sexta-feira, 8 de maio de 2009

GRIPE SUÍNA 1981

1-5 - montijo-1-ie-ce> = ideia ecológica do afonso - dossiês do silêncio – dossiês de ecologia humana – files alimentares – mein kampf – histórias de horror – inédito (obviamente) ac – 5 estrelas

19-10-1981: O PESADELO KÁRMICO DO MONTIJO INDUSTRIAL: PORCOS E DOENÇAS À ESCALA INDUSTRIAL/(*)

(*) Para saber a data aproximada deste inédito dossiê do silêncio, só me lembro da polémica publicada no Guia do Consumidor, sobre o assunto suínos, em conversa com um técnico do Instituto Nacional do Consumidor. Tenho de lembrar, também, que este texto foi possível, graças à colaboração prestada ao jornalista pelo meu querido amigo Dr. Rocha Barbosa que, muito à contre coeur, era delegado de saúde na altura. Mais actual do que nunca, não só tenho de reaver todo este dossiê (incluindo a reportagem que foi publicada n’O Século) , como tenho que salvaguardar a sua manutenção ...póstuma.

Se se fizesse uma análise bacteriológica às águas de consumo no Montijo, e se esse estudo conduzisse a medidas efectivas em função da gravidade da situação que essas análises denunciariam, era toda a economia local, totalmente apoiada nos porcos de engorda, que se afundava.

DO MITO DA PROTEÍNA À PATOLOGIA ÚNICA NO MUNDO

Desde que organismos internacionais como a F.A.O. e a OM.S. internacionalizaram o mito da proteína animal, - com o objectivo de fomentar os lucros de algumas multinacionais - , iríamos assistir a uma série de absurdos e distorções de que o Montijo nos dá flagrante exemplo.
Aqui se pode observar, neste “microcosmos porcino", o macrocosmos do consumo mundial de carne e seu absurdo económico. Para lá do que se poderá dizer (e tentaremos a seguir dizer o que soubemos) quanto à patologia animal específica inerente a este tipo de indústria pecuária, e para lá também da patologia humana que lhe fica epidemiologicamente associada na respectiva região, é no campo económico que os maiores absurdos se patenteiam, e a máxima irracionalidade de todo o sistema alimentar vigente se manifesta.

UM ABSURDO ENTRE MUITOS

Por motivos igualmente absurdos que se poderiam enumerar, temos um facto consumado: o País é extraordinariamente deficitário em cereais para alimentação do gado: diz-se que não temos pasto, diz-se que produzimos menos de 20% dos cereais necessários à engorda e produção de proteína animal.
No ano de 1978, importámos 4,5 milhões de toneladas de cereais em que quase 90% se destina a alimentação animal.
E no mesmo ano produzimos 900 mil toneladas de cereais.
O bom senso pensaria que estes cereais iriam directamente para a alimentação humana. Em termos de macrobiótica, o homem deve ter uma alimentação essencialmente cerealífera, desde que o cereal não seja completamente desvirtuado pelos processos de industrialização, farinação, refinamento, etc
Por estranho, absurdo e aberrante que seja, mas esses milhares de toneladas de cereal que o País importa e que põem a famigerada balança de pagamentos de pernas pró ar, vão para engorda dos animais que depois comemos (quem come), mais concretamente: esses cereais destinam-se à indústria de rações.
O mito da proteína animal serviu durante muito tempo para acompanhar o fado da importação: o País era importador de Carne, tínhamos que gastar divisas na carne que vinha da Roménia, Espanha, França, Jugoslávia, etc pelo que os industriais que queriam lançar-se no super-lucro da produção estabulada e de aviário, tinham nessa importação (e nas divisas) um argumento económico de oiro para exigir todo o proteccionismo ao estabelecimento das suas indústrias: pocilgas e aviários, por todo o lado, começaram então a grassar como benesse para o País. Tínhamos proteína, finalmente, de acordo com todos os preceitos tantos anos gritados pela F.A.O., pela O.M.S., e por outras internacionais do mesmo jaez.


"COME CARNE, PEQUENA, COME CARNE
NÃO HÁ MAIS METAFÍSICA NO MUNDO DO QUE UM BOM SALPICÃO..."
(Adaptado do Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)

