terça-feira, 3 de agosto de 2010

RENÉ DUMONT 1975


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1-11-dumont-md-1-4- sexta-feira, 7 de Novembro de 2003- e a entrevista com dumont, onde está, afonso?
1-2 - 75-11-00-ie-ed- encontros e desencontros do afonso-quarta-feira, 23 de Abril de 2003-novo word
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UM TECNO-AGRÓNOMO PARA RECICLAR - RENÉ DUMONT ESTEVE EM PORTUGAL [Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal (por ele dirigido), «Frente Ecológica», Nº 3, Novembro de 1975]

A convite do Ministério da Agricultura, René Dumont esteve em Portugal, andou a ver da Reforma Agrária, disse que sim, disse que não, e, no final de contas, falou com personalidades do meio ministerial, botou sentenças, disse que tínhamos de produzir para não passar fome, etc...
Dumont tornou-se de agrónomo oficial em coqueluche de certos meios ecológicos e ecopolíticos franceses, quando, aqui há ano e meio, em Maio de 1974, alguém teve a ideia de o propor para candidato à presidência da República pelo Partido Ecológico.
Resultou daí que não foi eleito para Presidente da República, como está bem de ver e de prever, resultou daí alguns milhares de votos rapinados ao senhor Mitterrand e resultou daí o sorriso auto-suficiente de muita gente que quando ouve falar de Ecologia pensa isso ter alguma coisa a ver com poluição.
«Utopia ou Morte», título de um livro de René Dumont, herdado do Maio de 68, foi um dos slogans da campanha eleitoral, que se saldou, afinal, por uma propaganda intensiva de alguns postulados ecológicos e a denúncia de alguns escândalos mais escandalosos ficando a opinião pública com um contra-veneno eficaz para fazer face aos venenos dos outros partidos não ecológicos nem pouco nem mais ou menos.
Muita gente, desde então, cá e lá, começou a falar de Ecologia, embora até aí dissessem que não. Não foi agora o Movimento Ecológico Português havido nem achado para a visita do senhor René Dumont mas também não era preciso.
Ninguém nos convidou para um drink com o senhor René Dumont, mas agricultura com pesticida o Movimento Ecológico também não toma.
Há ano e meio aceitou René Dumont o papel de catalisador, mas cada vez mais se verifica que a sua vocação é de agrónomo com  adubos químicos, do que propriamente uma vocação ecológica radical.
Quer dizer: agricultura sem adubos químicos nem pesticidas, agricultura de reciclagem e de fertilizantes orgânicos, agricultura de independência nacional, em suma, não se ouviu. O que o senhor René Dumont preconizou era que continuássemos a importar adubos e pesticidas, pois o petróleo vai aumentar outra vez e outra vez teremos que pagar os adubos e pesticidas mais caros do que ouro.
O que René Dumont veio dizer a Portugal, poderia tê-lo dito qualquer outro especialista da F.A.O., da O.C.D.E. ou do Mercado Comum, quer fossem arrependidos ou não do estilo Sicco Mansholt.
Pouco menos mau ou pior do que Sicco Mansholt, o agrónomo Dumont ainda acredita que a fome será vencida pela cada vez mais violenta violentação das leis biológicas, orgânicas e naturais da ecologia dos solos. Quer dizer: ele preconiza a fartura defendendo a esterilidade e o deserto.
Ecologia foi um ar que lhe deu. Mas René Dumont é, apesar disso, autor de livros respeitáveis onde denuncia a sociedade de consumo e propõe modelos de Economia verdadeiramente revolucionários, quer dizer, de reciclagem.
Em comparação com os doutrinários da F .A.O., Dumont até faz figura de avançado, mas cada vez mais se reconhece nele que a circunstância de ter presidido, em Maio de 1974, à candidatura pelo Partido Ecológico, foi uma circunstância fortuita, efémera. Sujeito de pouca confiança para a Ecologia Radical, bem nos tinha avisado disso o semanário “La Guele Ouverte», quando contestou posições reformistas do mesmo Dumont.
Recomendamos o seu último livro traduzido em português - Utopia ou Morte - desde que seja lido com cuidado e critério de distanciamento crítico. Nem tudo é para desperdiçar nem para deitar no lixo. Reciclemos então...


