções.
Estaremos a antecipar-nos?
Parece-me que estamos apenas a especializar-nos e, sem querer formar um partido mais - direito que, neste momento, ninguém ousaria negar-nos ... - a dar um contributo valioso de base a todos os partidas, quando soar a hora H de eles (como nos parece indispensável) definirem os seus programas ecológicos, nem que seja no Ano 2000...
Se a Assembleia Constituinte não terá, por atribuições, legislar, logo a Assembleia Legislativa me parece que terá de entrar, em cheio, nesta matéria e outras afins.
Já deve ter ficado claro, mesmo aos que mais teimam em ignorar os postulados de base do Movimento Ecológico, ou os que mais afincadamente nos censuram (ainda que digam, por vezes, simpatizar connosco...) já deve ter ficado claro que identificamos Revolução Ecológica e Revolução Cultural, que só falamos de Movimento Ecológico porque achamos demasiado escandaloso falar já hoje, em Portugal de 1975, de revolução cultural. Que nos perdoem o eufemismo, mas mesmo esse, ao que parece, é ainda susceptível de provocar engulhos e precauções, de tal modo que, até como eufemismo, o temos vindo a usar com prudência, com cautela...
Há um ano, ou pouco mais, falar em Política do Ambiente (mesmo da perspectiva oficial e reformista) obrigava ainda a risos, a precauções idênticas e a idênticos medos por parte dos amigos cujas convicções políticas colidiam (sic) com a formulação desses problemas... Esses medos, hoje, estão mais atenuados, mas não em relação à Revolução Ecológica e seu radicalismo.

MOVIMENTO ECOLÓGICO: O PARTIDO DA DIALÉTICA

Desligo o telefone de um. amigo que acaba de fazer ásperas censuras à, por enquanto, indefinida posição política do M.E.P e logo atendo outro telefonema de um amigo que ásperas censuras faz também às pretensões demasiado políticas, activistas, militantes, de cruzada ideológica que o Movimento Ecológico pretende.
Isto é quotidiano e prova que optar pelo Partido da Dialéctica, optar pela Movimento, não são propriamente quilómetros de prazer mas uma difícil prática quotidiana entre os extremos, entre os partidos, entre as opções, entre os contrários.
Sem exagero nem pretensiosismo, mas deve afirmar-se com firmeza que o Movimento Ecológico é esta prática quotidiana e difícil da Dialéctica, esta honesta pesquisa do diferencialismo partidário, esta tentativa constante de realizar a síntese da tese e da antítese!
Luxo, isto? Desporto? Jogo gratuito? Inútil pretensão? Tarefa não prioritária? Idealismo descabelado? Sabotagem contra-revolucionária?
Ou mania ensaística de errar e caminhar, de investigar e pesquisar, de explorar o campo da imaginação e das hipóteses?

A REVOLUÇÃO COM ALEGRIA

A revolução terá que se fazer com Alegria,
O desenvolvimentista não sabe o que é a Alegria e não dá valor aos pequenos nadas do quotidiano.
Com os olhos postos num futuro abstracto, embora se diga muito atento à realidade e considere os outros utopistas, fazendo crer que acredita nos "amanhãs que cantam" , esquece de que o presente tem que ser feito a cantar.
E os pequenos nadas do quotidiano podem ser, desde já, lugares de reflexão, de revolução criadora, mudança e metamorfose.
Há um sentido lúdico (desportivo) no homem, que o tecnocrata esquece e oblitera , dizendo-se preocupado só nas tarefas imediatistas.
Para muitos militantes do Movimento Ecológico, porém, esta cruzada é apenas um "jogo útil”, uma actividade que se pratica fundamentalmente por amor à qualidade, é uma "política da vida quotidiana", é transformar os mais pequenos gestos e actos da nossa vida de relação em gestos e actos políticos.
O Movimento Ecológico entende a política um jogo permanente e o jogo uma constante e lúcida aplicação política.
O tempo livre não é um apêndice, um produto, uma gaveta separada na unidade da existência individual de um trabalhador. O tempo livre tem que ser inserido no seu tempo de trabalho, de modo a não o fraccionar como personalidade (indivisível), como cidadão não alienado, como projecto existencial que tem um fito e para ele caminha as 24 horas do dia. Mesmo quando dorme.
Repartir e dividir essa unidade, esse projecto humano global em consumidor, eleitor, trabalhador, aluno, sócio (de uma colectividade), amador (desportivo) – eis a sequela da exploração capitalista e da divisão do trabalho que o Movimento Ecológica entende devermos extirpar já.
Desalienar o trabalhador já - e porque a vida todos os dias conta para a morte - é a nossa palavra de ordem revolucionária
Viver é saber morrer com alegria.

