barata-3-ac-ab> segunda-feira, 5 de Novembro de 2007
CRIME E CASTIGO:
O ININPUTÁVEL, O PROGROM E O RESTO
Depois disto tudo, ainda há quem não queira que se fale de Juízo Final e dos quatro cavaleiros do Apocalipse e das trombetas do Armagedão?
A bem do meio ambiente, o melhor é não diminuir o simbolismo do caso James Watson, os que condenaram James Watson e o demitiram de todos os cargos, porque o homem usou o direito à opinião e disse o que pensava.
Se o próprio George Steiner, na sua histórica vinda a Lisboa (Fundação Gulbenkian) se sentiu na obrigação de o defender, é porque o ambiente kafkiano, no tempo-e-mundo em geral e na comunidade científica em particular, também está a fazer holocaustos.
Sem que ninguém, dos que tanto se comovem com o holocausto, venha dizer basta.
Também há covardes a fingir de heróis.
O episódio do Prémio Nobel, julgado (sem julgamento formal), condenado e expulso pelos seus pares, assume a categoria de símbolo.
E um símbolo, tal como a imagem, diz mais do que mil palavras.
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Os novos inquisidores estão mais activos do que nunca: os homens de negro, em que falam os adeptos da ovniologia, começam a reaparecer pelos cantos, ora de cinzento ora de vermelho ora cor de burro quando foge.
O tempo não vai decididamente para heroísmos, nem sequer para a gente dizer o que pensa.
Aqui na Ambio, elogiei o judeu George Steiner e o P.M.B. não se cansa de gritar que o insultei. Quando um elogio é considerado um insulto, valha-me deus que a perversão vai adiantada e a noite do obscurantismo ainda mais negra.
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O ambiente só não é inteiramente kafkiano, porque Kafka seria o primeiro, nestes tribunais do povo improvisados, neste contexto de progrom, seria o primeiro a quinar, se se atrevesse a escrever, na Ambio, uma sinopse d’ «O Processo».
Entre Doistoewsky, Kafka e a tragédia clássica – estilo Sófocles e/ou Ésquilo – o actual panorama de culpas e desculpas, culpados e condenados é de trevas (tenebroso) e, embora de pechisbeque, todos os dias desconta novos capítulos.
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Incluindo o ambiente político, onde a sanha persecutória dentro do partido todos os dias é notícia, há que ver a coisa de cima e à distância.
Por toda a parte se convida a punir o ininputável, a julgar, a fiscalizar, a indemnizar.
O progrom solicitado pelo P.M.B. aqui na Ambio, está aí afinal em todo o seu esplendor.
Há um tribunal permanentemente montado e em sessões contínuas, onde se representa mais uma cena de crime e castigo. Quando não há o flagrante delito, inventa-se.
As televisões já não vivem sem isso e o J.R. dos Santos não sorri – de orelha a orelha - se não tem uma boa notícia de perseguição policial para dar.
A malta quer é histórias de Maddie, polícias, ladrões, detectives, espiões, delactores, perseguidos e perseguidores. Nova religião da nova inquisição: «Chercher le criminel».
Apito Dourado, Operação Furacão, o espectáculo não pode parar.
Algoz e vítima, há lá coisa que se compare a este forrobodó?
«Corrupção», o filme sobre Carolina Salgado e Pinto da Costa, fez mais de 20 mil espectadores num dia ( 4.Novembro.2007).
Escutas? Vendem-se na Loja dos 300, na Feira da Ladra e na Feira das Vaidades. Já há descartáveis, as legais e as ilegais.
Em nome da democracia e dos valores da democracia.
Logo aparece um a dizer que ainda há quem sonhe com os fantasmas da PIDE. Que ideia!
Onde iriam os semanários inventar capa a cores, se não fossem estas belas intervenções de quem pode intervir.
Escuta que escuta e logo ouvirás o que não gostas.
Ruídos estranhos no telemóvel?
