quarta-feira, 10 de novembro de 2010

ECO-REALISMO: IVAN ILLICH E MICHEL BOSQUET





1-5-segunda-feira, 14 de Outubro de 2002- pronto a editar on line – com pouca censura – parece um texto impecável e até decente – a tese póstuma, sim senhor – dossiês de convergência holística, ok

5 páginas - inédito de 1977 - antecedentes da hipótese vibratória- capítulo do livro principal

CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA: ETAPA DA CONSCIÊNCIA CÓSMICA

1977 - O mundo em geral, animado e inanimado, apresenta-se com uma forma e um comportamento em tudo semelhante ao mundo particular da vida e dos seres vivos.
Este é o salto qualitativo que uma leitura ecológica da realidade implica.
A leitura ecológica da realidade não visa especialmente escandalizar o burguês, embora também não veja inconveniente nisso: mas pode acontecer que escandalize mesmo, ao considerar, por exemplo, dois dos autores mais radicais do ecorealismo - Ivan Illich e Michel Bosquet - pouco menos que reformistas.
Quererá isso dizer que uma leitura ecológica da realidade obriga a pôr postulados e a dar saltos muito mais mortais do que os da convivencialidade, da autogestão, da autoregulação e da autosuficiência?
A ecologia ou dimensão biológica não entra ainda no discurso de ecopolíticos como Michel Bosquet e Ivan Illich. Tudo se passa e resolve exclusivamente em termos de relacionação social: o radicalismo de Illich e Bosquet só é ecológico porque o rearranjo da sociedade que eles propõem pressupõe que a vida, os seres vivos e todo o fenómeno vivo irá indirectamente sofrer alterações com essa mudança.
O que se propõe com uma leitura ecológica da realidade é um postulado muito mais ambicioso:
a) Que cada indivíduo seja entendido como um ecossistema
b) Que cada ecossistema seja entendido como um indivíduo, um corpo organizado, um mecanismo orgânico, uma ...pessoa
c) Que cada pessoa ou ecossistema seja considerado apenas uma célula do corpo ou ecossistema global chamado universo.
Talvez se classifique esta hipótese de trabalho como organicismo, pan-vitalismo, retorno a Taine, metafísica, fundamentalismo, etc.

DIAGNÓSTICO SEM TERAPIA

Fazer o diagnóstico não será, no entanto, propor a cura.
Em criança, pensa-se que o termómetro é que faz baixar ou subir a febre... Ainda hoje muitos adultos pensam que o diagnóstico já é a cura.
Se a leitura ecológica da realidade torna essa realidade (opaca, brutal e absurda) apenas um pouco mais legível, já é alguma coisa mas não é ainda a terapia da doença.
Sem mais exigências, pois, do que ser um método de diagnóstico, a ecologia humana dá um primeiro passo para que as terapias políticas possam avançar.
Os partidos têm agora o hábito de, aos fins de semana, realizarem uma «análise política da situação». É um método de diagnóstico como outro qualquer.
Tal como Freud nunca teve coragem de se autopsicanalizar, aplicando apenas e sempre aos outros a sua invenção, eis que os partidos padecem da mesma imodéstia, do mesmo «complexo de Freud»: excluem-se eles próprios da (psic)análise.
É como se os partidos - e Freud - postulassem a omnividência divina do diagnosticador, a sua impecável objectividade, o seu estado absoluto e permanente de saúde.
Como Freud e a medicina em geral, o médico age como Deus fora do mundo que analisa e diagnostica. Nunca se inclui como doente entre os doentes deste mundo. Até Einstein descobriu que o investigador é indissociável da investigação.
Eis porque uma leitura ecológica (ou ecoanálise) é diferente de uma psicanálise ou politicoanálise: o observador, investigador, analista ou diagnosticante inclui-se no contexto analisado, susceptível portanto de estar contaminado da mesma patologia. Estamos todos neste aquário, neste frasco de álcool: respiramos o mesmo irrespirável fluido ambiental.
De uma maneira geral , a doença é comum e os sintomas individuais não devem ser mais do que sinais a remeter-nos sempre para a doença. Quer dizer: para o ecossistema na sua generalidade e globalidade.

