segunda-feira, 25 de outubro de 2010

GRATIDÃO A MIGUEL DE UNAMUNO



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RAÍZES DA DECADÊNCIA: O DESESPERO DOS HEDONISTAS(*)

[(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Livros na Mão», 30-10-1990+-]

4-9-1990

A palavra «entropia» ainda não estava na moda quando Miguel de Unamuno escreveu «Del Sentimiento Tragico de la Vida», que agora aparece em nova tradução portuguesa(*). Em 1953, a editora Educação Nacional, do Porto, publicara a versão de Cruz Malpique, mais literal e académica do que esta que o Círculo de Leitores agora apresentou.
Para o filósofo de Salamanca - também romancista, poeta e dramaturgo - a condição humana já era entendida como maldição e prova, no que andou muito perto dos «pessimistas» como Schopenhauer, Nietzsche, Leopardi ou Kierkegaard e também de muitos que se viram englobados no rótulo de «existencialistas».
Mas de uns e outros ele se demarcou, pela intuição central que o título desta obra particularmente expressa: o «sentido trágico da vida» seria o sentido entrópico da vida que regula todos os sistemas morais do Ocidente, baseados num cego, obstinado e estúpido hedonismo. Essa seria, no Ocidente, a nossa «doença», que levámos séculos a difundir pelo Mundo, como a maior pandemia da História. Perdemos as raízes da sabedoria, que consistia exactamente em saber que o homem é energia e que toda a ciência se deverá resumir, afinal, em conhecer a arte de administrar essa energia.
A nossa «doença» chama-se «ignorância» e daí, dessa ignorância, o sentido trágico e cego do caminhar por este mundo. Ler Miguel de Unamuno e o seu diagnóstico, é ler os sintomas exacerbados da Doença que se reconhece, confessa mas não ultrapassa, e isso ainda por preconceito «cultural».
Fala Unamuno dos «Upanishads» mas o seu despeito irritado logo se revela nesta acusação ao monismo das cosmologias extremo-orientais que da Energia sabiam como ninguém mais voltou a saber: «aquilo a que eu aspiro, não é submergir-me no grande todo, na Matéria, ou na Força, infinitas e eternas, ou em Deus. Aquilo a que eu aspiro não é a ser possuído por Deus, mas a possuí-lo, a fazer-me Deus, sem deixar de ser o eu que vos digo ser neste momento. »
A «doença» ocidental, a que Unamuno chama «tragédia», um tanto exageradamente, caracteriza-se por criar essa espécie de catarata ideológica que impede de ver tudo quanto não seja e não ajude ao progresso da própria doença.
Para lá do interesse quase mórbido que a sua fascinante leitura suscita, especialmente aos que gostem de romances policiais, para lá do muito que se aprende e sofre neste testemunho humano de beleza inigualável que é o livro de Unamuno, importa ao militante da Heresia detectar algumas passagens francamente demonstrativas do apego ao erro e da rejeição apriorística das raras janelas terapêuticas que se podem abrir.
Pobres filósofos como este «trágico» Unamuno que, na imensa noite e na imensa doença da «civilização» ocidental, marraram contra as paredes do cárcere, não vendo que eram de vidro..., muitas vezes tendo na mão o amuleto - a intuição central da entropia cósmica - capaz de exorcismar angústias, revoltas, desesperos, mas sem o saber utilizar. Mais: alguns deles, como Unamuno, tiveram o amuleto na mão e deitaram-no fora.

Os filósofos ditos «pessimistas» e, em séculos mais recentes, os «existencialistas», com seus gritos, aflições, insónias e calafrios, são bem a imagem, o sintoma de uma «doença» cada dia mais incurável e de que a Poluição e suas sequelas é apenas um dos sintomas mais ridículos e insignificantes. Mas foi ela, a Poluição, que obrigou alguém a descobrir a palavra Entropia. Valha-nos isso.
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(*) «O Sentimento Trágico da Vida», Miguel de Unamuno, Ed. Círculo de Leitores
(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Livros na Mão», 30-10-1990+-

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