É das manchas solares: e quando a Vera Lagoa, mulher das direitas e à direita, denunciava no então semanário «O Diabo» as escutas que lhe chegavam aos ouvidos de jornalista bisbilhoteira (um bom jornalista tem que ser bisbilhoteira e fazer de polícia), caíam os andaimes todos da democracia em construção. Que pelos visto ainda está nos andaimes. E sem tecto. Assim que os senhores deputados aprovaram a lei respectiva, passou então a haver escutas: legais e ilegais, claro.
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E ainda falta a outra vertente do sistema que destrói ecossistemas: o espírito de clube, o ganhar e o perder, o totobola a toda a hora, a lotaria todos os dias: aí a lista não acaba mesmo.
Metas e mega-metas a atingir, até ao ano 2013, 2020, 2030, 2050, etc.
Pois é: isto de fazer planos futuros dá muito jeito para fazer esquecer o momento presente.
Olimpíadas e corridas olímpicas, iodeto de prata sobre nuvens, a China há dezassete anos que trabalha esta tecnologia, atrasara-se mas agora, com as corridas à porta, acelera.
Aqui em Portugal, no perímetro de Valladolid, fizeram-se, não sei se ainda se fazem, ou se o iodeto de prata se acabou na despensa: que os cientistas façam de nós cobaias, depois de fazerem de nós parvos, não é nada e ainda lhes dão mais um prémio Nobel.
Na pátria de Putin é a «guerra sem tréguas entre serviços secretos» (4.Novembro.2007)
O sistema já deve ter esgotado os ecossistemas que destrói e agora, autofagicamente, devora-se a si mesmo, pela cauda, como a serpente da fábula.
Depois disto, ainda o meu amigo Mário Heleno me diz que eu levo tudo muito a sério.
Depois disto tudo, ainda há quem não queira que se fale de Juízo Final e dos quatro cavaleiros do Apocalipse e das trombetas do Armagedão.
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Invariáveis deste tempo-e-mundo: biocídio, biocracia, homicídio, genocídio, etnocídio, o holocausto que preocupa o P.M.B. e os holocaustos que não o preocupam.
Palavras mais comuns no discurso quotidiano dos jornais:
«paranóia sancionatória» (Carlos Brito, in RCP)
«sanha sancionatória»
Verbos mais vezes conjugados:
acusar
perseguir
odiar
vingar-se
insultar
proibir
desconfiar
queixar-se
Ismos mais usados:
Revanchismo
Justicialismo
A complicar o quadro de culpas e culpados, o hinduísmo (que o George Steiner considera a cultura do futuro) vem com o Karma, a contabilidade, o deve e haver das almas: aí temos mais um tribunal onde iremos responder, ou em que já estamos a responder sem saber. Inocentes e culpados exactamente porque inocentes.
Do verdadeiro juízo e do verdadeiro julgamento é que ninguém parece muito (pre) ocupado: o da Ordem cósmica, a que os egípcios deram o lindo nome de MAAT. E os taoístas Princípio Único.
Mas isso é outra história e não a misturemos nesta salada russa, neste folhetim de polícias e ladrões que todos os dias se debita para diversão da malta.
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
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3 comentários:
A palavra correcta é "pogrom" e não "progrom".
As duas formas parecem ser válidas
Ver aqui no blogue mais visitado Rua Judiaria
http://ruadajudiaria.com/
500 anos: O massacre de Lisboa
Vai fazer exactamente 500 anos, nos dias 19, 20 e 21 de Abril, que um cataclismo se abateu sobre Lisboa. A alma da Capital do Império sofreu um abalo tão grande – senão mesmo maior – quanto aquele que a haveria de destruir em 1755. Durante três dias, em nome de um fanatismo sanguinário, mais de 4 mil pessoas perderam a vida numa matança sem precedentes em Portugal.