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CONTRA A ECONOMIA DO DESPERDÍCIO PELA ECONOMIA DA ECONOMIA Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal( por ele dirigido), «Frente Ecológica», Nº 3, Novembro de 1975
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OS TRIUNFALISTAS DA MISÉRIA(*)

(*) René Dumont, O Crescimento da Fome, trad. de Vítor Oliveira, col. «Senso Comum», Editorial Vega, 1977

Ou nos lançamos nos braços dos "tecnocratas competentes", como gosta de dizer o Prof. Delgado Domingos, ou morremos à fome.
Esta parece ser a tese defendida por autores como René Dumont, em livros como «O Crescimento da Fome» recentemente editado em português, como se: de qualquer modo, não acabaremos mesmo por morrer à fome; como se o Terceiro Mundo não tivesse morrido sempre à fome e não continue a morrer; como se estivéssemos agora a nadar em abundância e a miséria fosse algo que nunca por aqui tivéssemos conhecido.
Esse ultimatum, (de que René Dumont se faz eco e alguns outros "tecnocratas competentes", simpatizantes (nas horas vagas) dos ecologistas e dos movimentos ecológicos, só pode ser lançado por uma burguesia farta que efectivamente teme a fome e ser lançada na penúria.

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FOME NO TERCEIRO MUNDO É UM DESASTRE ECOLÓGICO(*)

 EM CADA MINUTO DESAPARECEM VINTE HECTARES DE FLORESTA

 RENÉ DUMONT, CONHECIDO ECOLOGISTA FRANCÊS, QUE SE ENCONTRA EM PORTUGAL, AFIRMA-SE ACTUALMENTE UM MILITANTE TERCEIRO-MUNDISTA

[(*) Este texto de Afonso Cautela, entrevista com René Dumont, foi publicado no jornal «Portugal Hoje», 17-2-1982]

O destino ecológico do Planeta será decidido no Terceiro Mundo.
Esta parece ser a ideia-força de René Dumont, que se afirma um «militante terceiro-mundista», quando lhe perguntámos que laços ainda o ligavam ao movimento ecologista francês.
Para ele, «a fome do Terceiro Mundo é, em grande parte, um desastre ecológico. Ao contrário da mentira que tantos ainda sustentam e que há 10 anos, na Conferência de Estocolmo, tomou foros de cidade - só os países industrializados teriam problemas de ambiente... - o subdesenvolvimento significa para René Dumont o maior atentado não só contra os povos mas também e principalmente contra a Natureza.

«A nossa fartura - diz, referindo-se principalmente à França - é baseada na miséria dos outros.»
Os chamados países «ricos», ao explorar e pilhar os recursos naturais dos colonizados, não só escravizam os povos como destroem os seus ecossistemas.
Para ele, a primeira oposição a estabelecer, para explicar a moderna Mega-Crise, é contra o «colonialismo», do que decorre a palavra de ordem necessária:
«Descolonizar o homem é antes de mais descolonizar a Natureza.»
Este «trota-mundos», em incansável peregrinagem pela Terra dos explorados e espoliados, está em boa posição para denunciar o inimigo principal:
«A ecologia resume todos os nossos problemas, todas as nossas crises», diz ele, pondo fim aos que ainda falam de «combater a poluição» ou em «defender o ambiente».

