1-3 - lumpen-1-ie= ideia ecológica do ac - os dossiês do silêncio – manifesto do lumpen - inéditos e publicados em 1975, 81(*)
Sábado, 26 de Julho de 2003
SOMOS TODOS UMA ESPÉCIE EM VIAS DE EXTINÇÃO(*)
(*) Este texto de AC foi publicado no jornal «A Capital»( Crónica do Planeta Terra), 18/4/1983
Sumário:
- Proteger também a espécie humana
- Para um manifesto do lumpen proletariat
- Para um manifesto do eco-realismo
- Ecologia, luta do povo (CPT, 21/3/1981)
- O quotidiano
18/4/1983 ( in «A Capital») - Se todos os dominados e todas as espécies em vias de extinção compreendessem que travam a mesma luta, o movimento alternativo seria rapidamente uma poderosa realidade.
Se um minuto de consciência súbita colectiva - a que alguns chamam "milagre" - unisse todas as vítimas do mesmo inimigo principal comum, unisse tacitamente todos os que resistem ao ecocídio, ao etnocídio e ao biocídio, o movimento surgiria por si sem precisar de vanguardas.
Se todos compreendessem que não estão sós, o movimento avançaria como uma necessidade vinda das bases.
Era apenas necessário compreender - sentir, intuir - que a luta é a mesma nas várias frentes:
o pequeno agricultor que luta contra a invasão do latifúndio capitalista ou colectivizado;
o artesão que luta, à sua banca, contra o desemprego, a inflação e a conspiração organizada do trabalho proletarizado e proletarizante, a neo-escravatura a que se chama "trabalho assalariado";
o peão que luta para não ser passado a ferro por um tráfego liberalmente destruidor;
o activista que não quer centrais nucleares ;
o objector de consciência que enfrenta os aparelhos da Hierarquia;
o escritor que, por não ter aderido ao sindicato dos virtuosos, morre com uma obra de génio realizada, num asilo, só e desamparado;
o operário da média e pequena empresa, que não pode fazer greve porque a arma da greve é só para os privilegiados das estatizadas e porque a greve numa média empresa significa o desemprego a curto prazo;
a dona de casa que toda a vida trabalhou por três e a quem não foi ainda reconhecido estatuto, porque à direita basta a retórica da família como célula da Nação e à Esquerda não interessa reconhecer um trabalho que evita a proletarização;
o pequeno proprietário rural a quem a Celulose, as Auto-Estradas, o Eucalipto, a Petroquímica, as todo-poderosas Barragens, os Oleodutos da NATO, as Cimenteiras, etc. , pura e simplesmente expropriaram os bens "em favor da colectividade";
o contribuinte que, além de espoliado pelo fisco, passou a ser apenas um número para o Estado que se vangloria de moral e de levar em conta a Pessoa Humana, quando afinal se limita a arrancar-nos pele e a deixar-nos no osso;
o eleitor que apenas serve para depor votos na urna e a quem, antes e depois , os partidos votam o mais absoluto desprezo;
o jovem que na escola é tiranizado por programas absurdos, depois da escola é convidado a empregar-se no desemprego
o doente colonizado por uma medicina que adoece propositadamente, que fabrica doentes, que reproduz consumidores de fármacos, de análises, de operações, de consultas, que estropia e produz à sua conta o maior contingente de deficientes;
SIMBOLOS DA RESISTÊNCIA
A destruição, se entra na rotina, chama-se progresso.
Um lagar de varas ainda a funcionar, na freguesia de Meimão, pode ser um símbolo da Resistência quando a barragem de Meimão vier.
A Aldeia da Luz, no concelho de Mourão, a fábrica de reciclagem de papel, o monumento megalítico de Monsaraz e o monumento romano da Lousa (Luz) podem ser outros tantos símbolos desta resistência à destruição que eles chamam progresso.