Como vozes que teimam em emergir de entre as poeiras da História, cronistas como Damião de Góis e Samuel Usque deixaram relatos detalhados dos motins sangrentos. Contam os testemunhos que tudo terá começado na Baixa, no dia 19 de Abril de 1506, um domingo, na Igreja de São Domingos, quando alguém gritou ter visto o rosto do Cristo crucificado iluminar-se inexplicavelmente no altar. Em redor, gente que rezava pelo fim da seca prolongada que grassava pelo país clamou que era milagre. Entre eles, um judeu convertido à força terá tentado explicar que a luz que emanava do crucifixo era apenas um reflexo de um raio de sol que entrava por uma fresta. Terão sido as suas últimas palavras. Arrastado para a rua, o marrano e um irmão seu foram espancados até à morte. Os seus corpos mutilados foram arrastados para o Rossio e queimados em frente dos Estaus – onde décadas depois foi instalada a Inquisição. Eles eram apenas os primeiros de entre mais de 4 mil mortos – anussim, judeus portugueses, homens, mulheres e crianças, assassinados em três dias sangrentos.
Incitada por frades dominicanos, a multidão que entretanto se aglomerara decide partir em direcção da Judiaria, gritando “morte aos judeus” e “morram os hereges”. As incompreensíveis cenas de violência que se deram a seguir fazem parte de um pedaço da história de Portugal que a História resolveu esquecer. Conto voltar ao tema e às descrições desta tragédia de há 500 anos. Por agora, queria apenas deixar um apelo. Em Portugal comemoram-se há muito os grandes feitos da História, testemunhos quase sebastianistas de uma grandeza perdida. Que não se esqueça também a desgraça que prova ser mito a velha máxima do tal “povo de brandos costumes”.
Aqui fica o desafio: que no dia 19 de Abril vão à Baixa de Lisboa e no Rossio acendam uma vela simbólica por cada uma das vítimas. Quatro mil velas que iluminem a memória.
ADENDA II: Existe um problema de Halakah do qual não me apercebi no início e para o qual fui alertado por alguns leitores: o dia 19 é dos últimos dias de Pessach, pelo que comemorações deste género estão vedados a judeus observantes. Por isso, em vez de alterar a data, gostaria de pedir aos meus leitores ortodoxos e masorti que passassem pelo Rossio para recitar Kaddish, preferencialmente com Minyan, no dia que coincide também com o dia do Serviço de Izkor de Pessach em Memória dos Mártires.
“Von dem Christeliche / Streyt, kürtzlich geschehe / jm. M.CCCCC.vj Jar zu Lissbona / ein haubt stat in Portigal zwischen en christen und newen chri / sten oder juden , von wegen des gecreutzigisten [sic] got.” (“Da Contenda Cristã, que Recentemente Teve Lugar em Lisboa, Capital de Portugal, Entre Cristãos e Cristãos-Novos ou Judeus, Por Causa do Deus Crucificado”)
Panfleto anónimo, com apenas seis folhas, impresso na Alemanha (presumivelmente poucos meses depois do massacre de Lisboa). O “progrom” de 1506 contra os judeus de Lisboa é descrito em detalhe e as matanças contadas ao pormenor por uma testemunha ocular. A gravura do frontispício mostra os corpos mutilados e envoltos em chamas de dois judeus portugueses, dois irmãos, os primeiros a morrer num massacre que vitimou mais de 4 mil pessoas.
(Gravura reproduzida aqui a partir de uma cópia gentilmente cedida pelo Hebrew Union College. O original, encontra-se na Houghton Library, na Universidade de Harvard)
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Sagrada Violência
Published at 2/12/2004 in Opinião & Comentário. "English" Translation
ou Jesus Segundo Mel Gibson
Foi com alguma antecipação (receio talvez seja a palavra mais apropriada) que assisti ontem à noite, aqui em Los Angeles, a um screening privado do polémico filme de Mel Gibson, The Passion of the Christ, ainda por estrear. Fiquei, confesso, bastante perturbado com o filme. Não pela mensagem. Nem sequer pelas razões que têm soprado as chamas da controvérsia – embora o alegado antisemitismo da narrativa mereça ser analisado. O que mais me chocou foi a extrema violência gráfica com que Mel Gibson resolveu pintar as últimas 12 horas da vida de Jesus.