RESPOSTA A MAIS ALGUMAS OBJECÇÕES CONTRA O MOVIMENTO ECOLÓGICO
I
Pergunta: O debate ecológico é produto de primeira necessidade?
Resposta: Dizem-nos que as questões ecológicas ou a redimensionação ecológica dos problemas políticos, económicos e sociais não é urgente, não é prioritária.
Outra tarefas, agora - diz-se - chamam os portugueses, saídos de um fascismo meio secular e de um subdesenvolvimento colonialista que se apresenta como o problema nacional n°1.
A resposta do Movimento Ecológico será: se a Educação, a Saúde, o Meio Ambiente, o estado de conservação dos rios e o ar respirável, se as reservas de pesca e de caça, se as ruas da aldeia, da vila ou da cidade, se os espaços verdes e os transportes, se a qualidade da habitação e a ocupação dos tempos livres, se a agricultura e a energia, se o exacto trabalho para o trabalhador exacto (the right man in the right place), se o total aproveitamento dos recursos laborais, da capacidade imaginativa de um povo e do seu rendimento potencial, se a dinamização e a revolução cultural, se a mentalização política e a hábito de analisar, de pensar criticamente (discernir) os problemas, enfim, se a Revolução da Qualidade, se os aspectos qualitativos da Revolução não são prioritários, então as questões ecológicas não são prioritárias.
Mas se a saúde, a educação, a agricultura e os tempos livres, são tão importantes como a Industrialização, o crescimento industrial, o comércio e as actividades financeiras, a Estatística e a Economia, os mercados e o marketing, então, a Revolução Ecológica é tão prioritária e tão urgente como a outra.

II

Outro aspecto, porém, deve ser apontado nesta questão das prioridades.
Ao enunciar vários sectores da vida portuguesa de óbvia e evidente urgência - os chamadas produtos do 1ª necessidade - nem sequer citei os chamados "produtos de segunda necessidade ou de luxo".
Numa sociedade progressista, porém, duvido se será lícito considerar de "luxo" a arte, a literatura, o cinema, o teatro, o desporto, as férias.
Duvido se será lícito considerar de 2ª necessidade a segurança e o futuro dos nossos filhos, o seu crescimento harmonioso e sem traumatismos, a descompressão dos horários de trabalho, a possibilidade de procurar actividades compatíveis com as tendências e temperamento de cada trabalhador.
Se me disserem que a literatura, neste momento, em Portugal, não é prioritária - o que me parece, de qualquer modo, uma enormidade - a verdade é que a prática ecológica continua a mostrar-se, mesmo em relação a esse possível produto de 2ª necessidade, muito mais urgente
Mal informados sobre a que o programa ecológico pretende, os nossos adversários empunham outro argumento que releva mais dessa ignorância e dessa desinformação do que de uma autêntica discordância de opiniões. A estratégia ecológica - dizem eles - seria um subproduto segregado pelo avanço revolucionário, pela socialização dos meios de produção, pela nacionalização dos sectores básicos, enfim, pela infraestrutura económica.
Estulto pareceria, pois, "estar a pôr o carro à frente dos bois", quando os bois é que deverão rebocar o carro.
Esta imagem do carro de bois é muito usual e ainda bem que é, porque patenteia o maniqueísmo anti-dialéctico de tais reaccionários
A infra-estrutura está em íntima relação dialéctica com a superestrutura.
A Economia dirige a Política, mas a Política tem que dirigir a Economia.
A educação depende de condições económicas, claro que depende mas a educação e a qualidade da educação que se fizer reverte directa e imediatamente para a evolução sócio-económica de uma comunidade.
Há condicionantes económicas da "qualidade de vida". Exemplo: o trabalhador, para ter férias, precisa de ganhar, no trabalho, o suficiente que lhe permita gozar férias em condições. Mas há condições ecológicas que condicionam a rendibilidade económica, a produtividade do trabalhador: a doença e a saúde condicionam o absentismo, o trabalho, a produtividade , uma fábrica, um País.
E o estado de espírito que o trabalhador goza condiciona em 70% o rendimento do trabalho, ainda o mais monótono e mecânico; verbi gratía e por maioria de razão, as condições ecológicas do trabalhador (temperatura, ruído, alimentação, respiração, odores, posição do corpo, etc.) condicionam directamente o rendimento desse trabalho
Por outro lado, ele só poderá ter rendimento de férias e ócios se os passar num ambiente qualificado - quer dizer, onde o repouso seja possível. Em ambiente degradado, as férias serão apenas um logro adiado.
É , pois, dualismo maniqueísta e antidialéctico considerar que a infraestrutura determina necessária e linearmente a superestrutura, quando a verdade é que há uma troca, um intercâmbio, uma correlação fundamental entre todos os planos da realidade social e humana.