SEM FLORESTA SÓ HAVERÁ INUNDAÇÕES E SECAS

Ao enunciar os absurdos que explicam o «apocalipse» actual, Dumont torna-se torrencial:
«Em cada minuto, vinte hectares de floresta húmida tropical desaparecem, comprometendo assim uma componente essencial do nosso ecossistema. Dentro de 10 anos na Costa do Marfim, dentro de vinte e cinco na África Central, dentro de trinta na Amazónia, não haverá mais floresta. Com a destruição das florestas do Himalaia, do Nepal e da Índia, aumentam as inundações e as secas, como o pude verificar no Paquistão, no Bangladesh e na Índia.»
Quanto aos climas, de que depende. a produção agrícola, diz este professor de Agronomia:
«Também estamos a degradar os climas: por combustão excessiva de energia fóssil, produção de gás carbónico, radioactividade das centrais nucleares, kripton radioactivo, aumento de poeiras. Os óxidos de azoto atacam a camada de ozono que nos protege dos raios ultravioletas.»

A ALBÂNIA APROXIMA-SE...

Engenheiro agrónomo que se considera (ainda) um tecnocrata, René Dumont defende os adubos e pesticidas como necessários para «alimentar o excesso de população» (em que acredita como bom neo-maltusiano que é...) mas denuncia as monoculturas agrícolas - amendoim, beterraba, palma, algodão, tabaco, café - principais responsáveis pelas catástrofes ecológicas, como a do Sahel, que assolam o Terceiro Mundo.
Os eucaliptos também não escapam à sua crítica. Quando lhe dizemos que Portugal é um enorme eucaliptal, tem um conselho rápido: «Defendam-se.» Mas não falou nas multinacionais da celulose que mandam na gente.
Na Albânia - apesar de «estalinista», diz - há tudo o que é essencial para todos. «A Albânia aproxima-se de uma sociedade ecológica, mas não é ainda a ideal...» E salta com uma das suas obsessões: «Na Albânia não há automóveis particulares, só alguns para altos funcionários e professores universitários...»
Quanto à refinação (de cereais, óleos e outros produtos alimentares, básicos), responsável, em primeira linha, pela fome no Mundo, Dumont é pouco contundente. Admite que, na Albânia há a «possibilidade» de escolher entre pão branco e pão negro...
Quanto ao Biogás - segredo de Polichinelo para o verdadeiro desenvolvimento do Terceiro Mundo - o grande agrónomo da Fome surpreende-nos com uma afirmação insustentável: o biogás fica mais caro do que o petróleo (!!!).

SOU DEMASIADO SOCIALISTA PARA ADERIR AO PSF

Este candidato dos ecologistas à Presidência da República em 1974 pode dar-se ao luxo de fazer afirmações impossíveis de provar. Aliás a «reciclagem» de materiais (tal como a refinação de alimentos) não o entusiasmam por aí além.
Prefere continuar a protestar contra o automóvel particular: «Na Tanzânia, são necessários 6 mil dias de trabalho para comprar um automóvel.»
E insiste: «Se a tendência americana de um carro por pessoa se generalizasse, seria a ruína em 10 anos...»
Apesar deste «bode expiatório», Dumont não se tem cansado de pôr no banco dos réus quem lá deve estar, muito antes do popó: capitalismo, imperialismo, exploração do homem pelo homem têm sido suficientemente denunciados por este ecosocialista confesso, que no entanto diz: «Sou demasiado socialista para poder aderir ao Partido Socialista Francês...»
Explica esta exigência porque «o Governo Mitterrand ainda está muito apoiado na exploração do Terceiro Mundo»...
Declaração de Cancun?: «Só palavras»..., diz ele, e cita o exemplo das minas de carvão fechadas em França, enquanto se exploram as da Mauritânia. Mão-de-obra barata... «A nossa fortuna é baseada na miséria dos outros»... - repete ele, referindo-se à fortuna da França.