A Foz do Dão, outra aldeia engolida pela Barragem da Aguieira é, como foi Vilarínho das Furnas, outro símbolo da Resistência que desistiu.
Os proprietário da área de Sines, expoliados de terras, casas, bens, alfaias, culturas, são outro fenómeno da Resistência Humana ocupada, invadida , a Leste e a Oeste.
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Hermes da Cruz Passarinho vai ficar sem seis dos seus sete prédios, em Meimão, quando vier a barragem" diziam os jornais com o seu habitual jeito de quem debita frivolidades (15.2.1980).
Se a indústria dos louseiros, em Valongo, baseada na ardósia das minas, entrou em crise pura e simplesmente pela concorrência do plástico - e para uso coercivo do papel em vez de ardósia nas escolas... - não vamos acreditar que foi tudo progresso e que era inevitável banir a ardósia dos costumes escolares.
Nunca como agora, em que o frenético desperdício de papel se tornou na corda que nos há-de enforcar a todos, nunca como agora a ardósia podia e devia ser promovida a produção de primeira grandeza neste País de gente mesquinha e estúpida, de cérebros atravessados e lavados por todas as ladainhas dos progressistas da Morte .
A chamada "empresa familiar", da qual o agrocrata fala com tanto desprezo, também não é nada que se conserve em redoma ou meta em vitrine de museu. Ou vive e sobrevive como sector alternativo da sociedade - ou será um bocado do País e da sociedade que morre com cada uma dessas empresas familiares que forem desaparecendo. Que forem sendo exterminadas, porque é disso que deliberadamente se trata.
APRENDER COM OS OUTROS A DIFÍCIL ARTE DE RESISTIR
Numa visão sem preconceitos, penso que podemos e devemos tentar aprender junto de organizações que não tendo aparentemente afinidades com este projecto, são, no entanto, muito mais significativas, enquanto pequeno trabalho reformista dentro da Engrenagem do que supostas e pretensas organizações pomposamente designadas de culturais.
Por exemplo: as corporações de bombeiros, as ordens monásticas e as Casas do Gaiato dão informações de funcionamento muito úteis a uma reaprendizagem da resistência local contra o monopólio da Engrenagem central e das sub-engrenagens centrais.
Os ciganos e suas vicissitudes no seio das sociedades ditas democráticas, são outro exemplo bem flagrante do carácter etnocida e segregacionista dos nossos costumes cristãos.
Eles são outra espécie que resiste . E de tal maneira têm sido, por isso, obrigados a degradar-se que, recorrendo ao último recurso de subsistência, o comércio, esqueceram as suas práticas taradicionais de trabalho e economia de auto-abastecimento.
Quando a retórica pseudo-ecologista apresenta os defensores do ambiente isolados deste contexto étnico - esquecendo que pertencem à mesma raça de explorados, à mesma espécie das espécies em vias de extinção, esquece que a resistência das minorias rácicas é um dos aliados naturais com o qual deviam fazer frente comum. Ecológica ou não.
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(*) Este texto de AC foi publicado no jornal «A Capital»(Crónica do Planeta Terra), 18/4/1983
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1-3- lumpen-2-ie = ideia ecológica do ac - os dossiês do silêncio
Sábado, 26 de Julho de 2003
[palavroso, palavroso, palavroso - por mais que corte ainda fica muito lixo: seria possível dizer em duas páginas o que pensas do «lumpen-proletariado: até é um tema que voltou, com os livros geniais do James Bowen (15.janeiro.2014)]
ECOLOGIA, LUTA DO POVO(*)
(*) Este texto de AC foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 21/3/1981 e, provavelmente, no semanário «Voz do Povo» e no «Diário de Coimbra»
21/3/1981 (in «A Capital») - Defender a vida e o meio ambiente onde se habita, é quase sempre defender a principal das prioridades humanas: a comida, o alimento, a subsistência primária.