A MALHA TÂNTRICA

Corpo doente, a sociedade apresenta (também) os seus sintomas.
Uma leitura ecológica da realidade social, portanto, postula a existência desses corpos ou ecossistemas, susceptíveis de adoecer ou morrer como os indivíduos chamados homens.
E trata de interpretá-los para tentar saber de que doença principal sofre o ecossistema maior: e de que maneira se articulam as doenças dos vários ecossistemas, entrelaçados entre si, tal qual os fios de uma malha (tantra).
Uma leitura ecológica da realidade distingue-se da romântica convivencialidade (convivialidade) proposta por Ivan Illich e seguida por Michel Bosquet, em vários aspectos fundamentais:
a) O diagnóstico deles é, como o do médico, unilinear e acredita que há uma só linha que vai da causa ao efeito, da patogénese à patologia;
b) O ecodiagnóstico postula que ontem, hoje e amanhã estaremos sempre mergulhados num continuum, ora mais ora menos poluído, ora mais ora menos asfixiante, ora mais capitalista ora mais socialista, ora totalitário ora liberal e que a única coisa a fazer é sabermos de que doença sofremos: não termos nunca a petulância de considerar que alguma vez existiram, existem ou existirão ecossistemas totalmente sãos, quer dizer, em absoluto equilíbrio ou em equilíbrio estático;
c) Com a ecoanálise (ou leitura ecológica da realidade) cessa o aleatório de um presumível futuro, o messianismo do reformador, do apóstolo e do revolucionário, para ficar apenas o (eco) realismo do que existe em perpétuo movimento mas, por isso mesmo, sem mudança;
d) Sendo o pesadelo de ontem igual ao de hoje e ao de amanhã, a politicoterapia possível é a do instante. Quer dizer: seja qual for o ambiente, devo imunizar-me permanentemente, procurando muito menos mudá-lo do que encontrar eu próprio a maneira de a ele resistir ou de com ele conviver;
e) Seja qual for o status - estado totalitário de hoje ou repúblicas autogestionárias de amanhã - o que importa já para um entendimento imediato, quer dizer, ecológico da realidade é estar biofisicamente imunizado a ele.
E isto é que é tudo.

SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS POR TUDO

Esta trama, este continuum, esta malha sem fim de causas-efeitos-causas, eis o que o nosso instinto de conservação rejeita com um certo mau-humor, porque nos recusamos fundamentalmente a considerar responsáveis por tudo o que acontece, porque tendemos a ilibar-nos da violência, do ódio, do sofrimento que varre, como um vendaval de inferno, o mundo.
A política, neste contexto, é a arte de encontrar bodes expiatórios das nossas próprias culpas.
A tal ponto os nossos mecanismos de autodefesa estão bem montados, que rotulamos de metafísica qualquer tentativa para mostrar a evidência: que tudo se liga a tudo, que tudo depende de tudo, que todos somos responsáveis de tudo, que todos criamos tudo o que nos acontece.
Tudo é energia. Tudo é infinito e eterno. Tudo existe sempre.
Por isso criamos uma infinita piedade pelo nosso ego. Inventamos mil argumentos para o desculpar.
Afinal - que injustiça! - porque nos atinge a inflação, o desemprego, a doença, o cancro, o defeito físico, o desastre, o acaso, o destino, a sorte?! Se eu fui sempre tão bom, tão bem comportado, tão esmoler, tão amigo das crianças e dos pobres, dos velhos e dos animais, porque sofro tanto, porque tenho tanto medo, porque sou tão perseguido?
Assim raciocina o nosso ego.
O nosso ego é não só a afirmação de auto-orgulho mas uma tentativa permanente para ilibar e encobrir a nossa condição totalitariamente condicionada. Para encobrir a evidência de que estamos condenados à Eternidade.
A nossa condição é totalitária e a este totalitarismo há quem chame karma. O nosso ego inventa então um mito chamado liberdade para esquecer aquela temível evidência totalitária. Um mito chamado livre arbítrio.