Sangue a rodos, intermináveis grandes planos de feridas e uma violência brutal marcam todo o filme. Só a cena da flagelação de Jesus pelos soldados romanos dura mais de 15 minutos… é claro que isto não é nada quando comparado com o que de melhor se faz na “série B” de Hollywood. Mas também é verdade que o famoso Texas Chainsaw Massacre nunca foi usado para validar doutrinas religiosas. Na melhor das hipóteses, The Passion of the Christ é um cruzamento de teologia tridentina com Braveheart, com a crueza nua da violência extrema (ver um exemplo aqui) a ser usada aqui para sublinhar o papel sacrificial do messias cristão – uma opção doutrinária óbvia, escolhida em detrimento, por exemplo, da mensagem positiva dos evangelhos.
Mas porque razão estarei eu aqui a escrever sobre um filme de uma religião que não é a minha? A pergunta é perfeitamente legítima. Primeiro, porque a figura central do filme, Jesus, é, para todos os efeitos, um judeu – Yeshua ben Yosef, de seu nome hebraico original (para mais ver Jesus, o judeu). Segundo, porque o filme coloca o ónus da morte de Jesus exclusivamente nos judeus, não só nas autoridades do Templo, mas também colectivamente no povo de Jerusalém, livrando de responsabilidades aquele que os historiadores apontam como principal responsável pela execução do messias cristão: o governador romano, Poncio Pilatos.
Não tenho intenção de discutir aqui o carácter histórico dos evangelhos (textos sagrados de uma religião que não é a minha), mas quem já leu Mateus, Lucas e João sabe que existem contradições e inconsistências entre eles. Mas tudo isso é perfeitamente secundário, uma vez que a essência dos textos (escritos entre 80 a 150 anos após a crucificação) é doutrinária e não histórica.
No filme, seguindo quase à risca o relato evangélico de Mateus, o governador romano da Judeia, Poncio Pilatos, é mostrado como o relutante executor de Jesus, crucificando-o apenas “porque os judeus o queriam”. Esta bonomia apresenta-se em flagrante contraste com o que se sabe de Pilatos. Historiadores da época, como os judeus Flavius Josephus e Philo de Alexandria, descreveram de forma extensa e detalhada a brutalidade do governador romano da Judeia. “Inflexível, casmurro e cruel” foram adjectivos usados por Philo de Alexandria para descrever Pilatos, acusando-o ainda de “incomensuráveis actos de crueldade contra os judeus”, incluindo execuções de prisioneiros sem julgamento. A crucificação, aliás, era uma pena romana aplicada exclusivamente aos crimes de insubordinação política. Jesus é crucificado por alegadamente se intitular “o rei dos judeus” – o que Pilatos poderia ter recebido como um insulto à incontestável autoridade romana sobre a província.
Curiosamente, a carreira de Pilatos acabaria em desgraça precisamente por causa da sua brutalidade: no ano 36 é demitido e chamado a Roma pelo imperador Tibério, depois de ter ordenado o massacre de uma multidão de seguidores de um profeta samaritano.
Por tudo isto, os relatos evangélicos da sua relutância em condenar Jesus são lidos pelos historiadores como uma tentativa dos cristãos primitivos de tornar a narrativa da Paixão o menos censurável possível aos olhos romanos.
Quanto ao aparente antisemitismo, tanto dos textos evangélicos como do filme de Gibson, compreendo e aceito os primeiros, mas não consigo entender o segundo. Passo a explicar. Sempre que existiu uma cisão em qualquer religião, a identidade da nova facção é imposta primariamente por negação da anterior. Por isso é absolutamente compreensível que os evangelhos – sublinho textos doutrinários e não históricos – revelem algum ressentimento contra as autoridades religiosas da “estrutura mãe”. Séculos mais tarde, os escritos de Martinho Lutero ou Calvino viriam a revelar o mesmo sentimentos de revolta e negação voltados agora contra a Igreja Católica.
Agora, para ler as entrelinhas do filme de Gibson é necessário analisar a “fonte”. Mel Gibson é partidário de um grupo ultraconservador, os Servos da Sagrada Família, saído da Congregação São Pio X, fundada pelo cardeal Marcel Lefebvre – excomungado por João Paulo II em 1988, por desobediência, depois de consagrar quatro bispos sem autorização do Vaticano.