O exemplo, recente, vem dos antípodas, mas serve de incentivo, aqui e agora, à nossa luta concreta por um habitat mais saudável, por um ambiente mais livre e limpo.
Notícias de Camberra, dizem que os sindicatos australianos acabam de aderir, em força, à luta dos aborígenes do Oeste da Austrália, que nos últimos tempos têm tentado boicotar a passagem do uma companhia petrolífera disposta a começar, na terra deles, a prospecção desse produto, indispensável à chamada "civilização".
Note-se que, nesta região inóspita do sexto Continente do Mundo, os naturais alimentam-se quase exclusivamente de uns lagartos gigantes, chamados "grandes iguanas", com dois metros de comprimento, alimento que certamente será destruído com as sondagens petrolíferas que a companhia "Amex" ali quer realizar, com a conivência do governo central australiano.
Note-se ainda que estes aborígenes têm a sua própria civilização do deserto, construída há milénios sobre uma secreta sabedoria obtida no contacto com um meio ambiente de incrível hostilidade. Eles, no entanto, têm conseguido sobreviver: e quem vai agora ameaçá-los, após séculos de existência, são os instrumentos e as armas de uma sociedade que se diz civilizada.
O que está em causa, no Ocidente Australiano, e o que motivou a solidariedade total de todos os sindicatos, é evidentemente este facto central: se as prospecções forem por diante, é mais um genocídio e um etnocídio de um povo que esta civilização de petróleo e da morte terá de averbar no seu curriculum...mortem.
Na luta dos aborígenes, estão empenhados também muitos brancos australianos e muitos pastores protestantes.
Afinal, a defesa da vida não compete apenas aos ecologistas. Quando as pessoas decidem tomar em suas mãos essa luta e essa defesa, os ecologistas não têm lá nada que fazer. E ficam a descansar, que bem precisam...
I
OS ÍNDIOS DE MATO GROSSO
Caso idêntico ao que está em curso na Austrália, acaba também de estalar no Brasil, estado de Mato Grosso, por causa da estrada que pretende ligar Brasília a Manaus, esmagando o território índio onde vivem ainda algumas tríbus que os brancos não conseguiram totalmente dizimar. Encontram-se em pé de guerra as tríbus dos índios suia, juruna, caiabi e txucarramos, tendo esta última desencadeado um ataque onde foram mortos onze brancos.
Também neste caso, em que os índios brasileiros não cedem às exigências, ambições e pilhagens do chamado "progresso”, são as forças da igreja que com eles se solidarizam, nomeadamente o Bispo Dom Pedro Casal da Liga, acusado, pelos poderosos fazendeiros, de ajudar os índios na sua resistência contra os cortes de árvores seculares que continuam a fazer-se na região.
Também neste caso, os índios e os bispos que os apoiam, não precisaram dos ecologistas para defender o seu território, a sua floresta, as suas raízes, enfim, a sua cultura ancestral e, mais concretamente, a base da sua subsistência alimentar, da sua vida.
Também os índios de Mato Grosso resolveram, finalmente, não suportar mais as agressões ao seu meio ambiente, enquanto os fazendeiros, que limpam as armas à espera do ataque, vão dando a opinião que têm do povo índio. "Indio é cão" - diz Moacir Prata Ferreira – “Índios são todos escravos, ladrões preguiçosos, agressores: prefiro as minhas galinhas”, acrescenta o rico fazendeiro do centro oeste do Brasil.
Só faltou insultar os índios de serem também, hoje, os grandes militantes ecologistas da Humanidade.
Um banho de sangue pode assim ocorrer, a todo o momento, em S. Félix de Araguaia, onde se encontram reunidas as condições para isso. Mais ou menos condicionados no parque de Xingu pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio), é bem possível que os índios estejam agora dispostos a rejeitar também o paternalismo desta organização, entrando na acção directa. Tudo isto, embora alguns guerreiros índios ainda suponham possível um acordo sobre o traçado da estrada Brasília-Manaus (a famosa BR-080) se lhes for concedida a propriedade "Agropexim" e se for previsto “um parque florestal ao longo do rio."