Fiambre, presunto, paio, lombo, pézinhos, salpicão, mortadela, - ao comer qualquer destes produtos de salsicharia, o consumidor talvez não saiba o complicado caminho que essa carne de porco percorreu para chegar ao seu prato ou à sua sanduíche mista.
Nada melhor, portanto, do que visitar o maior centro de criação, engorda e abate de gado suíno do País, a vila do Montijo, cuja fisionomia peculiar de aglomerado industrial é fundamentalmente marcada por essa complexa e desconhecida indústria pecuária, alicerce importante da economia do País.
A importância que o Estado, antes e depois do 25 de Abril, reconhece à produção suína, tal como se pratica no Montijo, revela-se (confirma-se) através de vários factos que traduzem um proteccionismo expresso ao sector.
Centenas de malhadas, no Montijo, engordam centenas de milhares de porcos. No entanto, e apesar dos pesados encargos que essa concentração acarreta para a comunidade, apesar dos custos sociais no que respeita à insalubridade directa do ambiente e indirecta das águas subterrâneas - e, portanto, à patologia especifica das populações, - apesar do incómodo que para os 50 mil habitantes da vila (e 70 mil do concelho) representa essa presença pestífera , os criadores não estão obrigados a contribuir com uma parte dos enormes lucros auferidos para beneficiar um concelho que, desde saneamento básico a obras de abastecimento de água, de melhoramento hospitalar e de criação de centros de saúde é, relativamente à numerosa população, tão carenciado.
Mas o Estado, através da Junta de Produtos Pecuários, reforça essa protecção ao produtor, pagando por cada animal atacado de doença (peste africana ou qualquer outra de carácter endémico ou epidémico) uma indemnização largamente compensadora.
Daí, portanto, que o produtor não se preocupe com as endemias e zoonoses, pois está sempre seguro de vir a receber o seu.
Daí, também, que os cuidados com a limpeza e saneamento das malhadas, raramente ou nunca se pratiquem, exactamente porque ao produtor é indiferente que o gado seja vítima crónica de doenças sem conta.

ONDE A PORCA TORCE O RABO

E aqui começa a outra face desta remexida realidade que são os milhares e milhares de porcos em permanente engorda.
É aqui que a porca torce o rabo.
De facto, com propriedade se pode falar de "permanente engorda". O porco está continuamente a comer. Comprado pelo engordador ainda na idade de leitão (2 meses, cerca de 20 quilos), ele é metido , em absoluta promiscuidade, num espaço que normalmente fica superlotado por razões de superprodução e superlucro.
Três factores são desde logo determinantes do estado de doença crónica ou contínua em que o porco enjaulado "vive" :

1 - A promiscuidade da pocilga;
2 - O alimento forçado e contínuo, 24 horas por dia, a que é submetido;
3 - Os vários produtos químicos que ingere, adicionados nas rações, na água de beber ou directamente injectados pelo veterinário, a pretexto de vacina ou outro pretexto qualquer. Muitos destes produtos químicos são polivalentes, quer dizer, pretendem por um lado obviar ao estado de doença ou endemia crónica em que os animais estabulados se encontram (expostos a todas as infecto-contagiosas:) e, por outro lado, provocar um estado de permanente apetite por parte dos animais cujo objectivo único e último é a engorda: durante 4 meses prefixos.
Para se avaliar das consequências desta engorda acelerada, basta dizer que o porco do Alentejo, da raça portuguesa, leva pelo menos um ano a engordar, livre no montado e comendo bolota dos sobreirais.
As raças usadas no Montijo - ou em qualquer parte onde o porco se produza à escala industrial - são escolhidas especialmente pela velocidade a que engordam.
Ambas de origem inglesa, a raça "large white” e “land race” adquirem 80 a 90 kg em 4 meses.

CAMPANHA CONTRA O PORCO DE MONTADO

Está portanto bem à vista o motivo que levou a uma campanha contra o porco alentejano, alegando-se que tem gordura a mais e que era pasto fácil da "peste suína africana".
É preciso descaramento , de facto, para dar cobertura a tal campanha quando o porco estabulado em malhadas está constantemente doente de peste ou de qualquer outra doença; o que lhe vale e lhe permite aguentar, é que aos quatro meses vai para o matadouro e acabou-se...
No fundo, a campanha contra o porco do montado partiu de outras razões muito mais fortes: razões de rapidez na engorda, de superprodução e, portanto, de super-lucro: no grande centro do Montijo, o criador tem de lucro em cada porco uma média de 4 a 5 mil escudos.
O fenómeno porcino já alastra portanto do Montijo aos concelhos limítrofes de Palmela e Moita , constituindo toda a região como que um “hinterland” , com características únicas na Europa e talvez em todo o Mundo. Embora a sede de lucro não seja apanágio só do Montijo, claro.
Mas os ganhos com o porco não são apenas em lucro directo: há maneiras hábeis de receber os subsídios de doença, indo comprá-los, por exemplo, já doentes e metendo-os no meio dos outros... Há também maneira de fugir à fiscalização, já que em teoria os porcos atacados de "peste africana" são abatidos a tiro (com uma pistola especial que só o senhor veterinário tem...) e incinerados na presença de um técnico da Junta de Produtos Pecuários.
Em teoria, é o proprietário que deverá queimar os animais com alguém da Junta presente. Na prática... há sempre maneira de ter amigos por esse mundo pecuário fora.
Outra fuga possível e que de tão frequente quase a torna legal pela rotina, é pura e simplesmente não manifestar o número de cabeças à Junta de Produtos Pecuários.
Se é um facto que, assim, o proprietário perde o direito a receber a indemnização, também é certo que pode ir vender a carne dos porcos que morreram "doentes".
Mas, como já vimos, os porcos crescem permanentemente doentes e só duram os 4 meses da tabela à custa de terramicinas, antibióticos e toda a casta de medicamentos ora anti-infecciosos, ora bactericidas, ora para abrir o apetite, ora para as vias respiratórias ...
Que diferença faz, afinal, e onde está a fronteira que separa o abate legal de um porco doente do porco que morre clandestinamente doente também?