Para este movimento cismático (conhecido como “tradicionalista”), os aspectos doutrinários mais marcantes são a celebração da missa em latim (tridentina), o apelo à confissão diária dos crentes e a enfatização dos “tormentos do Inferno” para os que cometerem pecados mortais. Este “movimento tradicionalista” católico recusa aceitar as reformas decretadas pelo Concílio Vaticano II – entre elas a rejeição de que os judeus seriam de alguma forma responsáveis pela morte de Cristo, uma doutrina que a Igreja acalentou durante séculos, e que esteve na base de perseguições, chacinas, progroms e de um antisemitismo latente que se enraizou no mundo católico. Ao criar a Sociedade São Pio X, o cardeal Marcel Lefebvre propunha-se lutar contra as reforma ecuménicas do Vaticano II, por ele descritas como “marxistas” e “protestantes”.
É no seio desta “seita” católica ultraconservadora que surge a base doutrinária para o filme de Mel Gibson. “Eu vou a uma igreja onde e celebrada apenas missa em latim, segundo os ritos anteriores ao Vaticano II. Nos anos 60 muita gente dizia que tinha de se evoluir com os tempos, mas a verdade é que o criador instituiu coisas muito específicas, e nós não as podemos mudar só porque nos apetece”, disse Mel Gibson em 2001 em entrevista ao diário norte-americano USA Today. Mais recentemente, em declarações ao jornal italiano Il Gionale, Gibson foi mais longe atacando o Vaticano e o papa, chamando-lhe “um lobo disfarçado de ovelha”.
O pai do actor, Hutton Gibson, com 84 nos, é bem conhecido nos círculos tradicionalistas católicos. Autor de vários livros em que ataca abertamente a hierarquia máxima da Igreja, como “Is the Pope Catholic… Enough?”, o pai de Mel defende que a abertura desenhada com o Concílio Vaticano II foi desastrosa para a fé católica, advogando a necessidade de “voltar atrás”. Hutton Gibson é também um revisionista histórico, afirmando nos seus escritos que o Holocausto nunca existiu (ver nota biográfica Hutton Gibson - Wikipedia). Por isso, não me espantei quando comecei a ver esboços de uma campanha de promoção do filme de Mel Gibson em vários blogs portugueses de extrema-direita (para não dizer mesmo fascistas).
Agora, depois de ter visto o filme, há algumas conclusões a tirar. Como experiência cinematográfica pura e dura, é extremamente pobre e brutalmente violento. Já nem sequer vou mencionar o facto de ser integralmente falado em latim e num aramaico mal pronunciado. Salva-se apenas uma fotografia (cinematografia para os meus leitores brasileiros) razoável que consegue alguns momentos eficazes.
Mas, muito mais importante é perceber se os meus amigos cristãos se vão rever neste The Passion of the Christ, um filme inquestionavelmente enraizado em doutrinas cismáticas e marginais. Será que a mão cinematográfica de Mel Gibson fará vingar a visão ultraconservadora, e porque não revanchista, do cardeal Lefebvre? A pergunta fica no ar. Que me respondam os meus amigos cristãos. Sim, José, Fernando Macedo, Tiago de Oliveira Cavaco, David e Vincent Bengelsdorff, gostava de saber o que pensam.