O APOCALIPSE DA «GASPILLAGE»

Se a palavra «reciclagem» raramente aparece no seu discurso, já o antónimo - «gaspillage» - é mais frequente. Para Dumont a crise é de «gaspillage» insensata e paranóica de recursos. Com o petróleo barato - sustenta - os países industriais entraram numa verdadeira orgia de desperdício.
O que explica tudo: O petróleo foi assim o grande motor do «buldozer» chamado crescimento que iria arruinando a Natureza e a Terra dos Cinco Continentes.
Subdesenvolvimento é, como diria Josué de Castro, e Dumont também, a outra face deste desenvolvimento, que assim fica totalmente posto em causa.
Um exemplo acabado de subdesenvolvimento é a Guiné:
«Não há fábricas. Mas quando foi inaugurada uma grande fábrica para tratamento de amendoim, fechou no próprio dia em que abriu. Não chegou a funcionar, não havia meios humanos e técnicos... Tecnologia importada dá casos como esse:»
Pedimos-lhe uma palavra de esperança para os que lutam em Portugal por um ecodesenvolvimento e um socialismo de rosto humano. Ele lembra o que foi a campanha da. candidatura ecologista:
«O objectivo desta campanha era primeiro ecologizar os partidos políticos. Efectivamente, depois dela, Mitterrand e Juquin, respectivamente dos partidos socialista e comunista, contactaram-nos.
- «Em Tours, o Partido Comunista apresentou, em Abril de 1976, Vincent Labeyrie, professor de Ecologia, às eleições parciais contra Royer. Mas o objectivo era também politizar os ecologistas, pois não se trata já só de proteger parques, residências secundárias, avezinhas, mas de reinventar toda a nossa civilização.»
Postas as devidas aspas na indevida «civilização», parece-nos uma boa chave para fechar esta conversa com o homem que é e continua a ser um permanente desafio ao Mundo para que ouça a voz do Terceiro Mundo.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, entrevista com René Dumont, foi publicado no jornal «Portugal Hoje», 17-2-1982

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RENÉ DUMONT: UMA POLÍTICA REFORMISTA DA NATUREZA (*)

[(*) Este texto de Afonso Cautela deverá ter ficado inédito, para sossego das almas . Vou datá-lo de Julho-1976, número do jornal «Frente Ecológica» onde veio a aludida «Carta à Esquerda Portuguesa», que tenciono scanar ainda hoje, pela tardinha. Vou datá-lo também de Maio-1977, data em que o dito livro foi editado ]

(*) Comenta-se neste artigo o livro « O Crescimento da Fome», de René Dumont, trad.. de Vítor Oliveira, col. «Senso Comum» , Editorial Vega, Maio- 1977


" A monocultura não é forçosamente uma catástrofe, se a cultura foi cuidada e os desperdícios reciclados."
" Na China (...) conhecimentos médicos muito mais precoces e eficazes que no resto do mundo, multiplicam a população." - René Dumont, In " O Crescimento da Fome»

" Convidarei o leitor (...) a reconhecer todos os nossos limites, todos os nossos constrangimentos; e, antes de mais, o da população, de que hesitaremos em pedir a redução maciça." - Eis a pedra-de-toque em que assenta o pensamento de René Dumont, bem como o inventário da pilhagem capitalista contra o Terceiro Mundo a que procede no seu último livro publicado em português, "O Crescimento da Fome" (1977).
Vedeta dos Franceses em Maio de 1974, quando o Movimento Ecológico o propôs para a Presidência da República, René Dumont volta sempre aos assuntos da sua especialidade e predilecção: a agronomia, a fome, o Terceiro Mundo, a pilhagem dos recursos planetários, mas, principalmente, a ameaça do crescimento demográfico como perigo número um da humanidade.
No prefácio deste seu livro sobre “O Crescimento da Fome", levanta ele a questão de fundo logo ao abrir:
«Marx não teria previsto uma série de factores e ocorrências que viriam, portanto - diz Dumont - a por as suas teses não totalmente em causa mas, pelo menos, a revê-las e reequacioná-las em termos diferentes».
Resta saber se todos os factores apontados por René Dumont existem realmente, ou se alguns - como a  explosão demográfica - não passam de sofismas bem engendrados para comprometer e viciar de raiz todos os raciocínios.