PORCO SÁDIO É SÓ PARA ALGUNS

No Alentejo e outras regiões onde ainda existem, as varas de porcos já são só paisagem e não têm expressão industrial. Os industriais da engorda, pelo menos, tudo fizeram para que isso acontecesse. O porco alentejano, boloteiro e fabulosamente saboroso, indiscutivelmente sadio, foi vencido na batalha da concorrência.
Levando 12 meses para engordar, ficou literalmente arrumado e em desfavor para com os seus comparsas de raça inglesa, que engordam em 4 meses.
E o saboroso porco do montado, alimentado a bolota, sadio, de que se tirava a banha ou a manteiga de cor (e nem só), é hoje apenas privilégio dos que matam o porco para consumo caseiro. Os únicos que, de facto, ainda comem porco são...
A composição das rações para os porcos estabulados é um segredo extraordinariamente bem guardado.
Por isso mesmo existem por parte do público consumidor, as maiores dúvidas sobre o que essas rações contêm.
Supõe-se que vitaminas, hormonas, antibióticos e terramicinas entram em doses suficientes.
Estimulante do apetite e facilitando ao nível do intestino a absorção do alimento, a terramicina, por exemplo, é ao mesmo tempo aplicada com fins bactericidas.
Acelerando o crescimento, as hormonas, por seu turno, completam a acção dos antibióticos devastando a flora intestinal

UMA PATOLOGIA HUMANA TOTALMENTE DESCONHECIDA

Esta população suína, em regime de autêntico campo de concentração, apresenta um complexa quadro patológico que tem o seu desfecho ao fim dos quatro "meses" de engorda. Mas a população humana, que coabita neste meio, que bebe da água dos poços, que come desta carne, que respira estas pestilências?
A abundância de água de furos e poços na região é, aliás, um dos factos que determinam a concentração desta indústria verificada aqui.
Em estratos alternados de areia e barro, esta zona aluvionar tem água por todo o lado: mas se isso é, do ponto de vista económico, uma "benção" para os industriais, e se contribui para limpar um pouco a "porcaria" das pocilgas (que seria então sem água?), cria à população humana riscos de saúde gravíssimos.
A água que escorre, não só das malhadas, mas das explorações agrícolas, não tem tempo para depurar na camada freática.
E ao consultório do médico sanitarista chegam as mais incríveis doenças.
" O médico hoje, no Montijo, tem 90% da patologia que não sabe o que é.
" Em cada 100 pessoas com febre, faz-se uma hemocultura e só se consegue, na melhor das hipóteses, fazer o diagnóstico de uma.
" Há toda uma nova patologia desconhecida.
"Para lá da patologia clássica - pleurisia, febre de malta, enfim, toda uma patologia respiratória, aparecem-nos pessoas com acessos febris que vão para os hospitais de Lisboa e voltam sem diagnóstico feito.. "
Montijo, o maior centro português de criação, engorda, abate e transformação de gado porcino - e centro mor da Patologia das zoonoses suínas - é assim, em Portugal, um dos casos mais flagrantes e dignos de estudo, porque exemplifica, de maneira brutal, uma das contradições em que a sociedade anti-ecológica pode enredar a humanidade, levando-a "enforcar-se" a si própria.
Perante casos como o do Montijo, o vegetarianismo anti-carnívoro não é uma mania místico-religiosa: como o prova o patológico exemplo deste pesadelo kármico chamado Montijo, o alimento de carne conduz , de facto, assolado pelo sistema capitalista do lucro, a situações socialmente auto-destrutivas ou suicidas.
Um País que come carne cronica e sistematicamente doente, alardeando de que a proteína animal é absolutamente necessária à alimentação, enquanto mete no bucho desses animais doentes praticamente todos os cereais que importa a peso de ouro, para lá de um País crónica e sistematicamente doente, não será um País irremediavelmente condenado à supermistificação dos ideólogos que lhe lavam o cérebro?

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(*) Para saber a data aproximada deste inédito dossiê do silêncio, só me lembro da polémica publicada no Guia do Consumidor, sobre o assunto suínos, em conversa com um técnico do Instituto Nacional do Consumidor. Tenho de lembrar, também, que este texto foi possível, graças à colaboração prestada ao jornalista pelo meu querido amigo Dr. Rocha Barbosa que, muito à contre coeur, era delegado de saúde na altura. Mais actual do que nunca, não só tenho de reaver todo este dossiê (incluindo a reportagem que foi publicada n’O Século), como tenho que salvaguardar a sua manutenção ...póstuma.

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