Para mais sobre duas figuras centrais na Paixão de Jesus num contexto histórico aconselho uma passagem por Profiles of Joseph Caiaphas and Pontius Pilate, key figures in the arrest, trial and crucifixion of Jesus. (University of Missouri). Um excelente livro sobre o governador romano da Judeia é Pontius Pilate by Ann Wroe, editado nos EUA pela Random House. Uma recensão do livro de Ann Wroe pode ser lida aqui,
FT August/September 2000: Player in a Cosmic Drama
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A Inquisição e o Declínio
do Império Português
Published at 1/29/2004 in História. "English" Translation
“Quando os Portugueses conquistaram o Atlântico sul, estavam na vanguarda da técnica de navegação. Um empenho em aprender com cientistas, muitos deles judeus, fizera que os conhecimentos adquiridos fossem directamente traduzidos em aplicações práticas; e, quando, em 1492, os Espanhóis decidiram compelir os seus judeus a professar o cristianismo ou abandonar o país, muitos encontraram refúgio em Portugal, nessa época mais complacente quanto aos seus sentimentos antijudaicos. Mas em 1497, pressões da igreja católica e de Espanha levaram a coroa portuguesa a abandonar essa tolerância. Cerca de 70 mil judeus (1) foram forçados a um baptismo espúrio, embora válido como sacramento. Em 1506, Lisboa viu o seu primeiro “progrom”, que deixou um saldo de 2000 “cristão-novos” mortos (2) (a Espanha já adoptava essa prática há duzentos anos). Desde então, a vida intelectual e científica de Portugal desceu a um abismo de intolerância, fanatismo e pureza de sangue.
O declínio foi gradual. A Inquisição Portuguesa só foi instalada na década de 1540 e o seu primeiro auto-de-fé três anos depois; mas só se tornou sombriamente implacável na década de 1580, depois da união das coroas portuguesa e espanhola. Muitos estrangeiros, comerciantes e homens de ciência, acharam entretanto que a vida em Portugal estava a ficar demasiado perigosa para justificar a saída do país em massa. Levaram com eles dinheiro, experiência comercial, ligações, conhecimentos e – ainda mais importante – aquelas qualidades imensuráveis de curiosidade e inconformismo que constituem o fermento do pensamento.
Foi uma perda, mas em questões de intolerância a maior perda é a que o perseguidor inflige a si próprio. É esse processo de autodiminuição que confere à perseguição a sua durabilidade e a torna, não o acontecimento de um dado momento, ou de um reinado, mas de vidas inteiras, de gerações e de séculos. Em 1513, Portugal precisava de astrónomos; na década de 1520, a liderança científica tinha acabado. O país tentou criar uma nova tradição astronómica e matemática cristã, mas fracassou, até porque os bons astrónomos foram alvo da suspeita de judaísmo.
Tal como em Espanha, os Portugueses esforçaram-se ao máximo em fechar-se a influências estrangeiras e heréticas. A educação formal era controlada pela Igreja, que mantinha um currículo medieval centrado na gramática, retórica e argumentação escolástica. Característicos eram o exibicionismo e o bizantinismo (247 regras rimadas e decoradas da sintaxe de substantivos latinos). A única ciência de nível superior seria encontrada na faculdade de medicina de Coimbra. Mesmo aí, porém, poucos professores estavam dispostos a trocar Galeno por Harvey, ou a ensinar as ideias ainda mais perigosas de Copérnico, Galileu e Newton, todos banidos pelos Jesuítas ainda em 1746.
Deixou de haver mais jovens portugueses a estudar no estrangeiro e a importação de livros era rigorosamente controlada por fiscais enviados pelo Santo Ofício para inspeccionar os navios que chegavam e visitar livrarias e bibliotecas. Um índice de obras proibidas foi preparado pela primeira vez em 1547; sucessivas ampliações culminaram na gigantesca lista de 1624- a mais recomendada para salvar as almas portuguesas.
(…)
Claro que era impossível isolar um país envolvido no concerto da Europa e na disputa por um império. Os diplomatas e agentes portugueses no estrangeiro regressavam ao país com a mensagem de que o resto do mundo estava a avançar, enquanto Portugal ficava parado no tempo. Esses “estrangeirados” – uma alcunha pejorativa – atraíram profundas suspeitas, pois estavam “contaminados”. A sua rejeição estava implícita no orgulho português. Profundamente desastroso. Eles perceberam o que pouco portugueses podiam ou queriam ver: que a busca da pureza cristã era estúpida, que o Santo Ofício da Inquisição era um desastre nacional; que a Igreja devorava a riqueza do país; que o fracasso do governo em promover a agricultura e a indústria tinha reduzido Portugal ao papel de ‘melhor e mais lucrativa colónia da Inglaterra’. Através desse isolamento auto-imposto, os Portugueses perderam a competência até mesmo nas áreas que anteriormente tinham dominado. ‘De líderes na vanguarda da teoria e prática de navegação passaram a andar sem rumo muito atrás dos outros’, como afirmou D. Luís da Cunha, por altura da assinatura do Tratado de Methuen.”
in A Riqueza e a Pobreza das Nações: Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres, David S. Landes, Gradiva 2002.