É este amor dos índios à sua floresta, ao seu rio e à sua terra, que os brancos ricos e poderosos principalmente não lhes perdoam. E por isso limpam armas, à espera da guerra...
A oposição frontal dos índios ao corte das árvores que orlam as margens do Rio Xingu, riquíssimas em caça, baseia-se exactamente nessa razão: se as árvores forem barbaramente cortadas, como se tem estado a fazer, a caça desaparece e os índios ficam sem a sua única fonte de sobrevivência.
Tal como na Austrália o "grande iguana'', a caça é aqui, entre os índios do Mato Grosso, a principal razão das suas inquietações ecológicas, e da sua tenaz oposição a mais um ramo da Transamazónia, essa autoestrada transcontinental que alguém já designou como a "estrada para o abismo planetário".
A luta dos índios, portanto, é pura e simplesmente pela sua sobrevivência, como são sempre aliás todas as lutas em defesa da Vida e da Natureza. Selvagem será quem isto não compreender. Canibal será o que não compreende a razão das outras civilizações diferentes da sua.
OS SINDICATOS BRITÂNICOS
Atitude igualmente assinalável e que demonstra haver uma íntima ligação entre relações de trabalho e defesa ecológica, acaba de ser tomada pelos sindicatos britânicos, através da sua poderosa central, a T.U.C., cuja Comissão Económica decidiu exercer pressão sobre o governo da senhora Thatcher no sentido de este proibir totalmente a importação de produtos derivados da baleia.
Há dois anos, a mesma comissão Económica hesitara nesta atitude, receando que semelhante proibição provocasse desemprego nas indústrias derivadas dos cetáceos. Considerando agora que já não há perigo de desemprego, a poderosa central sindical inglesa lança-se na defesa da baleia, ao lado dos ecologistas, provando assim que a luta pela vida não é incompatível com a luta contra o custo de vida e outras clássicas reivindicações sindicalistas.
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(*) Este texto de AC foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 21/3/1981 e, provavelmente, no semanário «Voz do Povo» e no «Diário de Coimbra»
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1-3-lumpen-3 - os dossiês do silêncio
PARA UM MANIFESTO DO (LUMPEN) PROLETARIADO
6/8/1975 - Zonas existem, na sociedade portuguesa, marginais à sociedade portuguesa, que colocam problemas de indiscutível premência e gravidade mas que os mecanismos partidários em vigor, continuam a ignorar porque saem do âmbito do seu jogo.
Essas enormes "manchas" humanas continuam, como sempre estiveram, no desconhecimento total do resto dos portugueses. Antes do 25 de Abril, os "intocáveis" do gueto, os marginais deste subproletariado eram tabu para a Imprensa, o fotógrafo estava proibido de bater chapa nos bairros da lata e ninguém, dos escribas, podia ou ousava falar dessa espécie de lepra social.
Depois do 25 de Abril, a catadupa de comunicados, discursos, notícias, protestos, reivindicações, conferências de Imprensa, associações de amizade com os colonizados de outros mundos (excepto uma Associação de Amizade com os Colonizados de Portugal), as personalidades estrangeiras importantes, os governos meio-provisórios e que vão caindo em ritmo regular, etc, eclipsaram de novo como por magia, o que eclipsado e na sombra já estava há muito , marginaram o que marginal já era, tornaram mais tabu o que tabu já vinha sendo.
Ciganos, velhos sem reforma ou reforma de 25$00 mensais, profissões sem dimensão económica (barbeiro, engraxador, vendedor ambulante, ferreiro, feirante, pedinte, carpinteiro, etc,) internados em asilos psiquiátricos ou não psiquiátricos, crianças sem família, são apenas alguns exemplos dessa "zona proibida" que recebe todos aqueles que a sociedaderejeita .