METER MALTHUS E JOSUÉ DE CASTRO NO MESMO SACO

Para dar algum crédito à sua tese, seria preciso, por exemplo, que René Dumont demonstrasse quais são os países do Terceiro Mundo "pilhados" pelo Bloco Socialista.
Se existem, quais são eles?
Não encontramos resposta nas obras de Dumont conhecidas em português, que se limitam a fazer o inventário da pilhagem capitalista, como se dele fosse também responsável o Bloco Socialista.
Meter Malthus e Josué de Castro no mesmo saco maltusiano, eis outra tese que Dumont deveria demonstrar.
Que nos lembre, Josué de Castro foi das vozes mais veementes a denunciar o sofisma "maltusiano" da explosão demográfica e foi ele quem disse que fome era causa da explosão demográfica e não o inverso.
Dumont tem um defeito: deixa os truques e sofismas do seu pensamento demasiado à mostra.
"Arruinámos a Índia e o Sahel, que estão hoje esfomeados" - afirma Dumont.
Mas foi ele próprio quem denunciou os "fabricantes" da catástrofe saheliana em 1973: os latifundiários colonialistas que naquelas áreas da África Central plantaram monoculturas gigantescas de colza e amendoim estariam à cabeça dos responsáveis.
Porque não especifica agora os responsáveis pela catástrofe, englobando-nos a todos num vago e abstracto "nós”?

O FRACASSO DA “REVOLUÇÃO VERDE”

Também não hesita na gritante contradição. Ele, defensor intransigente da Agroquímica, verifica e lamenta o fracasso da “revolução verde” :
"As esperanças postas na Revolução Verde na Índia esboroam-se como castelos de areia, e uma ameaça terrível pesa sobre o futuro da Ásia Meridional, que conhece o início de uma das grandes fomes da História."
Mas não foi ele, Dumont, um dos principais defensores dessa ilusão chamada Revolução Verde e seu obreiro Sicco Mansholt?
Não foi ele a acreditar, como os outros tecnocratas da F.A.O., no mito da produção com base em injecções crescentes de adubo químico, pesticida e energia fóssil sob a forma de mecanização acelerada?
Não foi ele, presidente dos ecologistas, a preconizar uma Agroquímica intensiva que é, em grande parte, responsável pelas enormes quebras de produção actuais?
Porque não se confessam, ao menos, os obreiros desses belos planos da F.A.O. para alimentar a fome no Mundo?
Porque se espantam com os fracassos dos próprios métodos que perfilharam?
Porque continuam os prémios Nobeis tipo Norman Borlaug, da F.A.O., a chamar histéricos aos ecologistas que defendem uma bioagricultura intensiva e porque não deixa Dumont, neste seu livro, como nos anteriores, de fazer o constante panegírico de Borlaug e suas teses?
Mas, acima de tudo, René Dumont insiste em tocar a sineta do apocalipse demográfico. A propósito dos climas e suas alterações, com colheitas cada vez mais catastróficas, se há-de pôr no banco dos réus os principais agentes que contribuem para essa alteração climática - guerra meteorológica, explosões nucleares, produção de CO 2 etc.- lá volta de novo ao "perigo demográfico" :
" Tudo isto merece estudos mais aprofundados, porque a ameaça é terrível."
A guerra meteorológica é um facto e uma ameaça aos pobres e famintos do Terceiro Mundo. A população, pelo contrário, é a arma que o Terceiro Mundo tem para lutar contra essas e outras chantagens do mundo imperialista.

