domingo, 14 de dezembro de 2008

HÁ JÁ 29 ANOS

1-2 - metas-2-eh-ie> - retrocessos do progresso

OS SINTOMAS DA DOENÇA(*)

[22/6/1979] - Não são acidentes, acasos, acontecimentos fortuitos e sem ligação uns com os outros. O que se está passando, com frequência sistemática, são manifestações sintomáticas do Sistema que, moribundo, exibe as suas mortais contradições e exala os venenos, tóxicos, poluições, incêndios que dentro de si acalentou.
Durante muito tempo - e porque os sintomas eram relativamente distanciados no tempo e no espaço - o sistema conseguiu encobrir, fingindo que não notava. Agora, não há praticamente um dia sem desastre, catástrofe ou acidente, a excepção tornou-se sistemática. É a rotina do Ecocídio.
Um poço de petróleo, no golfo do México, derrama desde o dia 3 de Junho, trinta mil barris por dia no mar, não se sabendo quando e se se poderá apagar este incêndio. As hipóteses que se aventam são tão tímidas, que denunciam imediatamente uma inviabilidade de fundo: ainda que viável, só daqui a três meses, na melhor das hipóteses, poderia estar pronto um outro poço, à distância de 80 metros, que diferisse o petróleo do primeiro... Operação demasiado complicada e morosa para que alguém acredite nela.
E até se esgotar, petróleo e gás vão espalhar-se no mar das Caraíbas, não se ficando por aí, evidentemente, já que o oceano é uma unidade e não há divisórias nem fronteiras. Se não é o fim, é um sinal bastante esclarecedor do fim. E não são as tentativas desesperadas, por parte do sistema (informação incluída), de minimizar as dimensões colossais deste derramamento, que o tornam menos assustador e menos ameaçador.
A 28 de Março passado, o acidente de Three Mile Island é uma data que não esgotará tão cedo as suas implicações e repercussões. Mau grado os esforços para o minimizar, para o recuperar a favor do sistema, e principalmente as tentativas para o isolar como facto singular (quando é todo o sistema nuclear dos Estados Unidos que está em panne e, onsequentemente, todo o sistema nuclear mundial), Three Mile Island é mais um nítido sinal de apocalipse, a evidência indiscutível de que se foi longe de mais. Recuar, agora, será possível? Ou já será demasiado tarde e as «bestas do apocalipse» sabem muito bem (tão bem como os ecologistas) que, não dominando a engrenagem, só resta agora ir arrastado por ela até ao fundo do abismo?...
Também o «dc-10» que se esmagou no solo com 275 pessoas a bordo e que fez, no aeroporto de Chicago, o maior acidente da aviação civil norte-americana, accionou consequências em cadeia que estão longe de ter terminado e que, mau grado os esforços para as minimizar, lançam sobre a sociedade tecnológica mais uma sombra negra de pesadelo e retrocesso. .
Não é só a poluição que anuncia o «crack». A poluição é apenas um dos sintomas da Doença. A poluição não é a única consequência do crescimento infinito. Um parafuso de avião ou uma bolha de gás que esteve prestes a explodir na torre de refrigeração de Three Mile Island são indícios mais importantes da grande doença que mina a Terra. Da crise ecológica.
Além de fingir que não nota, de tentar sempre mostrar o acidente como um incidente (mais um), outro ardil comum é, como disse, isolá-lo para parecer que é algo de singular e único.
Mas ainda mais subtil e frequente é dar todos (mas todos) estes sinais do fim ou ecos de «débacle» como «imperfeições do sistema» (que a ciência e a tecnologia se encarregarão de aperfeiçoar), doenças de infância naturais da «evolução científica e tecnológica».
Ora não se trata de moléstias infantis, mas de sinais evidentes não só de sensibilidade e esgotamento mas de apodrecimento. Não se trata de erros passageiros que mais ciência e mais tecnologia irão emendar mas de erros estruturais ao próprio sistema tecnológico e industrial tal como ele se desenvolve na engrenagem do crescimento infinito.
É o crescimento exponencial e logarítmico que todos estes acidentes denunciam na sua estrutural violência. E que totalmente põem em causa.
O facto de o sistema continuar a rolar, por mais poços de petróleo em chamas, por mais «dc-10» que se esmaguem no solo, por mais acidentes e incidentes verificados em centrais nucleares, significa que ele não quer nem poder parar. Mas não será isso que o isenta de culpas maiores no extermínio da Espécie e da Natureza humanas.
Engrenagem que ainda por cima só sabe cantar, triunfalisticamente, o extermínio de que é autora, leva os dias inventando anos internacionais da criança ou brancas pombas de paz e Helsínquia, dizendo que descobriu novas técnicas que vão beneficiar imenso os intestinos da Humanidade sofredora.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com este título, no jornal diário «Correio da Manhã»( Lisboa), 22/6/1979