III

Revelando informação deficiente - a pretexto de que tarefas partidárias e eleitorais os solicitam , e ainda não tiveram tempo de se debruçar sobre estes problemas - os críticos do Movimente Ecológico frequentemente nos acusam de ser "anti-desenvolvimentistas".
Tal acusação vem na sequência das duas anteriores. Mas pergunta-se : Porque seremos anti-desenvolvimentistas ? O que é desenvolvimento? E que critérios de progresso se hão-de definir hoje, em Portugal de 1975?
O desenvolvimentismo (que é a ideologia do Desenvolvimento) evidentemente que vivamente o teremos de criticar pela razão exposta atrás.
Atrofiando funções e necessidades fundamentais do trabalhador, alienando-o cada vez mais à rotina e aos aspectos estritamente salariais, coartando-lhe a capacidade de iniciativa, de auto-organização, de criatividade e de imaginação, é evidente que se está a travar o desenvolvimento humano do trabalhador mas, directa e simultaneamente, porque a uma causa se sucede um efeito, se está a comprometer o desenvolvimento económico que desse desenvolvimento humano directamente depende.
Houve alguns tecnocratas arrependidas, como Sicco Mansholt, que falaram de "crescimento zero". È 1á com eles, e o Movimente Ecológico não tem que ser advogado de defesa dos tecnocratas, mesmo arrependidos.
Disso tudo, o que subsiste de factual e indesmentível é que o exponencialismo desenvolvimentista, o crescimento industrial, a ideologia do desperdício anti-ecológico não pode continuar no ritmo de até aqui, não só por razões internas de recursos de cada País mas por razões globais de recursos do Globo.
O adepto do Movimento Ecológico não tem ídolos e não idolatra o desenvolvimento pelo desenvolvimento , a produção pela produção, mas se se pressupõe o Desenvolvimento na sua real acepção de progresso revolucionário das sociedades humanas na sua qualidade vida- evidentemente que o Movimento Ecológico é o único Movimento que coerentemente deseja e preconiza e Desenvolvimento.
Se o desenvolvimento é sinónimo de histérica, irracional, anti-ecológica, anti-económica e anti-biológica (porque contra as leis naturais) industrialização, se é sinónimo de Economia de Mercado por oposição a Economia da Reciclagem, se é sinónimo de desenvolvimento industrial exponencialista e febril, evidentemente também que seremos contra a irracionalidade (ainda que planificada), porque somos pelas leis científicas naturais que nos regem e às quais devemos obediência.
A "racionalidade tecnocrática" é hoje a forma terrorística da irracionalidade.
Não somos, pois , contra o desenvolvimento, somos contra o terror tecnocrático que compromete toda e qualquer espécie de desenvolvimento, inclusive o económico, pois não há desenvolvimento, crescimento, etc., fora dos ritmos biológicos e das leis naturais, contrário aos condicionamentos ecológicos em conflito aberto e permanente com o Meio Ambiente, do qual todo o desenvolvimento depende e que é parte estruturante da Natureza Humana.

IV

Que os críticos do Movimente Ecológica não tenham tempo de ler, estudar e saber o que criticam, admite-se. Desde que não se pretenda, com base nessa desinformação, atacar forte e feio o Movimente e seus militantes, admite-se.
Só não se admite quando nas querem, por via dessa ignorância, pregar a virtude política de que estaríamos carecidos.
Volta ao argumento das prioridades: estranho parece, a qualquer observador partidário, que as prioridades tanta importância tenham para quem se diz militante político mas que, afinal, tantas energias , dinheiro, tempo desperdiçam, neste momento, com a algazarra eleitoral
Estranha me continua a parecer que não se considere prioritário pensar, praticar a dialéctica, organizar imediatamente a nossa auto-defesa (ecológica,) como frente revolucionária de luta por uma vida melhor, quando o País está inundado de slogans e só de slogans, de conceitos primários e primaristas, de lavagens ao cérebro sistemáticas, de onde todo o espírito crítico está ausente, de onde a reflexão e o trabalho aturado, a investigação e a análise andam arredadas.
O País não pode viver só de slogans e gravíssimo nos parece que se prolongue muito para lá do razoável a sloganomania.
Grave, gravíssimo é que o País - a pretexto da prioridade que seria afinal a pugna eleitoral ou outra semelhante - deixe de pensar, ou trate de meter no gueto os que continuam a querer cumprir patrioticamente a tarefa urgente e entre todas de salvação nacional que é pensar: pensar a nossa circunstância, pensar a homem português, pensar o País e a Revolução, pensar o nosso quotidiano e o nosso futuro.
Se a prospectiva ecológica é olhada com desconfiança, porque está a preocupar-se hoje"com os problemas que só serão graves (sic) amanhã" , parece- me grave, parece-me gravíssimo que, entretanto e até que esses problemas sejam prementes, nos fiquemos por cantigas e slogans, estribilhos e palavras de ordem, quesílias partidárias, mútuas ofensas, mútuas calúnias, mútuas guerras de camaradas e comadres, fulanizantes , pessoalísticas.
Não será prioritário interromper um bocado essa histórica onda de demagagia e pensar, meus caros compatriotas? Pensar para agir em termos?
Não vejo como, porém, se todos formos activistas de bandeirinha e lançados no campo imediatista , dito prioritário (sic) dos activismos sem distanciamento nem perspectiva.
A prospectiva ecológica não é adiamento, é a instância imediata das imediatas urgências e prioridades.