CONTRIBUTOS FRANCAMENTE POSITIVOS

Na obra de René Dumont, porém, abundam os contributos francamente positivos e de indiscutível impacto anti-capitalista: a crítica à futurologia tecnocrática de Herman Khan e seu balofo optimismo; o elogio ao sistema agrícola praticado na China Popular.
Com o elogio, embora com restrições, à Bioagricultura de Claude Aubert, seu discípulo, ao considerar suicida uma agricultura totalmente apoiada em injecções crescentes de quimismo e energia fóssil, ao acusar os latifundiários e intermediários de travarem as soluções capazes de impedir uma catástrofe à escala mundial, René Dumont redime-se do exagero que o faz considerar o crescimento demográfico um perigo e a maior ameaça contra a humanidade, logo seguida do esgotamento de recursos, dos quais a água e os fosfatos são, em sua opinião, os mais graves.
A crítica de René Dumont à pilhagem capitalista é muito bem feita. Ele inventaria  contradições, absurdos que fazem desse sistema um inato destruidor da Natureza.
Atribuindo a um regime económico, social e político todas as culpas, deixa-nos, no entanto, com a impressão de que a passagem ao socialismo seria a passagem para o paraíso ecológico.
A escolha de René Dumont para encabeçar e dar autoridade "científica" ao movimento ecológico francês é de facto um óptimo serviço prestado ao sistema Ecosuicida e ao tipo de "civilização", entre aspas, que o movimento ecológico contesta e questiona.

"COM O ANTI-CAPITALISMO É AINDA O CAPITALISMO QUEM GANHA..."
REFORMISMO CONTRA REVOLUÇÃO
CRÍTICA ECOLÓGICA OU CRÍTICA ANTICAPITALISTA?

Atribuindo ao sistema capitalista a culpa quase exclusiva na destruição da Natureza e dos recursos naturais, René Dumont presta um bom serviço à ideologia tecno -cientifista em geral, tal como ela é praticada, a Leste e a Oeste, em sociedades capitalistas e em sociedades anticapitalistas.