Não surgem à luz do dia, o sol não é para eles e ninguém jamais se ocupa em falar deles, em falar em nome deles, em formar com eles um partido. Nem partidos da classe operária, nem partidos da burguesia, nem partidos da direita, nem sindicatos e comissões, nem leis e serviços, nada nem ninguém, incluindo a Imprensa, incluindo a Literatura, se ocupa disso,
Essas camadas subproletárias não têm qualquer estatuto humano ou social, profissional ou político. Estão fora do quadro , do jogo, do plano e dos planos. Nem estatuto de morador, nem estatuto de trabalhador, consumidor, sócio de clube recreativo ou desportivo, nem militante sindical. Não têm sequer cartão de identidade. Por isso não podam ter sequer cartão de "vagabundo”.
São verdadeiramente homens, mulheres e crianças à procura da sua identidade. Talvez como o negro do gueto norte-americano. Talvez como o africano da floresta virgem. Talvez como o porto-riquenho e o chinês dos bairros de Nova Iorque. Formam todos, ao fim e ao cabo, uma família que se ignora e que ignoramos. Que, confortavelmente, ignoramos.
São aqueles de que ninguém fala e de que ninguém quer ouvir falar. Por isso, em rigor, nem sequer se pode dizer que são seja o que for...
Muito menos tem essa maralha estatuto de "cidadão eleitor". Ninguém daí lê jornais. Jamais alguém daí viu televisão. Ninguém daí sabe, sequer, que houve eleições e que houve um 25 de Abril.
Mortos-vivos, já quase não respiram (embora o seu alimento , de há muito tempo, seja o oxigénio), apenas vegetam e têm primários tropismos motores, apenas se locomovem vagamente entre uma e outra parede dos "muros do asilo".
Esse tipo de "animal", portanto, pode habitar em bairros de lata, mas pode também subsistir na grande cidade, no desvão, na escada, na cave subterrânea, no que resta do espaço disputado aos ratos e às baratas. Esse tipo de "selvagem", de bicho exótico pode ser visto a beber, na pastelaria do Bairro Alto, a beber o seu café com leite com um bolo de arroz, um dos que ele costuma ingerir de dois em dois dias(lauto jantar).
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Por tudo isto, fica claro que estas "partes vergonhosas" da ordem social são espinho cravado na consciência pequeno-burguesa. São o remorso e a má consciência dos chamados partidos da classe operária. São a nódoa de azeite que democratas e sociais-democratas, quadros e técnicos, mandam limpar na lavandaria.
Toda essa "gente" é aquela gente que nunca veio nem virá no semanário "Gente". É aquele substrato de subgente e de subproletariado que nem sequer o romancista neo-realista tocou ou quer tocar. Nem com pinças desinfectadas, o escriba lhe pega.
É malta que não discute com o patrão - porque nunca teve patrão.
Que não reivindica salário - porque não sabe o que isso é.
Que tem efectivamente maneiras de subir na escala social, maneiras que podem ser:
- atestado de indigente na Misericórdia do Largo;
- assalto de ourivesaria ou loja de electrodomésticos à mão armada;
- chulo da varina da Ribeira ou da "girl" do Máxime;
- "arrebenta" que ronda o Parque Eduardo Sétimo para extorquir ao pederasta o relógio e o anel.
Estes são os que sobem na vida e regra geral nem a polícia lhes põe a mão em cima. No meio dos outros, estes são, afinal, reis, têm classificação e, se vão dormir uma noite aos calabouços do Governo Civil. Passa a ter o estatuto de energúmeno, o que é uma promoção.
No entanto, a vida quotidiana das cidades e subcidades, é uma latrina a céu descoberto.
Se a vida quotidiana portuguesa - para além de ser um manicómio colectivo - é um esgoto fedorento, a essa fauna dos esgotos se deve em grande parte. Mas ninguém os responsabiliza por esse "mau ambiente, porque seria denunciar-lhes a existência' conferir-lhe estatuto.