NASCER PARA A VIDA É NASCER PARA A MORTE

Nada do que acontece é por acaso, toda a desordem acontece porque há uma ordem infinita do infinito universo. Tudo acontece porque todos ajudamos a que aconteça.
Quando se diz nós, digo o corpo infinito e eterno do qual somos hoje apenas um momento, apenas uma célula, corpo que vai para trás até à eternidade e caminha para a frente até à eternidade.
A esta realidade puramente física chamam metafísica os homens assustados que recuaram ao saber que estavam condenados a ser para sempre. Inventaram a morte. Inventaram o suicídio.
Inventaram narcóticos e alucinogénicos. Inventaram a política e o xadrez. Inventaram o cinema e o futebol. Inventaram palavras - metafísica, religião, mito, misticismo - com que pretendem exorcismar a responsabilidade de ser (mos) não um ego ou ilha separada do todo mas a consciência do todo ou eu total.
Por isso talvez não haja exagero, face a este extremismo fundamentalista do óbvio e do evidente, considerar ecoreformistas um Ivan Illich, um Michel Bosquet.
Desde que se cai na rede, desde que se nasce para a vida (que é nascer para a morte como avisavam os cátaros, que por isso foram perseguidos como heréticos), desde que se entra no processo de putrefacção ou de-composição chamado mundo, desde que nos empurram para a caverna platónica chamada existência, todo o gesto ou acção com que se pretende amortizar o sofrimento irá, a curto ou médio prazo, agravar ainda mais esse sofrimento ou karma.
Irá internar-nos mais na caverna das sombras.
Uma vez enredado na inextricável trama chamada realidade, mundo, natureza, meio ambiente, ordem do universo, qualquer veleidade de sair significará sempre e cada vez mais o (afundamento no) caos, a doença, a violência instalada e instaurada, o absurdo em movimento, a infecção generalizada.
Desde que se entre, nunca mais é possível sair. Daí que os mitos de libertação, da evolução, da redenção andem a par com os mitos do futuro, do ideal, da salvação.
Uma vez enredado na malha, o bicho homem projecta na caverna a sua sombra e chama-lhe ideais (idola tribu lhes chamou Francis Bacon): Paz, Saúde, Felicidade, Justiça, Amor, eis a galeria de grandes palavras que cristalizam na mente humana as suas próprias sombras mais temidas. A utopia e o vício de sonhar ou idealizar caracteriza sempre a escravidão de facto.
Prisioneiro da caverna, o homem sonha que no futuro, sempre no futuro, verá o sol e a luz, sonha com jardins do paraíso, com o Eden de Adão e Eva, com o Jardim das Delícias, enfim, não faltam, nas mitologias douradas, de ontem e de hoje, referências constantes à utopia.
Realismo será a posição búdica que reconhece a queda, a escravidão, a caverna, a ilusão das ilusões ou sombras.
Realismo é saber que quanto mais esforços e acções se fizerem para sair do buraco, mais fundo nele ficamos.
O que uma ordem iniciática propõe é apenas a hipótese realista para encontrar a porta de saída da caverna, recuando em relação às sombras em vez de paroxisticamente nos colarmos a elas pelo cultivo da acção, pelo cultivo do ego, pela crença de que se chega mais depressa fortalecendo a vontade de chegar.
O esforço iniciático é uma pausa nesse paroxismo da vontade, uma retirada estratégica do foco infeccioso - o mundo das relações profanas ou ilusões - um recuo na orgia da acção que dê possibilidade de avançar na in-acção ou desfazer de mitos, ilusões, fantasmas.
Palavras-chave deste texto:
Caos
Caverna platónica
Continuum
Convivencialidade
Convivialidade
Ecoanálise
Ecopolítica
Ecossistema
Ego
Equilíbrio estático
Eternidade
Física e metafísica
Imunidade ortomolecular
Carma
Leitura ecológica do real
Malha de causas-efeitos
Metáfora orgânica
Mito da liberdade
Omnividência
Ordem iniciática
Politicoterapia
Rede
Tantra
Utopia

Autores citados:
Francis Bacon
Freud
Ivan Illich
Michel Bosquet
Platão
Taine

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