Presta um bom serviço à metodologia da ciência estabelecida, da Tecnologia Pesada e das Indústrias Hiperpoluentes.
Presta um bom serviço ao caos da ciência analítica, incapaz de compreender a ordem cósmica do Universo.
Quer dizer: se a passagem ao socialismo vai minorar ( e vai concerteza) algumas das mais gritantes consequências ecológicas do capitalismo, o risco a que René Dumont nos convida é este: cair na ilusão de ficar muito contentes com um sistema que, ecologicamente, é apenas mais prudente, mais lento na destruição, mais diplomático e mais habilidoso na actuação antinatural, não deixando contudo, basicamente, estruturalmente, de se fundamentar na manipulação, alienação e exploração da Natureza pelo Homem.
Quem lê René Dumont e o seu inventário de malefícios, fica com a ideia (necessária mas não suficiente) de que a Natureza é destruída apenas pelo capitalismo - esse inato destruidor da natureza - e que basta socializar os meios de produção para que se viva num paraíso ecológico, onde as leis do equilíbrio ecossistémico serão respeitadas...
Não há dúvida de que o capitalismo é o inato destruidor da Natureza. Com ele não há nada que resista, e por sua culpa a Terra aproxima-se aceleradamente do esgotamento total.
Mas René Dumont e outros eco-reformistas deixam nos espíritos uma ilusão perigosa: minorados os efeitos da poluição, o socialismo resolverá todos os males e desequilíbrios ecológicos...
Era bom que assim fosse, mas temos de reconhecer que socializar não chega para fazer a Revolução. E muito menos fazer críticas anticapitalistas significa ser socialista.
Por isso é que a crítica ecopolítica ou biopolítica à sociedade vai mais longe do que a crítica feita pelo anticapitalismo ao capitalismo; vai até onde esta vai ( estamos todos de acordo com as teses socialistas de René Dumont...) mas vai mais longe e fala da estrutura de todo um sistema caracterizado pela oposição do Homem à Natureza.
Para compreender os remanescentes capitalistas que dão à sociedade anti-capitalista uma fisionomia ainda (muito) pouco ecológica, basta citar o sector-chave dos consumos e dos hábitos; basta lembrar os consumos alimentares de carência por industrialização e os hábitos industriais de refinar, conservar, corar, frigorificar, enlatar, embalar alimentos;
Basta lembrar os consumos supérfluos e a ausência de um princípio revolucionário que indique a hierarquia dos consumos em função de um novo padrão de consumidor, ou seja, em função de um homem não alienado.
Basta lembrar os consumos tóxicos ou venenosos, antibiótico no gado, estrogeno nos frangos, desinfectante no leite, difenil nas laranjas, etc., etc..
Basta lembrar os consumos químicos na vida pessoal e doméstica, na agricultura, na quimioterapêutica.
Basta lembrar as vacinas e os antibióticos.
Basta lembrar, apenas, o sector dos consumos tóxicos e alimentares para ver em que medida um sistema anticapitalista, embora sem a nota de orgia dada no capitalismo pela publicidade, pilha e destrói a Natureza, contamina o ambiente, compromete a qualidade de vida, ameaça a segurança pessoal, aliena as relações do homem consigo próprio, burocratiza as relações do homem com o alimento, submete a natureza às mesmas violências.
Mas o inventário dos hábitos, comportamentos, serviços, acções, anti-ecológicas deve prosseguir: hábitos de caça e pesca como práticas correntes não desportivas mas industriais, onde está aí o socialismo que mude tais hábitos?
As tecnologias de ponta, principalmente as que alimentam o sonho delirante de "melhorar a Natureza" (toda a Biocracia da engenharia genética, da transplantologia, da climatologia, etc) .
A crença supersticiosa no gigantismo do Tupolev, do superadubo, do superpesticida, do superestádio, da superbomba, do super-regenerador atómico, da super bomba de cobalto, do superantibiótico, etc.
O desenvolvimento sistemático de indústrias pesadas (celulose, cimenteira, refinaría, nuclear, etc.) com desprezo absoluto pelas indústrias médias e tecnologias leves;
As maratonas de prestígio entre potências bélico-imperialistas (espacial, atómica, olímpica, etc. ) são prova, entre outras, de que os mitos capitalistas continuam vigentes dentro de sistemas anticapitalistas: crescimento industrial infinito, agroquímica (a terra é um máquina de produzir), medicina (o homem é uma máquina alimentada a calorias), despovoar os campos e superpovoar as cidades, etc..
Os sintomas de universo concentracionário não deixam de aparecer nas sociedades
anticapitalistas: altas taxas nas doenças do consumo do Ambiente, (cancro, cardiovasculares, reumatismo, tensão arterial., diabetes, desmineralizações, alergias, psicoses, toxicoses, etc. ) provam de que a qualidade de vida não é um mito burguês mas uma realidade estatística mesmo entre os antiburgueses.
Se o concentracionário urbano é muito atenuado pelos hábitos anti-capitalistas, não deixa de vigorar o sistema concentracionário de energia e de indústria, sem que se vislumbre ou seja incrementada a descentralização e a diversificação de unidades produtoras.
O desperdício de materiais, lixos, desperdícios, excrementos, etc. é incrementado, sem que se pratique uma política sistemática de Reciclagem e o fomento das tecnologias alternativas.
Eis apenas alguns aspectos específicos de uma crítica ecológica ao Establishment mundial, para lá da crítica já feita por René Dumont e demais anticapitalistas ao Establishment capitalista.
Quer dizer: herdadas do capitalismo e refinadas pelo anticapitalismo, temos ainda uma trintena (?) de práticas que, na perspectiva ecológica, são tão criticáveis como as práticas de pilhagem e chantagem especificamente capitalistas.
Tal como o capitalismo usa estratagemas diversos para prorrogar a sua agonia, eis que o sistema do Desperdício - e seu aparelho ideológico, a Sofística - usa também estratagemas para se manter . Um desses estratagemas é o anticapitalismo, que aparece assim como um eco-reformismo para fazer durar mais (algum) tempo esta morte que (lentamente) nos mata.

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(*) Este texto de Afonso Cautela deverá ter ficado inédito. Vou datá-lo de Julho-1976, número do jornal «Frente Ecológica» onde veio a aludida «Carta à Esquerda Portuguesa», que tenciono scanar ainda hoje, pela tardinha.


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