::Notas da Rua da Judiaria::
1) Os historiadores debatem ainda o número de judeus portugueses convertidos à força ao catolicismo, mas estima-se que este ascenda a mais de 150 mil pessoas. É, mesmo assim, consensual que existiam no reino de Portugal por alturas de 1497 cerca de 200 mil judeus – numa população total sensivelmente superior a um milhão de portugueses. Apenas uma pequena percentagem terá conseguido emigrar. Os que ficaram, tornaram-se “cristãos-novos” forçados (cripto-judeus na maior parte dos casos) – obrigados a uma existência de medos e dualidades, aos poucos os judeus secretos foram abandonando as actividades intelectuais (astronomia, medicina, física, matemática, filosofia) que até então tinham marcado o judaísmo português e ibérico. A dimensão da comunidade judaica portuguesa dos finais do século XV e princípios do século XVI era tal que fora de Portugal havia uma confusão recorrente entre “português” e “judeu”: “Um professor de grego da França, convidado a ensinar a sua disciplina em Portugal, aceitou o convite, mas tratou antes de aprender ele próprio a língua hebraica, que supunha fosse a língua oficial dos habitantes do reino, seus futuros discípulos.” (Elias Lipner, “O Sapateiro de Trancoso e o Alfaiate de Setúbal”, p.19). “Certo padre português, cristão-velho, interpelando um cardeal romano a respeito de um benefício eclesiástico que este dera a um português cristão-novo, ouviu do interpelado a seguinte resposta: ‘Andai, que vós portugueses sois judeus, e o vosso rei é o rei dos judeus’.” (Mendes dos Remédios, “Os Judeus em Portugal”, Vol. II, p.417)
2) O número de mortos resultantes do progrom de Lisboa, ocorrido em Abril de 1506, também não é certo, embora a maior parte das fontes e testemunhos da época apontem para cerca de quatro mil pessoas (cripto-judeus / cristãos-novos) chacinadas na sequência de motins antijudaicos incitados por frades dominicanos. No Rossio, contam Samuel Usque e Damião de Góis, o chão ficou “tapado com montanhas de corpos mutilados”. “Mais de quatro mil almas morreram(…)”, escreveu Samuel Usque em “Consolação às Tribulações de Israel” (1553).
“Von dem Christeliche / Streyt, kürtzlich geschehe / jm. M.CCCCC.vj Jar zu Lissbona / ein haubt stat in Portigal zwischen en christen und newen chri / sten oder juden , von wegen des gecreutzigisten [sic] got.”
Panfleto anónimo, impresso na Alemanha (presumivelmente poucos meses depois do massacre de Lisboa). O “progrom” de 1506 contra os judeus de Lisboa é descrito em detalhe e as matanças contadas ao pormenor. A gravura do frontispício mostra os corpos mutilados e envoltos em chamas de dois judeus portugueses, dois irmãos, os primeiros a morrer num massacre que vitimou mais de 4 mil pessoas.
(Esta gravura é reproduzida aqui na Judiaria a partir de uma cópia publicada pelo Hebrew Union College, Cincinnati, OH. O original, bastante raro, encontra-se na Houghton Library, Harvard University)
Caro PMB
Um dia os historiadores (porque para si, só a palavra de sábios de ciências humanas é que será válida, talvez, já que se recusa a ver o resto do texto do Afonso Cautela) irão rever o conceito Holocausto associado em demasia aos judeus e reconhecerem o holocausto tibetano, o holocausto sudanês, o hocolausto dos povos da Amazónia e outros antes e depois dos judeus e desejemos que não haja mais progrom/pogrom...
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