quarta-feira, 4 de março de 2009

ECO-MILITANTE 1980

1-2-jornalista-1-IE> temas recorrentes – unideologia

NOTÍCIAS DO PLANETA TERRA

Quem irá acreditar que uma tartaruga gigante aparecida numa praia do Norte de Portugal tem a ver com o poço de petróleo que derrama desde o dia 23 de Junho no Mar das Caraíbas e que derramará até à eternidade?

1980+-

1 - Sabendo-se que uma agência noticiosa como a France Press irradia de Paris uma média diária de 450 telexs, e sabendo-se que só uma quarta parte dessas notícias são traduzidas e retransmitidas para os órgãos de Comunicação portugueses que, por sua vez, reproduzem em média um por cento dessa centena e meia de telexs, temos um exemplo elucidativo da Informação que chega à opinião. E trata-se apenas de um estrangulamento, dos muitos que se verificam no circuito que vai dos factos à população. Estrangulamento que respeita o aspecto da quantidade sem falar dos muitos que, no plano da qualidade, podem canalisar, manipular, orientar e censurar notícias, dos mil e um processos (subtis) que há para deformar ideologicamente um facto que aparece aos olhos do leitor como um dado aparentemente neutro e objectivo.

2- Sabe-se que o noticiário desperdiçado, diariamente, cobre áreas de informação consideradas obviamente menos prioritárias; mas o critério que decide sobre a prioridade dos problemas é , por si só, o critério do poder ideológico dominante; por outro lado, os órgãos de informação afirmam dar ao público o que este quer, mas este quer exactamente aquilo que foi levado a querer (e a crer) pelos órgãos que o manipulam.
A informação está assim dominada, em tempo e em espaço, pelo que se consideram os assuntos importantes a que ocasionalmente se juntam áreas secundárias; a maior parte das notícias incluídas nesta área "secundária" dizem respeito à crise, dia a dia agravada, do Planeta Terra.

3 - Sem entrar por agora em mais pormenores, um dado se torna indiscutível: não sabemos praticamente nada do que se passa com a Doença da nossa Mãe Terra, pois a maior parte das notícias (sintomas) que nos podiam ajudar a definir um diagnóstico-prognóstico não chegam ao limiar da Informação Pública.

4 - Mas ainda que chegassem e ainda que este aspecto quantitativo não fosse o primeiro a definir um estado informativo de grau zero, outros factos podem elucidar-nos sobre a distância a que o leitor comum se encontra da realidade; especialmente da realidade ecológica, que não é o vulnerável ao imediatismo dos chamados pontos quentes do globo, com os quais aliás a maioria dos órgãos de Comunicação Social preenche totalmente, os espaços e tempos de antena que escapam à publicidade. Porque é a informação publicitária que, em primeira instância, determina tudo o resto: às vezes, mesmo, a qualidade.

5 - Ainda que a informação fosse dada em quantidade suficiente, outros problemas de leitura critica (ecológica) desses factos se colocam.
Separados no tempo e no espaço, a maior parte dos acontecimentos ocorridos na Natureza não são relacionados pelo observador como elos da mesma cadeia, partes do mesmo sistema (ecossistema).
E (por exemplo) o surto de ratos e mosquitos em Toledo, horas depois de ser desviado o curso do Tejo, não será compreendido (lido) como uma relação ecológica de causa-efeito.
Se curiosidade científica é a que liga sempre o efeito à causa, digamos que ela não é apanágio dos técnicos e especialistas que se definem exactamente por nunca fazerem a relação entre causa e efeito. O único a fazer metodica e sistematicamente essa relação é acusado de inimigo da ciência e do progresso.

6 - Dezenas de relações entre efeito e causa passam portanto despercebidas:
1°- Porque os "elos" da cadeia não são, na maioria, noticiados;
2°- Porque, mesmo que fossem, o nosso aparelho mental de percepção está longe de ser um mecanismo eficaz de leitura dos ecossistemas, uma inteligência suficientemente elástica e viva para acompanhar a dialéctica incessante da Natureza e da Vida em geral.
Somos incapazes de relacionar, sistematicamente, as partes ao Todo e de pensar simultâneamente. Levar-nos-ia longe a análise deste mecanismo viciado, basta por agora verificá-lo: é um dos obstáculos de fundo à Informação Ecológica minimamente correcta.

7 - Mas vamos admitir que as notícias eram dadas e eram, por alguns, verificadas na sua inter-relação ecossistemática. Falta saber se alguém iria acreditar no inacreditável. Quer dizer, na vertigem e velocidade com que a Doença da Terra caminha. O Cancro Galopante do Planeta difìcilmente pode ser analisado por mecanismos estáticos de observação. Seguir o ritmo da Destruição Ecocida é, acima de tudo, uma obra de intuição: o raciocínio chega sempre atrasado, quando chega.
Quem irá acreditar que uma tartaruga gigante aparecida numa praia do Norte de Portugal tem a ver com o poço de petróleo que derrama desde o dia 23 de Junho no Mar das Caraíbas e que derramará até à eternidade?
Este carácter de inacreditável do Nosso Tempo, de facto complexo, é outro obstáculo à Informação Ecológica Urgente.
- - - -
(*) Este texto, publicado no nº 4 da «Colecção 100 Dias», edição da «Frente Ecológica» (100 exemplares de tiragem) é claramente inspirado na experiência que ele viveu a traduzir telegramas na redacção portuguesa da France Press, seis horas por dia, indo depois fazer outras seis no jornal «Portugal Hoje», onde estava empregado por favor do João Gomes. A simultaneidade dos sismos e dos rebentamentos subterrâneos de bombas termonucleares, foi confirmada pelos noticiários que, enquanto traduzia, se viam ilustrados num mapa mundi que ele tinha mesmo à frente dos olhos.

Sem comentários: