domingo, 24 de outubro de 2010

4 ECO-PRECURSORES NA BIBLIOTECA DO GATO










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18/1/1992, Lisboa

APROVEITAR TODAS AS MIGALHAS: ANTOLOGIA DO PENSAMENTO ECOLOGISTA ATRAVÉS DAS ERAS

Não tem o radical-humanista, também conhecido por «radical-livre», assim tantos apoios bibliográficos que possa dispensar as poucas migalhas que vão caindo do lauto banquete filosófico e literário, que possa dispensar algumas preciosas obras, ainda que breves, ou autores, ainda que esquecidos, principalmente se esquecidos, se colocados no índex das ideologias que incomodam as ideologias totalitárias dominantes.
De maneira avulsa, com os dedos tolhidos de frio, tento reconstituir, só para não esquecer, aquela pequena lista de leituras que foram contributo ao despertar de uma consciência, em certa época chamada de ecologista, para facilitar.
Como não há nenhuma história do pensamento ecologista (ou há?), impõe-se reunir o avulso e o disperso, concatenando páginas, autores, obras.
Agora mesmo leio uma análise de Gabriel Marcel sobre a «funcionalização da medicina», a que Illich chamaria «medicalização da medicina». Católico e existencialista, mas simpático -- creio -- à resistência francesa, não é propriamente um pensador nas boas graças da moda, da Unideologia. Mas ele já tinha escrito uma das obras que mais me marcaram, lida na tradução portuguesa: «Os Homens Contra o Humano».
Simone Weil, também da resistência, já uma vez falámos desta autora: quer em «L'Énracinement» quer em «Opressão e Liberdade», é um quase manifesto de eco-humanismo (Ecologia Humana) o que aí se encontra.
Releio, para confirmar, a mística da Natureza em Jean Giono romancista e não há dúvida que passa à frente de todos os místicos da Natureza já por mim (re)conhecidos: D.H. Lawrence, Henry David Thoreau, mesmo o Herman Hess.
Quando li «O Jogo das Contas de Vidro» reagi exactamente por não corresponder à expectativa que obras dele me tinham criado, pelo discursivismo da narrativa e, quanto a misticismo, uma excessiva secura, quase comparável ao tecnocrata Umberto Eco desse apesar de tudo interessante «O Nome da Rosa».
Jamais duvidei, portanto, do interesse precursor que teve esse místico da Vida, apesar de a geração hippy o ter entendido na sua parte mais exótica e superficial. Aliás e já agora, relativamente a alguns profetas desta geração hippy, chegou o momento de fazer o balanço selectivo e crítico: deixando um bocado na sombra Marcuse ou Reich, que estiveram na ribalta, recuperar Allan Watts, por exemplo, que esteve mais na sombra, ou mesmo Theodor Roszack. Não são as obras mais faladas de Herman Hess -- à excepção de «Sidharta» -- as que maior marca me deixaram mas outras menos conhecidas, como «Narciso e Goldmundo» e «Ele e o Outro», que li nas edições naif da Guimarães.
A provar que Herman Hess está nos meus autores de cabeceira, que mais não fosse como abencerragem romântico, tal como Romain Rolland, é que, além de obras soltas, adquiri uma vez em Madrid as Obras Escogidas da Aguilar(colecção Nobel) em papel bíblia e capa azul celeste...A propósito dos autores pouco gratos à Unideologia totalitária, regresso quando posso aos católicos progressistas, ao Emanuel Mounier, da «L'Esprit», por exemplo, e, principalmente, ao Jean Marie Domenach, rotulados de «personalistas» e/ou «existencialistas católicos». Volto principalmente a essa obra-chave do pensamento ecologista que é «A Propaganda Política» de J.M. Domenach.
O que eu quero dizer com estes exemplos é que a escassez de fontes para apoiar o pensamento ecologista é tal que não deverá haver escrúpulos, se a ajuda nos vier dos místicos, católicos, existencialistas, «out-siders» sem lugar na história da Filosofia e às vezes nem sequer da Literatura.
Já agora: a maior descoberta da mística ibérica -- mais concretamente catalã -- foi a que fiz há um ano, com esse monstro chamado Raimundo Lull. Tirando o Ivan Illich, de facto, quem temos aí para nos guiar? Para nos dizer que não estamos defendendo absurdos, utopias, disparates?
Até em Alexis Carrel, essa polémica figura que, segundo disse alguém «pregou no deserto do século XX», até em Carrel, temos que procurar, apesar da sua estimada Fisiologia e da concepção materialista mecanicista, migalhas de um fundo humanista para a medicina, que fez traduzir «O Homem, esse Desconhecido» em 17 idiomas.
Apesar do Nobel, há em Carrell lampejos e intuições subversivas que o pensamento ecologista não poderá desdenhar, ultrapassando algumas contradições mais gritantes dessa estranha figura de médico que acabou non grato ao sistema e de cuja morte, inclusive, pouco se sabe, envolta que está em alguns mistérios. Fechamos os olhos ao colaboracionismo de que o acusaram, sabendo que ele escreveu «Medicina oficial Y medicinas Heréticas», texto de abertura de uma antologia de autores, relíquia que eu descobri num «bouquiniste», edição catalã (claro!) de Luis de Caralt, mas que vem da editora Plomb de Paris.

