DESPERDÍCIOS:O BUSÍLIS DA QUESTÃO
CARTA A MANUELA SOARES
Manuela: fui logo a correr procurar o que diz na Ambio sobre lixos e afinal não
há nada para «bater», antes pelo contrário: concordo e aprovo , mesmo os
pontos e vírgulas. De maneira menos contundente e menos pedagógica já o
tentei dizer algumas vezes e acho que usei a palavra «hipocrisia social»
para não falar das desigualdades de tratamento entre indústria e particulares. É evidente para nós (menos para os luminares que nos governam) que os energívoros e hidróvoros não são os cidadãos (mesmo quando são) mas as indústrias que se banqueteiam com o maior quinhão dos desperdícios. Todos os conselhos ao consumidor são, além de hipócritas, absolutamente inúteis para melhorar um ápice as coisas. Mas
nada há a recear porque vai haver (vai ver) na Ambio alguém que virá, como
nos anos 70, 80 e 90, a defender as eco-tácticas anti-poluição com manuaizinhos para as escolas com bons conselhos às criancinhas que hão-de ser cidadãos civicamente
educados. Acho que também já chamei a isto um psico-moralismo repugnante,
com que o Al Gore fecha o seu filme.
Mais que óbvio: estas guerras do alecrim e manjerona, poluição e anti-poluição, apenas beneficiam os maiores gastadores e destruidores, que nos querem a poupar para eles gastarem, poluirem, destruirem, desperdiçarem mais à fartasana.
Desde a década de 70 que se sabia que as indústris do futuro seriam as dos anti-poluentes.
Desde a década de 70 que eu aconselho a indústria nuclear a refrigerar os reactores com painéis solares.
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De boas intenções está o inferno cheio, já dizia a minha avózinha querida.
Até nem se trata de ter posições materialistas mas dialécticas relativamente às coisas:pura e simplesmente abrir os olhos e ver o óbvio.
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Uma ditadura da qualidade, sim, é urgente se ainda quisermos salvar alguma
coisa: o que não me parece ser o caso de quem governa e muito menos dos
lobbys que em Bruxelas decidem do nosso destino aqui, pressionando tudo o
que é Governo nacional ou local.
Sabe que 4.000 grupos de pressão se remexem, dia e noite, em Bruxelas para conduzir o negócio dos lobbys da destruição?
Segundo a Direcção-Geral Administrativa da Comissão Europeia, só na capital comunitária existem cerca de 4.000 lobbys que dão emprego a 15.00 pessoas, repartidas pelos departamentos de «assuntos reguladores», agências de relações públicas, consultoras de «assuntos públicos» ou escritórios de advogados.
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Não será com estes eco-oportunismos que vamos evitar o dilúvio: porque a
mudança de Era já não dará tempo a ninguém, nem mesmo aos eco-oportunistas
do eco-verdismo ou eco-merdismo triunfante.
Há um rótulo já preparado para esta posição crítica, sua e minha: o de
fundamentalista, como o deputado António de Almeida Santos acentuava num
livro muito ecológico, intitulado «Vivos ou Dinossauros» publicado em 1994.
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A um nível muito menos anedótico mas confirmativo de que vivemos de facto
uma ditadura com o nome (rótulo) de democracia, é o que ontem, 1 de Junho,
se noticiava desta maneira alucinante:
«O Tribunal de Contas detectou, ns suas auditorias, mais de 700 milhões de
euros de despesa pública irregular durante o ano passado.Ou seja, quase
dois milhões de euros por dia em actos ilegais que vão desde contratações
até despesas com trabalhos a mais.»
Para se saber isto, tivemos que gastar, em 2006, mais 24 milhões com o
funcionamento do Tribunal de Contas, que agora vem apresentar serviço.
As duas páginas do «Correio da Manhã» dedicadas ao assunto falavam ainda de
«gestores milionários» que recebem muito mais do que o permitido por lei e
não fazem declaração de rendimentos.
Civismo é, portanto, continuar a pagar estas orgias do nosso bolso.
Vamos estar certos de que esta notícia de ontem, hoje já está esquecida e
pronto.Vamos continuar a poupar na luz e nos trocos, que o banquete irá continuar.
E já estou a pedir desculpas se vier a publicar esta prosa na Ambio porque
isto dos milhões, como todos sabem, não é uma questão de ambiente. Apenas
uma questão de mau cheiro. Ou de poluição gasosa.
Afonso Cautela
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Post Scriptum: afinal o assunto dos gastos do Governo não morreu ao segundo dia e ressuscitou dos mortos com as declarações, basto ofendidas, do ministro que acha justificadas todas as despesas encontradas a mais pelo Tribunal de Contas. Aí é que está o busílis: que sejamos nós todos a pagar as despesas, justificadas por uns e injustificadas por outros.
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domingo, 3 de junho de 2007
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