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Pergunta: já viram alguma notícia em que os carpinteiros reivindiquem férias e abono de família?
E das costureiras: já algum partido, já o Movimento Feminista se ocupou das costureiras (eu disse "costureiras", nada de confusões)?
E dos sapateiros? Quem falou jamais dos sapateiros deste País?
E do pastor de cabras?
E, à excepção da vedeta Rosa Ramalho - na qual se exorciza a nossa raiva contra o trabalho não industrial - quem fala do artesanato pobre, do cesteiro? Quem os leva ao Mercado do Povo, que SNI de ontem ou INATEL de hoje lhes dá apoio?
A propósito de ócios e tempos livres, em vez de campo de férias, de camping ou caravaning, esses out-siders têm as suas reservas ou campos de concentração onde permanentemente se encontram em estância de férias.
E a mãe de família? A mãe que, apenas doméstica, não tem nem teve jamais profissão de fabrica, balcão ou escritório? Quem se ocupa dessas cabeças de casal?
Quem já analisou, de uma perspectiva marxista-leninista, essas mães de portugueses dados de bandeja ao fascismo? Ou essas mães não têm enquadramento marxista-leninista?
Eis, para um marxista, a terrível suspeita. É que esses vermes dos esgotos , não tendo classe, não podem dar "luta de classes". No entanto, há extensas camadas de população (numericamente importantes) que, suportando todo o peso e pesadelo do fascismo como alicerces dele, não têm agora chance de entrar no quadro da Revolução.
Já viram, a subir o elevador da Glória, onde conta os cinco tostões do bilhete, tostão a tostão, um estropiado atado em trapos? Acham que a Misericórdia se ocupa dele? Acham que ele terá cumprido, ao menos, as suas obrigações sociais e terá atestado de indigente, estatuto de pobre?
Ladrão, pedinte, vagabundo, "clochard" são ainda, no contexto dos abomináveis, seres, por antítese, (anti-)sociais. Sendo anti-sociais são, por isso, dialecticamente sociais. Mas os outros que nem nem anti são? Que estão antes da sociedade? Que estão debaixo da sociedade?
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Uma operante, pujante sociedade de consumo, pensa acima de tudo na produção e na batalha da produção, no sindicalismo e na luta de classes, no patrão e no operário.
A ordem social, a democracia, o governo, o comício, o jornal de partido, pensam, sempre, - remanescentes que são da exploração capitalista e da cultura burguesa-capitalista - na produção e nos que produzem. Só este, produtor, trabalhador, operário, tem direitos e direito à vida e à comunicação, à luta, à Revolução.
Ora o improdutivo por condição, as idades ou condições improdutivas como a criança, o velho, o inepto , o incapaz ou deficiente (motor, visual, físico ou psíquico) , o definitivamente irradiado da produção, o desintegrado, nenhuma teoria o integra.
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Pasolini meteu alguns deles, devidamente poetizados e liofilizados, nos livros. Mas nos filmes, acabou por desistir. Dava fita repugnante, desistiu e dedicou-se para fins de exportação ao género adaptação de clássicos.
Jean Genet foi santificado por Sartre e não sei o que lhe aconteceu para além de páginas douradas adoçando a pílula da abjecção.
Artaud traçou o manifesto da Crueldade e da Crueza, Albertine Sarrazin e Violette Leduc ficaram de pedra, imóveis, nos seus livros de pedra, Danilo Dolci teima em interrogar a subgente e os desertados de Palermo. E houve entre nós um escritor, João Carreira Bom, que escreveu um livro intitulado "Subgente."
A pergunta é: estará esgotada, para o papel e a esferográfica, esta mancha escura do mapa humano português? Que esperam os candidatos a escritores ? Afinal, que estamos aqui a fazer? ■