SE A SAÚDE FOSSE CONSUMIR MEDICAMENTOS

Se metermos o vírus da subversão ecologista no sistema médico, não é a reforma da medicina o que se preconiza; nem se escolhemos entre medicina privada e medicina colectivizada; nem se o preço dos medicamentos é comparticipado. O vírus ecológico no sistema médico, como nos outros sistemas, visa abrir alternativas ecológicas ao sistema. E o alternativo, no caso da saúde, é conservá-la em vez de combater a doença (dogma número 1 da minha religião). É cada um tomar em mão, desde pequenino, quando ainda torce o pepino, a sua própria saúde, quer dizer, o seu próprio destino, aprendendo como primeira matemática a contabilidade kármica e como primeira geometria do universo o mapa dos meridianos da Acupunctura. Este é o dogma número 2 da minha religião -- «se vires alguém com fome, dá-lhe de comer mas ensina-o a pescar» -- pois toda a educação ocidental vai no sentido inverso: submissão e dependência ao sistema. Isto tem tudo a ver com a «descolonização do doente» -- dogma número 3 da minha religião -- e nada a ver com (consumos de) medicamentos, vacinas, próteses, serviços hospitalares, próteses, cirurgias, enfim, o inferno da monodependência. Transição para a radicalização do «cada um médico de si mesmo» -- dogma número 4 da minha religião -- é o «Professor de Saúde», a que outrora se chamava higienista e muito bem mas que parece ter caído em desuso, nas profundas do esquecimento, mais uma espécie extinta sem desgosto para ninguém.
Obliterando-se como disciplina global holística, a Higiene ou Prevenção fica reduzida, nas escolas, ao ridículo das vacinas e pouco ou nada mais. O professor de saúde, se existisse, ensinaria todas as regras, das antigas às modernas, que se conhecem para conservar esse bem precioso que é a saúde, para evitar que os vários sistemas (tantos) que vivem da doença continuassem vampirizando (e fazendo sofrer) a pobre humanidade (dogma número 5 da minha religião).
O professor de saúde passa pela holística, pela Ecologia Humana, pela Toxicologia, pelos diagnósticos empírico-holísticos, pela medicina metabólica (subsumida neste momento na amálgama de uma especialidade médica inactuante -- a Endocrinologia -- e nas pseudo-alimentações racionais), passa pelas terapias paralelas já confirmadas pela prática e pela experiência, passa pela autocontrole alimentar, passa pelas técnicas e/ou tecnologias apropriadas de saúde. Escrevem-se sobre doenças milhares de livros, e outras tantas toneladas sobre especialidades médicas.
Sobre Holística da saúde, temos que andar com uma lanterna, a escolher e a separar muito bem escolhido o trigo do joio, a experiência confirmada do charlatanismo beato e barato. É urgente, portanto, pôr em prática o Perfil Holístico Individual (Dogma número 6 da minha religião). ■