CONVITES INDIRECTOS AO BARRIGUISMO BURGUÊS

Perguntam-nos também se a melhor estratégia para “infiltrar” a Movimento Ecológico e fazê-lo"respeitado" pelas diversas facções será a de se manter intransigente naquilo mesmo que o define e justifica: a sua intransigência, a sua radicalidade, a sua contestação dos sistemas fraudulentos.
Perguntam-nos se o Movimente Ecológico não ganharia popularidade, não ganharia os bons ofícios dos partidos, se se moldasse, se se calasse a tempo, quando vai denunciar certos escândalos do Biocídio, ou se observasse um pouco mais as conveniências, não se metendo em "cavalarias altas" que só nos enfraquecem (sic).
Quer dizer: perguntam-nos se a melhor forma de consolidar o Movimento Ecológico não será fazer dele o seu contrário, pô-lo a reboque dos sistemas antiecológicos e das formações políticas que servem esses sistemas por "conveniência de serviço".
Estranho convite esse que nos fazem através de uma inocente pergunta: porque nos metemos nós, inquietam-se alguns, numa questão de tanto melindre como é a das centrais nucleares? Porque não observamos a mesma prudência que observam os engenheiros da Junta ou anexos? Porque não nos calamos também como se cala toda a patriótica Imprensa ou não fazemos com ela coro? Porque não dissemos, em suma e também, amen às centrais, ao genocídio das centrais?
De contrário - aconselham as nossos "amigos" - corremos o risco de ficar "mal vistos", de "cair em desgraça", de nos chamarem "facínoras" antidesenvolvimentistas, só porque sustentamos que o desenvolvimento global de um Povo e de um País nunca poderá passar pela ruína (energética, económica e ecológica) das centrais nucleares.
Só porque contestamos a rotina e os lugares comuns, os mitos e os crimes.
Só porque contestamos o imperialismo das centrais e o oportunismo dos que a esse imperialismo se venderam sob os disfarces "humanistas" mais diversos?
Só porque temos na tecnocracia - afine ela à esquerda ou desafine ela à direita - o nosso inimigo público número um suficientemente comprovado?
A resposta a esta pergunta seria fácil: fácil seria o Movimente Ecológico observar silêncio sobre as centrais, ou sobre qualquer outro-escândalo tornado hábito querido das populações envenenadas de slogans.
Até porque, se há campos onde o Movimente Ecológico sabe ter a vitória certa e à vista, é o nuclear: não porque as campanhas anti-nucleares demovam os facínoras de concretizar os seus projectos biocidas, não porque o sistema nuclear dê ouvidos a alguma coisa que não seja o sua própria inércia de estupidez e imobilismo, mas porque o sistema nuclear está a atingir o paroxismo das suas próprias contradições internas (tal como o imperialismo) e um estado de corrosão, de corrupção interna próximo do colapso.
Se há luta que possamos travar com mais alegria e descontração é esta: porque é o campo onde as travões naturais se vão sentir com tal força que quase dispensam a acção voluntarista de militantes e adeptos da resistência Ecológica,
Por tudo isto, era até mais fácil ao Movimento Ecológico calar-se. E fazer amigos entre os tecnocratas da Companhia Portuguesa de Electricidade. E ganhar sócios no corpo de ilustres engenheiros da nossa praça. E não ser olhado com suspeição pelos tecnocratas filiados em partidos progressistas.
Seria fácil, amigos, mas mais fácil seria termos ficado quietos à partida, a ganhar a vidinha como todos fazem, a amealhar poupanças para o automóvel, a comprar casa, a mudar o modelo do televisor, a embonecar a salinha de estar ou a comprar um comboio eléctrico último modelo, mais fácil seria dizermo-nos revolucionários na linha da menor resistência que é a das reformas parciais e epidérmicas do Sistema, mais fácil não sermos o que somos e ter deixado o Movimento Ecológico a outros mais apetrechados acadèmica e até financeiramente
Mas – bolas! - tanto convite ao barriguismo será Revolução? Será isto a austeridade que o País nos exige? Será tanto comodismo e conformismo o que o momento nos pede? Será a estratégia do acomodamento e de não levantar ondas a que o povo português precisa?
Não serão, afinal, as cúpulas, as elites, as classes dirigentes que nos consideram incómodos e impopulares?
Mas, por outro lado e sem gritarmos povo de dois em dois minutos, não estaremos a ser mais populares do que eles todos juntos?

13/Abril/1975
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(*) Este texto – longo e chato – de 1975, e que, segundo os dados disponíveis, terá sido publicado na colecção Mini-ecologia (Nº???), abusa um bocado abusivamente da palavra «revolução» e ainda por cima fala «em nós», um nós magestático execrável. O que, mesmo para o auge da onda gonçalvista, é um bocado demais, convenhamos. Sem desculpa, pois! Irremediavelmente datado (o que também não serve de desculpa), nem como rascunho de um manifesto que não chegou a ser escrito, se poderá gramar. E perdi eu uma tarde inteira de sábado a passar esta preciosidade no scanner! Masoquismo que só visto. – 9/6/2001